Patrícia Helena Marta Martins

Rodrigo Guedes Mello

Um dos grandes lemas que permeia a agenda econômica e social das maiores nações do mundo nos últimos anos é a proteção da natureza e dos recursos ecológicos. Centenas de estudos científicos demonstram a precarização da disponibilidade de recursos naturais ao redor do planeta pela ação humana, especialmente desde a primeira Revolução Industrial e constantemente agravada ao longo do tempo.
A preocupação com o meio ambiente passou a ser um tópico de destaque, impondo a obrigação de implantação de políticas ambientais por diversos países e a criação de acordos internacionais de redução de poluentes, entre outras medidas. 
As empresas também vêm abraçando a causa, buscando lançar produtos mais eco-friendly – com propriedades biodegradáveis, mais eficientes energeticamente, menos poluentes etc. – e, obviamente, utilizando essa atitude como um diferencial concorrencial.
A questão que aqui surge é: qual o critério para afirmar que alguns produtos seriam dignos de fazer apelos de sustentabilidade em seus materiais comerciais/publicitários e outros não seriam? Qual o limite para esse tipo de afirmação no âmbito da criação publicitária, sem que se caracterize a prática do greenwashing[1]? 
Notem que aqui não estamos falando de publicidade que incentive práticas contra a natureza, forma publicitária vedada pelo Código de Defesa do Consumidor como publicidade abusiva, nos termos do artigo 37, § 2º. 
Por isso, em um primeiro olhar, a resposta parece óbvia: o limite estaria na veracidade dessa afirmação, nos termos do Código de Defesa do Consumidor, notadamente de seu artigo 37, caput e § 1º. 
Mas o tema não é tão simples, pois muitas vezes não é possível definir com facilidade se – ou em qual medida – a afirmação de apelo ecológico é falsa ou não. 
No âmbito autorregulatório, o Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária (CONAR) dedicou um artigo e um anexo inteiro de seu Código para tentar definir de maneira mais precisa quais anúncios seriam alegações de sustentabilidade aceitáveis e quais não. 
No artigo 36 do Código Brasileiro de Autorregulamentação Publicitária, o CONAR prevê, além da proibição de anúncios que estimulem práticas diretamente contrárias ao meio ambiente, os princípios a serem seguidos pelas publicidades que aleguem benefício ambiental: veracidade, exatidão, pertinência e relevância.
Os três primeiros requisitos não geram grandes dúvidas: veracidade, porque a informação veiculada deve ser verdadeira; exatidão, para afastar afirmações genéricas e vagas; pertinência, pois as informações devem se relacionar com os processos de produção/comercialização dos produtos. Nesse espírito, o Anexo U do Código prevê, também, que (i) as alegações de benefícios socioambientais deverão corresponder a práticas concretas adotadas, evitando-se conceitos vagos, (ii) os responsáveis pelo anúncio [...] deverão dispor de dados comprobatórios e de fontes externas que endossem as afirmações feitas e (iii) a publicidade não comunicará promessas ou vantagens absolutas ou de superioridade imbatível.
Mas e a relevância? Relevância, que, no âmbito do CONAR, corresponde à obrigação de que o benefício ambiental anunciado seja significativo em termos do impacto total do produto e do serviço sobre o meio ambiente, a nosso ver, é um conceito de aplicação prática um pouco mais complicada, por ser um critério nem sempre aferível objetivamente. Exemplifica-se: 
Uma empresa de plásticos que fabrica um polímero que se degrada na natureza 20% mais rápido. Neste caso, ainda há impacto ambiental, mas menor do que o anterior produzido pelos produtos dessa empresa.
Pior: e se, mesmo com essa melhora significativa, esses produtos não receberem uma certificação própria da área atestando que o produto seria “ecológico”? Essa melhora de 20%, por si só, é suficiente para cumprir com o requisito da relevância, permitindo que esses produtos se utilizem, por exemplo, do prefixo “eco” em seus nomes comerciais? 
Não há resposta pronta, nem posicionamento conclusivo de nossos tribunais. Por isso, a análise deve ser feita a cada caso, tendo sempre em vista as particularidades do produto e da indústria em discussão, tanto no Brasil quanto no exterior, de maneira comparativa, principalmente, com eventual versão anterior do mesmo produto.
Além disso, essa análise deve sempre buscar atingir um meio termo apto a conjugar o interesse do consumidor – de não ser induzido a erro por informações falsas ou muito exageradas – com o interesse empresarial – de capitalizar com os avanços obtidos em relação ao meio ambiente em seus produtos, sempre conquistados mediante altos investimentos em pesquisa e desenvolvimento.
A nosso ver, em situações em que é confrontado com discussões nesse sentido, o CONAR tem conseguido equilibrar esses dois interesses. Em alguns casos analisados[2], o CONAR não se opôs à utilização da expressão “eco” ou outra similar quando existiu uma efetiva melhora na eficiência ou diminuição do impacto ambiental, mas recomenda a alteração de expressões que façam comparativo de superioridade injustificado ou declarações absolutas, como a expressão “100% ecológico”.
Espera-se que esse razoável posicionamento que o CONAR tem adotado seja utilizado como ponto de partida para os tribunais, quando questões similares forem judicializadas.
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[1] Em tradução livre, “lavagem verde”. Corresponde à prática de algumas empresas de "maquiar" seus produtos/serviços como amigáveis para o meio ambiente, visando criar uma imagem de empresa ambientalmente responsável. Para tanto, utilizam-se de termos e expressões como “eco”, “ecológico”, “menos poluente” e “sustentável”, entre outras, nas embalagens e anúncios de seus produtos/serviços. Fenômeno semelhante se vê não apenas no âmbito ecológico, mas também em outras causas caras à sociedade moderna: redwashing - utilização falaciosa de discurso de igualdade social; purplewashing - utilização falaciosa de discurso feminista; pinkwashing - utilização falaciosa de discurso pró direitos de grupos LGBT.
[2] Representação nº 263/16. Sexta Câmara. Conselheiro Rubens da Costa Santos. Março/2017.

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JOTA

Quais produtos são dignos de fazer apelos de sustentabilidade em seus materiais publicitários?

A publicidade eco-friendly e seus contornos legais

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