Davi Tangerino

Rafael Mafei

Como se tem noticiado amplamente, a ministra <a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/rosa-weber">Rosa Weber</a> se aposenta no final de setembro e vem colocando em julgamento diversos casos em que gostaria de votar antes da compulsória. Um deles é a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 5527, que foi disponibilizada para julgamento em plenário virtual do <a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/stf">Supremo Tribunal Federal</a> (STF) entre os dias 22 e 29 de setembro. 
Fundamentalmente, o STF deverá se posicionar quanto à possibilidade de aplicativos de mensageria adotarem criptografia ponta a ponta (também chamado de criptografia e2e, ou simplesmente criptografia segura), mesmo que isso os impeça de interceptar conversas de seus usuários.
A mensagem é embaralhada matematicamente por meio de chaves complexas, existentes apenas no aparelho do emissor, com a leitura passível apenas a partir do desembaralhamento da mensagem por outras chaves muito longas, só existentes no aparelho do receptor. Os conteúdos transitam pelos servidores de forma encriptada e as chaves para desencriptar não estão disponíveis senão pelos participantes da conversa. Logo, impassíveis de interceptação durante o fluxo de comunicação.
A Verizon publicou em 2021 um relatório sobre investigações de violação de dados dando conta que 85% deles teve o fator humano como responsável. Assim, fica evidente que a criptografia segura protege os usuários desses aplicativos não só de agentes mal-intencionados, como de falhas operacionais das próprias empresas que os disponibilizam.
Com efeito, desde o ajuizamento da ADI 5527, em maio de 2016, houve enorme amadurecimento quanto à importância da privacidade e da proteção de dados, inclusive de comunicações. Em agosto de 2019 foi promulgada a <a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/lgpd">Lei Geral de Proteção de Dados</a> (Lei 13.709) e, de maneira ainda mais eloquente, em fevereiro de 2022 o direito à proteção de dados pessoais, inclusive nos meios digitais, foi alçado à condição de garantia fundamental (art. 5º, LXXXIX).
A criptografia segura concretiza essa e outras garantias fundamentais correlatas, como a privacidade e intimidade, com máxima eficácia, nos termos do constitucionalista português José Joaquim Gomes Canotilho, ou seja, “deve preferir-se a interpretação que reconheça maior eficácia aos direitos fundamentais”[1]. Essa também é a posição do ministro Edson Fachin, relator da Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental (APF) 403, que também versa sobre criptografia: “No atual estágio de desenvolvimento da internet, a criptografia forte é, de acordo com as principais evidências científicas, o mecanismo por excelência de garantia do relevantíssimo direito à privacidade”.
Pari passu também se amadureceu o falso dilema entre privacidade versus segurança pública. Tanto a ADI 5527 como a ADPF 403 têm origem nos bloqueios do aplicativo WhatsApp que se deram três vezes, entre dezembro de 2015 e julho de 2016, sempre pelo mesmo motivo: a não aceitação do fato de o WhatsApp não poder interceptar o conteúdo de mensagens trocadas no aplicativo, diante do emprego de criptografia segura.
Digo falso dilema porque a criptografia segura, em que pese impedir o fornecimento do conteúdo trocado por mensagens, não obsta a retenção e produção aos órgãos de investigação de metadados – variáveis conforme o aplicativo – a exemplo de logs de IP, dados cadastrais etc. Essa foi precisamente a ponderação de interesses (de personalidade versus de investigação) positivada no <a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/marco-civil-internet">Marco Civil da Internet</a>. Os metadados são fonte relevantíssima para a elucidação de crimes.
Houve quem sustentasse – e também nesse front o debate amadureceu – que seriam possíveis backdoors, ou seja, vulnerabilidades programadas que permitissem apenas aos órgãos de segurança acesso às mensagens. Audiência pública realizada pelo STF a propósito dessas ações constitucionais deu voz à comunidade acadêmica e científica, que convergem para um dogma em segurança de informação: todos estão seguros ou ninguém está seguro. Qualquer vulnerabilidade desenhada para atores “do bem” é, ao mesmo tempo, uma porta de entrada para atores mal-intencionados.
A ministra Rosa Weber o coloca de forma direta: “O trade-off aqui, portanto, não se dá entre segurança pública e privacidade, pois a pretensão que ameaça a privacidade, ainda que fundada no combate a uma ameaça imediata à segurança, vulnera no longo prazo, também a segurança das redes e seus usuários como um todo, expondo-os a maiores riscos de ciberataques, fraudes, roubos de identidade, invasão da intimidade, extorsão etc. A mesma tecnologia que tornaria mais fácil às autoridades de segurança pública acessarem conteúdo armazenado pode e, existindo, será utilizada por criminosos para terem acesso a informações privadas de futuras vítimas”.
A criptografia nada mais é que um antiquíssimo recurso matemático, e, como tal, impassível de proibição pelo Estado. Logo, eventual proibição de seu emprego por aplicativos lícitos apenas vulnerará o cidadão comum, que perderá meio seguro de comunicação de dados íntimos, privados ou sensíveis como senhas, localização, exames médicos etc. Uma vez que os mal-intencionados sempre terão recursos para desenvolverem aplicativos exclusivos para fins delitivos. 
É, pois, evidente que aplicativos lícitos, aderentes ao Marco Civil da Internet e demais leis brasileiras, são o ponto ótimo: protegem o cidadão comum, de maneira transparente, ao tempo em que cooperam com as autoridades investigativas, por meio dos metadados.
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[1] Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 6. ed. Coimbra: Almedina, 2002, p. 1210

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JOTA

Supremo deverá se posicionar quanto à possibilidade de aplicativos de mensageria adotarem essa medida

A posição do STF sobre a criptografia ponta a ponta

Supremo deverá se posicionar quanto à possibilidade de aplicativos de mensageria adotarem a criptografia ponta a ponta