Jonathan de Mello Rodrigues Mariano

O governo federal editou a Medida Provisória (MP) 936/2020, instituindo o Programa Especial de Manutenção do Emprego e da Renda. A MP foi devidamente aprovada pelo Congresso Nacional, tendo sido incluídos alguns dispositivos, dentre os quais, se destacam os arts. 33, 34 e 36 do PLV 15/2020, cujo escopo é permitir a prorrogação da base de cálculo diferenciada da contribuição social incidente sobre a folha de pagamento a empresas especificadas nos arts. 7º e 8º da Lei 12.456/2011.
Ao analisar o PLV 15/2020, o governo vetou os artigos, justificando que, além da falta de estimativa de impacto orçamentário e financeiro da prorrogação, havia inconstitucionalidade formal pela inclusão de matéria estranha ao veiculado originariamente pela MP – configurando, assim, hipótese de contrabando legislativo, prática rechaçada pelo STF (ADIs 5.127/DF).
A presente análise não perscrutará as razões do veto, mas sim adentrará sobre o debate, instalado no meio político, quanto à inconstitucionalidade material dos aludidos artigos do PLV 15/2020.
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A finalidade deste artigo, então, é desvendar se a EC 103/2019 visou obstar, com a proibição das diferenciações da base de cálculo da contribuição social sobre a folha de salários (art. 195, §9º, da CF/88), a prorrogação, ou não, das atualmente existentes (art. 30 da EC 103/2019). Para tanto, serão utilizados os métodos de hermenêutica para a extração da melhor norma da EC 103/2019, sobretudo a relativa ao sentido de seu art. 30.
O art. 30 da EC 103/2019 tem o seguinte texto: “a vedação de diferenciação ou substituição de base de cálculo decorrente do disposto no § 9º do art. 195 da Constituição Federal não se aplica a contribuições que substituam a contribuição de que trata a alínea "a" do inciso I do caput do art. 195 da Constituição Federal instituídas antes da data de entrada em vigor desta Emenda Constitucional”.
O sentido do artigo, sob o método gramatical, é de manter a vigência da diferenciação ou da substituição da base de cálculo da contribuição social, incidente sobre a folha de salário, instituída antes da EC 103/2019. Manteve-se, com isso, o estado anterior de coisas, em nome da segurança jurídica, pois se assegurou a ultratividade das medidas existentes à época da EC.
Surge, então, o seguinte questionamento: literalmente, a prorrogação da desoneração da folha se enquadra na ideia de manutenção das que existiam à época da EC 103/2019?
Ora, o verbo “prorrogar” tem sentido semântico distinto de “instituir”, já que só se prorroga algo que existe. Desse modo, fica clara a omissão do tratamento da prorrogação pelo art. 30 da EC 103/2019, por não ser hipótese suscetível de enquadramento no verbo “instituir”.
A ausência de regulação tornaria, em tese, viável a constitucionalidade dos art. 33, 34 e 36 do PLV 15/2020, uma vez que não se estaria instituindo nenhuma desoneração transitória, mas sim protraindo a sua vigência temporária.
Sob a ótica dos métodos histórico e lógico-teleológico, a conclusão, porém, é outra. Isso porque, de acordo com as circunstâncias subjacentes e os debates quando da tramitação da PEC 6/2019 – que deu origem à EC 103/2019 –, o Constituinte Reformador objetivou proibir medidas que prejudicariam a arrecadação de receita e que agravariam o déficit do Regime Geral de Previdência Social (RGPS).
Desses instrumentos de diminuição de receitas, foi descrito expressamente, no parecer do relator da Comissão Especial da PEC 6/2019, a desoneração da folha de pagamento, em especial a da Lei 12.546/2011. Com efeito, conclui-se que a lógica do art. 30 da EC 103/2019 é reputar qualquer medida contrária à arrecadação de receita – em que se inclui a desoneração da folha – como um regime transitório até o fim da vigência das medidas previstas nas leis em vigor, principalmente as com vigência temporária, como é o caso da desoneração da folha na Lei 12.546/2011.
A prorrogação das medidas temporárias de desoneração da folha estaria, assim, vedada, pois buscou-se reduzir a perda de arrecadação de receita para atingir o equilíbrio financeiro e atuarial do RGPS (art. 201, caput, da CF/88).
Vê-se, então, que aparentemente dois caminhos interpretativos se abririam, quais sejam, o sob a ótica literal (ausência de proibição expressa como permissão à prorrogação de medidas temporárias de desoneração da folha, como a prevista na Lei 12.546/2011) e outro sob as óticas histórica e lógico-teleológica (enquadramento da prorrogação dentro da noção do verbo “instituir”, sob pena de subverter a ideia de transitoriedade das regras legais de diminuição da arrecadação de receita ao RGPS).
<blockquote class="jota-article__eye">A partir da existência de mais de uma via interpretativa, é necessário levar em conta as consequências da exegese, em razão do advento da Lei 13.655/2018. Atente-se, porém, que o consequencialismo não pode ser contrário à mens legis do texto normativo sujeito à atividade interpretativa.</blockquote>
Pois bem. O argumento principal anunciado a favor da prorrogação é o aumento do desemprego no Brasil, porquanto os setores econômicos de maior geração e manutenção de empregos não conseguirão, sem a desoneração da folha, mantê-los, sobretudo porque, a partir da pandemia da Covid-19, as sociedades empresárias estão com as receitas extremamente combalidas.
Apesar de tal situação ser desastrosa, mormente considerando as projeções econômicas desfavoráveis à economia brasileira no cenário pós-pandemia, deve ser levantado argumento também consequencialista contrário à prorrogação, qual seja: admiti-la seria abrir exceção perigosa de que o Parlamento também possa prorrogar outras medidas de diminuição da arrecadação da receita do RGPS para “manter empregos”.
A consequência da admissão da prorrogação da desoneração da folha defere, portanto, ao legislador ordinário a subversão da lógica constitucional por detrás do atual art. 195, §9º, da CF/88 e do art. 30 da EC 103/2019, já que, havendo justificativa de “aumento do desemprego”, seria viável adiar a vigência temporária de instrumentos de renúncia de receita ao RGPS.
O excesso de tributação sobre a folha para a manutenção de empregos deve ser resolvido na reforma tributária, e não para alterar a correta lógica da EC 103/2019 (busca do equilíbrio financeiro e atuarial do RGPS), o que poderia acarretar no aumento do déficit público e na diminuição do bom funcionamento do sistema securitário brasileiro, principalmente nesse cenário de pandemia em que a cobertura de riscos deve ser ampliada em favor dos mais necessitados.
Por essa razão, os arts. 33, 34 e 36 do PLV 15/2020 devem ser reputados como materialmente inconstitucionais, por violarem a lógica da EC 103/2019, razão pela qual a melhor opção é a manutenção do veto presidencial.

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JOTA

As consequências econômicas não podem desvirtuar a teleologia do texto normativo sujeito à interpretação

A prorrogação da desoneração da folha é proibida pela EC 103/2019?

As consequências econômicas não podem desvirtuar a teleologia do texto normativo sujeito à interpretação