Fernando Dantas M. Neustein

Jéssica Tolotti Canhisares

Há menos de dez anos entrava em vigor o <a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/marco-civil-internet">Marco Civil da Internet</a>, fruto de amplo debate no Poder Legislativo, com intensa participação da sociedade civil, e enaltecido por garantir a privacidade e a inviolabilidade das comunicações dos usuários e a neutralidade da rede. A lei também alcançou um equilibrado mecanismo de tutela da liberdade de expressão na internet, erigida ao patamar de fundamento e princípio da disciplina do seu uso no Brasil.   
Para resguardar esse direito fundamental, o legislador previu no artigo 19º a regra geral segundo a qual o provedor de aplicação não será responsável pelo conteúdo de usuário, salvo na hipótese de descumprimento de ordem judicial de remoção, ressalvadas exceções legais. Esse regime de responsabilidade foi uma escolha consciente do legislador, ancorada em princípios constitucionais e informada por rico debate multisetorial, que democraticamente considerou ser aquele que melhor respondia aos anseios da sociedade.   
A justificativa do Marco Civil da Internet foi clara sobre a intenção do legislador ao optar por esse regime. Dela consta que se tratou de “preservar as conquistas para a liberdade de expressão decorrentes da chamada Web 2.0, que se caracteriza pela ampla liberdade de produção de conteúdo pelos próprios usuários, sem a necessidade de aprovação prévia pelos intermediários”.   
No julgamento do Tema 987 de Repercussão Geral, o Supremo Tribunal Federal decidirá se essa regra viola os incisos X e XXXII do artigo 5º da Constituição Federal, que tratam da proteção dos direitos da personalidade e do consumidor. Também aguarda julgamento pelo STF o Tema 533 de Repercussão Geral, anterior ao Marco Civil da Internet, embora com objeto similar: o dever de empresa hospedeira de sítio na internet é fiscalizar o conteúdo publicado e retirá-lo do ar quando considerado ofensivo.   
O STF ouvirá em audiência pública, nesta terça-feira (28), autoridades, especialistas e representantes da sociedade civil sobre esse tema, em novo desdobramento de um debate que tem ocorrido também nas esferas dos poderes Legislativo e no Executivo. Como alertam entidades da sociedade civil e organizações de defesa de direitos humanos, o artigo 19 do Marco Civil da Internet viabilizou um modelo de internet livre, plural e democrático, que será sacrificado caso este artigo seja declarado inconstitucional.  
O argumento pela declaração de inconstitucionalidade do artigo 19 do Marco Civil da Internet se concentra na suposta inconveniência e na insuficiência dessa regra diante da realidade atual. Ocorre que o juízo sobre a conveniência/suficiência de uma lei não só é diferente do juízo sobre a sua inconstitucionalidade, como pertence exclusivamente aos órgãos de representação política da sociedade. Portanto, é no Congresso que esse debate deve frutificar, com ampla participação da sociedade. Refazer no Judiciário um juízo político de conveniência/suficiência, quando inexiste inconstitucionalidade inequívoca, implica indevida interferência judicial onde não há carência legislativa. 
O momento convida o Supremo Tribunal Federal a reconhecer que o debate sobre a conveniência/suficiência desse regime de responsabilidade deve amadurecer no Legislativo, que já está debruçado sobre o assunto. Não se trata de obstar a discussão sobre novos regramentos ou da revisão desse modelo, mas de assegurar que a sua realização se dê pelos canais da representação política previstos na Constituição. O Legislativo oferece os caminhos para garantir ampla participação popular e oitiva de vozes diferentes visando a obter consenso com embasamento democrático. Essa é a via que melhor pode instruir o debate a que se propõe o Supremo Tribunal Federal nos Temas 533 e 987 de Repercussão Geral.

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JOTA

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