Maria Iraneide Olinda Santoro Facchini

<p>No momento em que o mundo atravessa uma pandemia devastadora, a necessidade de se utilizar os recursos públicos de forma adequada é ainda mais evidente: a probidade pode garantir que as verbas disponíveis sejam de fato utilizadas para aquisição de leitos, equipamentos e vacinas, salvando milhares de vidas. Apesar disso, pretende o Congresso Nacional, com o Projeto de Lei n.º 10.887/2018, reduzir drasticamente o rigor da Lei de Improbidade Administrativa (Lei n.º 8.429/92), o que vai desguarnecer a proteção do patrimônio público e social e enfraquecer o dever de probidade, consagrado no art. 37 da Constituição Federal.</p>
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<p>Os argumentos são de que o diploma legal estaria desatualizado e que seria severo demais e intimidaria os gestores públicos. Em junho deste ano, o Plenário da Câmara dos Deputados, por acordo de líderes, aprovou em regime de urgência subemenda substitutiva ao projeto de lei, com expressivo quórum. No entanto, as alterações realizadas pela Câmara e que agora serão apreciadas pelo Senado muito desvirtuam e fragilizam o combate à corrupção e à impunidade no país.</p>
<p>Uma das principais mudanças é a possibilidade de condenação do Ministério Público ao pagamento de honorários sucumbenciais em caso de improcedência da ação. Tal medida é simplesmente incompreensível e não se justifica por qualquer ângulo que se analise. O Ministério Público não propõe demandas para defender interesse próprio, mas movido pela missão de proteger os interesses públicos coletivos, difusos e individuais homogêneos. O próprio Superior Tribunal de Justiça, ao analisar a questão, já decidiu que, em ações dessa natureza, o MP não deve pagar honorários, a não ser em caso de condenação por litigância de má-fé ou de comprovação da atuação abusiva por parte do órgão. Assim, indaga-se: por que essa intimidação dos agentes da instituição?</p>
<p>Outro ponto controverso trata da necessidade de comprovar periculum in mora para se obter medida cautelar de indisponibilidade de bens (art 16, §§ 2º e 4º). O STJ sempre entendeu desnecessária a prova de que o réu pretende dilapidar o patrimônio, bastando provar indícios de atos de improbidade para permitir a constrição ou a tutela de evidência (matéria objeto de julgamento pela 1ª Seção do Superior Tribunal de Justiça, no Recurso Especial Repetitivo n.º 1.366.721/BA).</p>
<p>Ao transmudar a tutela de urgência, exigindo prova do periculum in mora e do fumus boni juris para sua concessão, a alteração pretendida, além de constituir-se em ônus extraordinário para o Ministério Público, pode retirar a utilidade do processo, permitindo ao réu se desfazer dos bens obtidos ilicitamente ou dos valores desviados, deixando a descoberto o integral ressarcimento do dano. Tal disposição descaracteriza ainda o poder geral de cautelar do juiz (art. 93 do CPC), importante instrumento para a defesa de direitos em juízo.</p>
<p>O texto aprovado na Câmara reduz ainda o prazo para conclusão das investigações, fixando 180 dias, prorrogáveis uma única vez. Levantamento realizado pelo procurador da República Hélio Telho, da Procuradoria da República em Goiás, acerca do tempo de tramitação do inquérito civil nas diversas unidades do Ministério Público Federal, constatou que a média de prazo para a conclusão de investigações é de 608,3 dias, ou seja, quase 2 anos, muito acima do previsto no projeto de lei.</p>
<p>A redução do prazo prescricional é outra alteração que, se mantida, vai consagrar a impunidade, dada a exiguidade do prazo proposto. Segundo o art. 23 do projeto de lei, o prazo prescricional passa a ser único, de oito anos da ocorrência do fato. Ora, os atos ilícitos e ímprobos normalmente são praticados de forma oculta ou dissimulada, o que dificulta seu conhecimento. Para que venham à baila todos os desdobramentos, o Ministério Público necessita do concurso de outros órgãos públicos, tornando ainda mais difícil a conclusão das investigações em tempo hábil.</p>
<blockquote class="jota-article__eye"><p>A figura da prescrição intercorrente, a correr no diminuto prazo de quatro anos, vem a jogar pá de cal sobre a utilidade e eficácia das ações por improbidade, beneficiando o malfeitor. Impõe-se, assim, que seja excluída tal inovação, dados os superiores interesses defendidos na lei de improbidade.</p></blockquote>
<p>Não há como aceitar tamanha investida na luta contra a corrupção no país. Vamos fazer valer os objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil, previstos no art. 3º da Carta Magna, de construir uma sociedade livre, justa e solidária e garantir o desenvolvimento nacional, promovendo o bem de todos. Por isso, espera-se que os senadores revejam esses pontos controversos, entre outros, de modo a assegurar ao Ministério Público os instrumentos necessários para o combate à corrupção e a defesa da probidade.</p>
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