Bruno Yudi Soares Koga

Thomas Victor Conti

O debate a respeito da utilização de dados pessoais na precificação ganha novo capítulo com o avanço do <a href="https://www25.senado.leg.br/web/atividade/materias/-/materia/140488">Projeto de Lei nº 97, de 2020</a> de autoria do então Senador Ciro Nogueira, que se encontra atualmente na Comissão de Transparência, Governança, Fiscalização e Controle e Defesa do Consumidor e tem por relator o Senador Styvenson Valentim.
Em linhas gerais, o Projeto de Lei insere no Código de Defesa do Consumidor a prática abusiva de “ofertar um mesmo produto ou serviço com preços diferenciados em razão de perfis ou características individuais de consumidores apuradas em redes sociais” e torna crime a prática de tal conduta.
<a href="https://www.jota.info/produtos/poder?utm_source=Banner%20site&amp;utm_medium=Artigos&amp;utm_campaign=CTA_Poder_materias"><img class="size-medium wp-image-292717 aligncenter" src="https://www.jota.info/wp-content/uploads/2021/01/jota-pro-poder.jpg" alt="" width="688" height="688" /></a>
O motivo da proposta esclarece que se trata de “proteger o consumidor ainda que ele tenha fornecido seus dados pessoais de forma voluntária em redes sociais”.
Ainda que o Projeto de Lei seja impulsionado pelos melhores motivos, parece-nos que há necessidade de colocar a discussão sobre a precificação com base em dados pessoais dentro de uma perspectiva mais ampla.
Isto se dá porque o tema foi objeto de <a href="https://www.oecd.org/competition/personalised-pricing-in-the-digital-era.htm">amplos debates na OCDE</a>, variando posições entre os países membros a respeito dos efeitos de tal prática, embora haja forte posicionamento no que diz respeito a maior acesso de consumidores com renda menor a produtos e serviços, bem como <a href="https://one.oecd.org/document/DAF/COMP/WD(2018)140/en/pdf">acirramento da competição entre fornecedores</a>.
Por outro lado, <a href="http://www.cmlagoasanta.mg.gov.br/abrir_arquivo.aspx/PRATICAS_ABUSIVAS_DECOLARCOM?cdLocal=2&amp;arquivo=%7BBCA8E2AD-DBCA-866A-C8AA-BDC2BDEC3DAD%7D.pdf">conhecido caso envolvendo práticas de geoblocking e geopricing</a> dá alguma razão à vedação de preços baseados em determinados dados pessoais, especialmente quando há discriminações que violam direitos fundamentais.
Diante deste quadro, cumpre esclarecer que os preços podem ser discriminados de três formas: i) primeiro nível: referente a atribuições de preços individuais a cada consumidor; ii) segundo nível: referente a versões diferentes de produtos ou serviços; e iii) terceiro nível: referente à segmentação de grupos de consumidores.
Via de regra, <a href="https://one.oecd.org/document/DAF/COMP/WD(2018)125/en/pdf">a precificação personalizada pode ocorrer entre o primeiro e terceiro nível</a>, variando de acordo com o banco de dados do fornecedor e sua capacidade de implantar um sistema de precificação eficiente.
Estes preços baseados em dados pessoais podem incorporar inúmeros critérios, tais como a proximidade da residência do consumidor frente aos concorrentes, a assiduidade nas compras, o nível de interação do consumidor com a marca ou ainda elementos como a quantidade de consumo<a href="#_edn1" name="_ednref1">[i]</a>.
Embora os instintos naturais referentes a tal prática sejam os de repelir qualquer tratamento diferenciado entre indivíduos, a utilização de técnicas de precificação baseadas em dados pessoais pode aumentar o consumo de grupos de renda inferior em detrimento de consumidores de renda superior.
Isto se dá porque, à luz da teoria microeconômica, o fornecedor interessado em vender seus produtos ou serviços buscará elaborar preços de acordo com a sensibilidade de cada consumidor.
Noutras palavras, uma pessoa cuja renda seja reduzida não terá motivos para adquirir um produto ou serviço acima da utilidade que dele espera e já levando em consideração suas restrições orçamentárias. Assim, o fornecedor não terá incentivo para elevar o preço diante de pessoas vulneráveis.
Isto implica que a vedação total à precificação personalizada somente beneficia os consumidores com maior renda, não viabilizando instrumentos para que consumidores com renda inferior tenham acesso a dados bens de consumo.
Por outro lado, tratando-se de produtos com demanda inelástica ou ainda em ambientes dominados por monopólios ou oligopólios, a questão deve ser tratada com maior cuidado, visto que a impossibilidade de se socorrer junto a outros fornecedores torna problemática a precificação.
Diante destas restrições, parece oportuno destacar que a principal discussão a ser levada a cabo no contexto da precificação baseada em dados pessoais deve ser informacional.
Realmente, o consumidor que se utiliza de redes sociais possui à sua disposição uma miríade de informações a respeito de preços de produtos e serviços, tendo boas possibilidades de escolher o preço mais aderente às suas limitações orçamentárias.
Contudo, a precificação com base em dados pessoais deve ser informada de modo claro e incontroverso, esclarecendo ao consumidor que o preço oferecido a ele pode divergir daqueles oferecidos a outros consumidores.
Mais que isso, os critérios de discriminação devem ser explícitos, de modo que o consumidor possa saber os motivos pelos quais pode estar sujeito a pagar mais ou menos pelo produto devendo o fornecedor se valer de todos os meios disponíveis para que o consumidor seja devidamente informado da precificação baseada em seus dados pessoais, tais como elementos visuais e audiovisuais.
Ainda se deve rememorar que as compras realizadas por meio da internet estão abrangidas pelo direito de arrependimento (art. 49 do CDC), de modo que o consumidor que descubra ter adquirido produto ou serviço por preço acima do que considera razoável possui a faculdade jurídica de, sem qualquer espécie de explicação, devolver o produto.
Em resumo: i) a precificação personalizada pode elevar a concorrência no âmbito do comércio eletrônico; ii) a precificação com base em dados pessoais pode auxiliar pessoas em situação de vulnerabilidade; iii) isto não implica que discriminações voltadas à violação de direitos fundamentais ou à legislação sejam permitidas; iv) a discriminação de preços deve ser acompanhada de elementos informativos para que o consumidor compreenda que os preços a ele oferecidos podem divergir dos ofertados a outros consumidores; e v) o consumidor pode consultar preços no âmbito eletrônico e se arrepender de quaisquer aquisições por ele elaboradas.
Por tais motivos, cremos que não há necessidade de uma vedação total da precificação personalizada no âmbito das relações de consumo, desde que as restrições acima apresentadas sejam levadas a cabo.
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<a href="#_ednref1" name="_edn1">[i]</a> Para uma análise mais completa do tema, veja-se:  KOGA, Bruno Yudi Soares, Precificação Personalizada, São Paulo: Almedina, 2021.

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