Bernardo Cordeiro Kaufmann

Com a entrada em vigor do chamado “novo” Código de Processo Civil (Lei 13.105, de 2015), a prerrogativa de início da contagem do prazo apenas com carga ou remessa dos autos físicos, de que já gozava a Fazenda Pública, foi estendida à chamada advocacia pública para beneficiar, também, as autarquias e fundações de direito público, a Defensoria Pública e o Ministério Público. Contudo, a novidade é digna de atenta hermenêutica porquanto sua norma legal, prevista no artigo 183, § 1o, pode ser contraditória ao ordenamento jurídico pátrio em alguns cenários.
A regra, conforme a interpretação literal, é que o advogado ou o procurador compareça à secretaria para retirar os autos ou que essa providencie sua remessa ao órgão oficial de representação da advocacia e da Fazenda públicas (art. 269, § 3o, CPC). Mas, observados a prática forense e os princípios da economia e da celeridade processuais, é comum que a citação seja acompanhada de uma intimação, em especial nos casos em que houve uma tutela provisória deferida liminarmente. Nessas últimas circunstâncias, vale perquirir se o início do prazo recursal ocorreria com a juntada do mandado cumprido (art. 231, II, CPC) ou com a observância da prerrogativa já mencionada.
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Por meio de uma consulta à doutrina, pôde ser constatado que o motivo da existência dessa distinção para o particular é a burocracia e a precariedade, de modo geral, do serviço público. Assim, além de conceder o dobro do prazo para qualquer manifestação, optou-se pela intimação pessoal, por meio de carga ou remessa dos autos físicos ou por meio eletrônico no caso de “autos” igualmente eletrônicos, a fim de propiciar a ciência inequívoca do pronunciamento judicial e, mais do que isso, proporcionar a vista da íntegra processual.
Porém, a citação por oficial de justiça é o meio mais solene e formal que a lei processual civil adota (art. 250, caput e incisos, CPC). Com isso, um de seus requisitos é a cópia da petição inicial e do despacho ou “da decisão que deferir tutela provisória” (inciso V). Ou seja, a finalidade da intimação por carga, remessa ou por meio eletrônico foi igualmente atingida, uma vez que o dito servidor público, além de entregar a comunicação diretamente no órgão público réu, oportuniza o conhecimento do pedido contido na peça inaugural da ação e os fundamentos da decisão do magistrado.
Dito isso, entendo que a juntada aos autos da intimação por oficial de justiça, quando acompanhada da citação, é suficiente para o início da contagem de prazo recursal. O princípio da instrumentalidade das formas evidencia-se nessas situações e não pode ser ignorado, pois é um dos importantes pilares da sistemática processual adotada. A ciência inequívoca e o inteiro teor da decisão, e apenas eles, são os pressupostos do marco inicial.
Com o devido respeito àqueles que entendem de forma contrária, interpretar que a juntada do mandado cumprido não inicia a contagem de prazo implica dizer que a advocacia e a Fazenda públicas, apesar de poderem contestar, ainda não “poderiam” recorrer. E o verbo “poder” foi utilizado na definição de “ter habilidade para; possuir o necessário para”. Mais do que isso, indicaria que pode ser aplicada sanção nos casos de descumprimento da ordem contida no pronunciamento judicial (art. 250, III, CPC) antes de o duplo grau de jurisdição ser oferecido ao réu.
O intérprete e aplicador do Direito deve ter a ciência de que a hermenêutica gramatical não é o fim, mas simplesmente o meio. Na hipótese de ser a única forma interpretativa adotada, corre-se o risco de desconsiderar os anseios do legislador, de contrariar o ordenamento e, indo além, de propiciar a afronta aos princípios gerais, sejam explícitos ou implícitos.
O próprio Código de Processo Civil (arts. 4o ao 6o) agora consagrou a cooperação entre aqueles que, de qualquer forma, participam do processo, o dever que têm de se comportar de acordo com a boa-fé e o direito deles de a lide ser solucionada em tempo razoável. Essas características serão suprimidas se apenas for observada a literalidade do seu artigo 183, § 1o. Aliás, em sentido contrário, o que se observará é a parte ré, ciente da existência de tutela provisória deferida, conservando seu direito de recorrer até o momento em que lhe aprouver, até que tenha o interesse de comparecer à secretaria e realizar a carga dos autos, pois a remessa, cediço, não será feita.
Isso sem se levar em conta que a igualdade entre as partes, a razoabilidade e a eficiência (arts. 7o e 8o) seriam igualmente desconsideradas com a justificativa de suposta previsão legal para validar e chancelar a conduta da advocacia ou da Fazenda pública. É, de fato, situação que, ao menos em tese, todo e qualquer estudante do Direito defenderia incorreta. Todavia, ao se apegar à literalidade da intimação pessoal por carga ou remessa dos autos, estar-se-ia ignorando suas consequências e proporcionando um cenário que abstratamente não concordaria.
Situação mais inusitada, ainda, seria harmonizar o entendimento de início do prazo apenas na forma da prerrogativa exposta com a hipótese de carta precatória. Esse instituto não comporta, de maneira alguma, o envio dos autos do processo até o lugar em que o órgão público está. Nesse caso, é de se imaginar, o início do prazo recursal não ocorreria jamais, conservando-se o direito eternamente sem qualquer previsão legal ou motivo minimamente razoável.
Diante desses fatos, a regra de a intimação pessoal da advocacia e da Fazenda públicas ocorrer por carga ou remessa dos autos físicos deve ficar restrita às hipóteses em que isso não contraria toda a sistemática e lógica adotada pelo Código de Processo Civil. Assim, quando houver, concomitantemente à intimação, a citação por oficial de justiça, o início do prazo recursal ocorre com a juntada do mandado aos autos a fim de se harmonizar normas sem qualquer afronta à mencionada prerrogativa ou prejuízo ao réu.

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JOTA

Início do prazo recursal ocorre com a juntada do mandado aos autos

A prerrogativa de intimação pessoal e o prazo recursal

Início do prazo recursal ocorre com a juntada do mandado aos autos