Argemiro Martins

O cientista político Giovanni Sartori, falecido em abril deste ano, em sua obra “Homo videns: la sociedad teledirigida” (Tradução de Ana Díaz Soler. Madrid: Santillana, 2005) faz uma dura crítica ao que denominou de “vídeo-política”, isto é, ao modo como a televisão produz impacto na política, transformando-a radicalmente nas democracias contemporâneas. Ele parte da constatação de que o povo “soberano” decide em função dos temas e versões divulgados pela mídia que, por diversos modos, induz a opinião pública. Assim, o poder da “imagem” está no “centro de todos os processos da política contemporânea” (Ibid, p. 79). 
O problema está no fato da televisão mudar o critério de seleção das notícias: “A informação que conta é que pode ser melhor filmada, se não existe filmagem, não há sequer notícia” (Ibid, p. 98). Além disso, a notícia se apresenta quase sempre de forma distorcida, porque parte de dados parciais - quando não falsos - e de entrevistas seletivas, buscando o sensacionalismo e a repercussão na opinião pública. Ao cabo disso, temos o que Sartori chama de “homo videns”, uma espécie do “homo sapiens” com menor capacidade de abstração e menor poder de cognição (Ibid, p. 56). Embora Sartori fale apenas do mundo da política, tais constatações podem ser aplicadas à atuação de nosso sistema de justiça (Poder Judiciário e Ministério Público) nesses tempos de grave crise política pelo qual passamos.
 A relação entre a mídia e o judiciário tem fornecido mais notícias e versões estereotipadas na mídia do que decisões pautadas em provas e argumentos jurídicos consistentes nos tribunais. Isso é assim porque a linguagem dos telejornais é em tudo diferente e até antagônica à linguagem que deve pautar o direito e, sobretudo, os julgamentos na esfera penal. A condenação nos telejornais é feita em termos de fatos deturpados e de versões parciais, cujos efeitos são imediatos e impactantes. A divulgação de áudios e de imagens é sintomático desse verdadeiro “processo de condenação midiática”, porque as provas documentais que exigem análises mais sofisticadas e raciocínios jurídicos maçantes não produzem boas manchetes. Isso contraria os princípios fundamentais que orientam o direito. 
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Em processos judiciais, o contraditório impõe a análise cuidadosa e parcimoniosa dos argumentos, a produção meticulosa de provas com a necessária participação das partes, tudo regido pelo vagaroso “tempo” do direito, não pelo imediatismo do “tempo” da televisão.  Além disso, a imparcialidade que obriga o juiz, por exemplo, a se manifestar nos autos do processo e não pelos meios de comunicação de massa.
A judicialização da política implica a politização do judiciário, disso nos alertaram praticamente todos os juristas modernos. Até mesmo Hans Kelsen e Carl Schmitt, que discordavam em quase tudo, concordavam quanto a esse ponto em particular. O problema reside no fato de que os órgãos de justiça não podem ingressar no mundo da política. Quando os magistrados e procuradores ingressam na política midiática, partem de um cargo público estável e bem remunerado, não possuindo nenhuma forma de controle popular ou externo. 
O resultado dessa politização do sistema de justiça brasileiro foi a formação de uma verdadeira elite, capaz de influir nos rumos da política nacional. Os órgãos de justiça possuem um poder de destruição extraordinário, ainda mais quando associados ao poder da mídia, no entanto, são incapazes de promover qualquer projeto político nacional porque estão imersos em interesses corporativos. As assim chamadas “dez medidas contra a corrupção” não passam de propaganda midiática e não comportam nenhum modelo de política pública digna desse nome. 
O recente espetáculo do interrogatório do ex-Presidente Luiz Inácio Lula da Silva perante o juiz Sergio Moro foi mais um capítulo da longa novela que teve sua estreia com o chamado julgamento do “mensalão”. Desde então, alguns magistrados têm se esmerado em fornecer notícias para os meios de comunicação, com direito a entrevistas e destaque nas manchetes jornalísticas. Os descabidos questionamentos do juiz Moro acerca das declarações públicas do ex-Presidente sobre o mensalão não possuíam nenhuma relação com o caso do “triplex” do Guarujá. No entanto, tais questionamentos cumpriram uma função. As questões do juiz Moro não foram orientadas para o esclarecimento de pontos obscuros da narrativa do processo, foram antes direcionadas à plateia de “apoiadores da operação Lava-Jato”. A mesma plateia para a qual ele se dirigiu em um programa de televisão em cadeia nacional, poucos dias antes da audiência com o ex-Presidente. Trata-se de uma performance sob encomenda para a televisão, não propriamente de um interrogatório judicial. 
O Ministério Público mostrou, com as recentes e bombásticas acusações contra o atual e ilegítimo Presidente Michel Temer, apenas seu poder de destruição. O órgão cuja autonomia surgiu na Constituição de 1988 para a tutela dos direitos sociais, difusos e individuais indisponíveis está no centro de mais esta crise que assola o país. Definitivamente, o Judiciário e o Ministério Público da “Lava-Jato” traíram as esperanças neles depositadas pelos constituintes de 1988, esqueceram-se da missão constitucional de defesa dos direitos e mergulharam na política da forma mais destrutiva, sensacionalista e histriônica, incorporando os vícios da mídia e deixando de lado o próprio direito.

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JOTA

Judiciário e Ministério Público da Lava Jato traíram as esperanças neles depositadas

A politização midiática do sistema de justiça

Judiciário e Ministério Público da Lava Jato traíram as esperanças neles depositadas