Flávio Henrique Unes Pereira

<p>“Terceirizar é legitimar a precarização do trabalho”. Eis o principal argumento daqueles que criticam o projeto de Lei no 4.330, de 2004, que disciplina os contratos de terceirização, atual PLC 30/2015 no Senado.</p>
<p>Segundo esses críticos a relação da “precarização” com a terceirização seria direta, justificada pela maior ocorrência do desrespeito a regras trabalhistas nos vínculos contratuais entre empregados (os “terceirizados”) e as empresas contratadas. Ocorre que a “precarização”existe, muitas vezes, independentemente da terceirização, a revelar a inconsistência daquela premissa, além do que, com a regulamentação proposta no projeto de lei em análise, haverá exigências até então inexistentes, a coibir a “precarização” ou o uso da terceirização como “intermediação de mão de obra” (ver artigos: 3o; 5o, IV; 4o, §§ 1o e 3o; 11 e 12).</p>
<p>A transferência, portanto, de parcela ou etapa do trabalho não implica “precarização” e, muito menos, compromete necessariamente a qualidade daquilo que é ofertado ao consumidor final que, como sabemos, continua tendo a proteção do código civil e do código de defesa do consumidor.</p>
<p>A terceirização de “atividade fim”, admitida no projeto de lei (“execução de parcela de qualquer de suas atividades”), atrai a velha reflexão sobre o critério “atividade fim” versus “atividade meio”. Haveria correspondência imediata entre esse critério e a precarização da relação de trabalho?Esse modo de pensar aplica‐se ao contexto econômico e tecnológico atual?Inequívoco que o contexto em que vivemos exige especialização da mão de obra e das empresas, visando à eficiência diante de demandas concretas.</p>
<p>Não há como negar que a repetição e o conhecimento técnico acumulados por empresas que se dedicam a determinado ramo conferem maior eficiência e qualidade na produção e na gestão de pessoal, desafios que as empresas não especializadas teriam dificuldade em superar. Fato é que a terceirização, na esteira do desenvolvimento globalizado, é processo irreversível e faz parte de uma nova divisão do trabalho. Sem a terceirização de atividades especializadas, comprometida ficará a formação das redes de produção que, inequivocamente, garantem a manutenção de empresas e empregos.</p>
<p>Lado outro, merece atenção, também, a imprecisão da definição do que seja uma atividade fim. Os avanços tecnológicos que vêm moldando a especialização de empresas, somados à alta velocidade da mudança das relações de trabalho no mundo comprometem a delimitação do que seria “atividade fim”. O importante é que o projeto em estudo reafirma a vedação da precarização do trabalho possibilitando mecanismos de fiscalização pelos órgãos competentes.</p>
<p>Podemos afirmar, sem dúvida alguma, que a resposta à velha dicotomia “atividade fim e atividade meio” é resolvida pelo projeto de lei com a exigência de especialização da atividade desempenhada pela contratada.</p>
<p>Em outras palavras, a especialização será, caso aprovado o projeto, o requisito legal autorizador da terceirização quepassa a ser aferível mediante critérios previamente previstos (art. 2, §5o, p. ex.) e, por conseguinte, controláveis, seja pela contratante, pelo empregado e entidades de classe ou pelo ministério público do trabalho. E nem adianta dizer que a especialização seria algo secundário no projeto de lei submetido ao Senado, pois diversos artigos lhe dão destaque (art. 2o, III, §§3o e 5o, p. ex.).</p>
<p>O foco, portanto, não é a delegação de atividade fim ou atividade meio, mas a natureza específica e especializada da parcela de qualquer atividade a ser transferida a terceiro, sem que haja subordinação ou planejamento por parte da empresa contratante em relação à contratada.</p>
<p>Há, de todo modo, ajustes que merecem ser feitos, como, por exemplo, o relativo à responsabilização solidária da contratante quanto a diversas verbas trabalhistas (art. 15), uma vez que existem limites inerentes à autonomia entre as empresas. Seria plausível impor a responsabilidade caso comprovada a negligência da contratante em relação ao controle sobre condutas da contratada passíveis de acompanhamento por aquela, o que é bem diferente de impor a alguém obrigação por ato de terceiro sem que tenha condições efetivas de fiscalizá‐la, como, por exemplo, saber se a contratada está pagando devidamente horas extras a seus empregados (art. 16, I).</p>
<p>Outro aspecto interessante diz respeito à exigência de que os empregados sejam representados pelo mesmo sindicato quando a prestação dos serviços se der entre empresas que pertençam à mesma categoria econômica (art. 8). Imaginemos que um trabalhador terceirizado preste serviços a empresas sediadas em locais diferentes. Nessa hipótese, o trabalhador deverá filiar‐se a quantos sindicatos? De mais a mais, como compatibilizar tal exigência com o disposto no art. 8, da Constituição de 1988, que afirma ser “livre a associação profissional ou sindical”?</p>
<p>Controvertida, também, a exigência de que a quota de pessoas portadoras de deficiência seja cumprida pela contratante, “considerando o somatório de seus empregados contratados e terceirizados” (art. 27). Esse somatório vai de encontro à autonomia gerencial e administrativa que deve ser preservada entre as empresas (contratante e contratada). Não há sentido exigir que se considere o somatório quando o projeto de lei, a todo momento, destaca a autonomia entre as empresas como meio de censurar qualquer tentativa de intermediação de mão de obra.</p>
<p>Embora alguns ajustes possam e devam ser considerados pelo Senado Federal, não se pode negar a relevância do tema, pois, como dito, a terceirização é uma realidade nacional e mundial que deve ser debatida de modo a afastar preconceitos e pressupostos que, como visto, não são acolhidos no texto do PLC 30/2015.</p>
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<p><em>Doutor e Mestre em Direito Administrativo. Coordenador e Professor do curso de pós‐ graduação em Direito Administrativo do IDP. Presidente do Instituto de Direito Administrativo do DF. Sócio do “Silveira e Unes Advogados”.</em></p>
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Brazilian National Congress in Brasilia, Brazil.

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JOTA

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