STF

A presença de Teori

A memorabilia de um juiz firme e sereno lança luzes sobre esse mundo eclipsado por pesadelos extremistas

Ministro Teori Zavascki durante sessão da 2ª turma do STF. Foto: Nelson Jr./SCO/STF (22/11/2016)

Anoiteceu de golpe naquela quinta-feira, 19 de janeiro de 2017. A Teori Zavascki o destino trágico o nascer do dia seguinte lhe negou. A vida segada que jazia ao mar deixava o País aturdido e a família devastada pela dor.

Por sobre o pesar da pungente perda, porém, luzia a centelha da alma. O respeito que o Ministro granjeou, porquanto já se punha para muito além do próprio Supremo Tribunal Federal (STF), sobrepujou o seu trânsito subitamente abreviado no espaço terreno.

Teori transpôs o seu tempo. Dele se projetam ideias e práticas valiosas, tanto para alento de juízes e jurisdicionados, quanto para se cumprir o destino constitucional de um país realmente justo, livre e solidário.

Reto, elegante e pedagógico no estilo, recatado no agir e preciso nos conceitos, seus votos mostram profusas lições de justiça, de ética e de prudência. A corroborar, resgato da Memória Jurisprudencial: Ministro Teori Zavascki o realce feito pelo professor Daniel Mitidiero, visto que “seus votos e suas decisões em nossa Suprema Corte de Direito Constitucional procuraram conduzir o Brasil a um novo patamar moral a partir do direito”.

Como Relator originário da operação denominada Lava Jato no STF, com imparcialidade e independência, resolvia os conflitos e não os criava. O Ministro Zavascki demonstrou pelo comportamento que, nos termos e nos limites da Constituição, a justiça penal no Estado democrático de direito chancela a legítima resposta do Estado-juiz em face da violação dos bens jurídicos penalmente tutelados, nomeadamente corrupção e lavagem de capitais.

Ao assim proceder, observava sempre que a democracia, com o respeito à Constituição e à ordem jurídica, é premissa, vale dizer, condição de possibilidade. Dentro dela, e não do arbítrio, está o programa da Constituição de 1988, cuja a síntese de Ulysses Guimarães continua atual: a Constituição tem ódio e nojo da ditadura, e “a corrupção é o cupim da República”.

Foi no domínio autoritário do estado de coisas anterior à Constituição que grassou por anos a ineficiência e deitou raízes o cupim da República. É uma praga resiliente.

Não por acaso, está na Agenda 2030 da ONU, como meta do Objetivo de Desenvolvimento Sustentável, a redução substancial da corrupção. Ao mesmo tempo em que vem sofrendo por ações e palavras uma inegável marcha à ré na vida democrática, o país amarga, pelo segundo ano consecutivo, seu pior patamar segundo o Índice de Percepção da Corrupção 2019 da Transparência Internacional, com 35 pontos, em escala de 0 a 100.

O cenário se agrava nesse tempo pandêmico complexo, volátil, incerto e até mesmo ambíguo, no qual as palavras e os respectivos sentidos também estão ameaçados. Boatos competem com fatos. Informações falsas se produzem e incitam efeitos de concretas proporções catastróficas.

Na massiva disseminação de embustes, as mentes totalitárias põem em marcha a demolição das instituições democráticas. Incumbe proteger a democracia e defender a Constituição, inclusive em face da legião de silêncios daqueles que fazem ouvidos de mercador para os fracassos da democracia, a impunidade seletiva, e os baixos níveis de responsabilização de poderosos atores da cena pública, intocados pelas permissivas lacunas do sistema de justiça; a imagem mais intimorata da cena brasileira poderia advir de um poema (“A Segunda Vinda”) de William Butler Yeats: “Falta aos melhores toda convicção, enquanto os piores/Estão cheios de apaixonada intensidade”.

Avesso a esse barbarismo corrente que se prenunciava desde anos antes, sumo processualista, composto da mesma matéria que cimenta as garantias fundamentais aos direitos e deveres da vocação do Estado democrático, Teori vestia à perfeição a toga da ‘gravitas’ inerente à magistratura. Foi um magistrado afeito àquela restrita esfera de serenidade própria dos seres ao mesmo tempo simples, profundos e refinados.

As diligências por uma democracia mais justa e por uma justiça mais eficiente, com irrestrita observância ao ordenamento jurídico, nomeadamente dos direitos e garantias fundamentais, homenageiam em Teori os precedentes do STF que deram segurança e respaldo à síntese da Constituição a que se referiu Ulysses Guimarães.

Na esperança que o lume em Teori chama, está o espírito público, republicano e comprometido com a legalidade constitucional. Dedicou seus esforços ao aprimoramento da jurisdição, um empenho por maior justiça e eficiência nos limites constitucionais dos direitos e garantias fundamentais. Tais esforços são, antes de tudo, frutos de uma histórica demanda por maior qualidade na prestação de serviços públicos, o que também deve significar a combustão das desigualdades, dos privilégios, das discriminações e autoritarismos.

A impiedosa fatalidade lhe impediu de observar o fluxo ainda mais aprofundado e acelerado de vozes, atos e omissões com o reprovável propósito de enfraquecer a democracia e de vergar as instituições; nesse curso de manifesto desapreço pela democracia, a apologia da truculência despiu-se de todo pudor e compostura. A memorabilia de um juiz firme e sereno lança luzes sobre esse mundo eclipsado por pesadelos sectários, desastrosos e extremistas.

Oxalá no saudoso Ministro Teori se encontre inspiração para o Brasil sair da crise sem desfigurar ainda mais a democracia, e para redimir o país enlutado pelo vírus que assola toda a casa comum. Martin Luther King houvera preconizado que “devemos aceitar a decepção finita, mas nunca perder a esperança infinita”.

Respeito define. Teori vive, porquanto transcender fora da ordem do seu viver.


O episódio 48 do podcast Sem Precedentes faz uma análise sobre a atuação do Supremo Tribunal Federal (STF) em 2020 e mostra o que esperar em 2021. Ouça: