Gustavo Martins de Almeida

O que têm em comum fogos de artifício, castelos e desenhos na areia, poesias de Anchieta, esculturas de gelo e drones iluminados voando em formação no ar? Além de conterem, ou envolverem, os quatro elementos básicos, água, terra, fogo e ar, essas figuras são conceituadas classicamente no direito autoral como obras efêmeras, obras de vida curta, transitória. Hoje se inserem nessa categoria as instalações, happenings e performances.
Elas se opõem às obras permanentes ou duráveis, geralmente físicas, como as estátuas, os quadros e desenhos, que tendem a permanecer na história.  Então pode haver obra de suporte imaterial permanente, como um site, um holograma, e pode existir obra física efêmera, como uma obra feita de gelo, ou cera, por exemplo.
Efêmero, efeméride, de acontecimento diário, quotidiano, essas obras são, algumas vezes, instantâneas, outras vezes, duram algumas semanas ou meses.
E o direito vem abordando cada vez mais essas expressões artísticas, cada vez mais frequentes hoje em dia<a href="#_ftn1" name="_ftnref1">[1]</a>; é um carpe diem com tecnologia do século XXI.
<blockquote class="jota-article__eye">Pode-se dizer que as obras efêmeras são um snapchat, um story (mensagens e imagens que ficam disponíveis por tempo curto) da vida real. Surgem e desaparecem nesse mundo de transição do físico para o etéreo, do material para o imaterial, do atemporal para o temporal, do lento para o veloz, do grave para o agudo.</blockquote>
Pode-se diferenciar o efêmero deliberadamente temporário, do efêmero, no sentido de vida curta intrínseca. No primeiro caso, esculturas, instalações, performances, que são trabalhos basicamente conceituais, projetos, que se concretizam se montados ou executados de acordo com instruções do artista; elas não são permanentes.
Assim é com o Marulho, de Cildo Meirelles, que já foi montada no MAMRIO<a href="#_ftn2" name="_ftnref2">[2]</a>, ou obras de Marcia X. A obra é executada diretamente pelo artista, ou segue as suas instruções, representando determinado conceito, e eventualmente pode ser montada em outros lugares, corporificada por tempo determinado. No segundo caso, os fogos de artifício, de vida “exterior” naturalmente curtíssima.
<a href="https://conteudo.jota.info/risco-politico" target="_blank" rel="noopener noreferrer"><img class="aligncenter wp-image-244336 size-full" src="https://www.jota.info/wp-content/uploads/2020/04/cta-risco-politico.png" alt="" width="1080" height="1080" /></a>
Obviamente, fator relevante nas obras efêmeras é o “tempo”. A artista Carla Guagliardi se serve muito dele, tanto que, nas etiquetas de identificação de algumas de suas obras, onde normalmente se descrevem os elementos que as compõem (tinta, mármore, madeiras, etc.) ela faz constar, específica e nominalmente, o item “tempo” <a href="#_ftn3" name="_ftnref3">[3]</a>. Veja-se a obra “Opera II (ou Onde está o tempo que eu deixei neste espaço?)”, de 2015<a href="#_ftn4" name="_ftnref4">[4]</a> .
O elemento temporal também teve importância numa obra do genial artista, recentemente falecido, Christo. Ele embalou o prédio do Parlamento Alemão em Berlim com tecido<a href="#_ftn5" name="_ftnref5">[5]</a>, alguém tirou uma foto dessa obra, transformada em cartão postal, o que mereceu sua oposição.
O fotógrafo alegava que a obra estava situada permanentemente em lugar público, como uma escultura.  Após alguns rounds, a decisão judicial final foi no sentido de que, embora o prédio do Reichstag se situasse permanentemente em logradouro público, o acréscimo decorrente do empacotamento era temporário, então não era simplesmente uma obra em local público, mas um prédio teve acréscimo temporário diferencial. Esse fator determinou que fosse proibido o postal.<a href="#_ftn6" name="_ftnref6">[6]</a>
Lembro, ainda, a imagem belíssima, cada vez mais frequente, de drones que estão sendo utilizados para desenhos no espaço aéreo, como no réveillon de 2020 em com a figura de um homem andando no ar <a href="#_ftn7" name="_ftnref7">[7]</a>. Trata-se de obra efêmera, mas há uma questão interessante que na época, salvo engano, não foi discutida.  Aquela figura humana desenhada no céu da Shangai foi reproduzida abundantemente num comercial de uma montadora de carros coreana publicado nos jornais brasileiros no início do ano.
Pergunto: poderia haver reclamação quanto ao uso de obra temporária, registrada em foto? Quem teria titularidade para reclamar? O produtor do show do réveillon chinês?
<blockquote class="jota-article__eye">Ainda temos os exemplos relembrados no início, como as esculturas em gelo e areia em campeonatos, dentre outros, no Alaska<a href="#_ftn8" name="_ftnref8">[8]</a> e em NY<a href="#_ftn9" name="_ftnref9">[9]</a>, e na Europa, escritórios de arquitetura que protegem os projetos de bares feitos em gelo<a href="#_ftn10" name="_ftnref10">[10]</a>. E mais os poemas do Padre Anchieta, de 5786 versos escritos na areia da praia, quando era refém dos índios em 1563<a href="#_ftn11" name="_ftnref11">[11]</a> .</blockquote>
Relembro ainda as geniais criações do chinês Cai Guo-Qiang, que complementou a muralha da China com uma trilha de fogo vista do espaço<a href="#_ftn12" name="_ftnref12">[12]</a> e a genial interpretação da música Stairway to Heaven, do grupo Led Zeppelin, num balão levando pelos céus uma escada de fogo<a href="#_ftn13" name="_ftnref13">[13]</a>. Todas obras efêmeras, como suas várias criações em fogo. Delas sobram apenas fotos, filmes, projetos, croquis e, claro, boas lembranças.
Nesse ponto, uma reflexão. Em face da recente onda de destruição de estátuas, cogito, num futuro breve, de termos monumentos em hologramas, nem pichados nem destruídos. Já existe uma estátua gigante de Buda, no Afeganistão, em holograma, permanente e temporária, apesar da contradição do conceito<a href="#_ftn14" name="_ftnref14">[14]</a>.
Não posso deixar de fazer referência ao pioneiro e Mestre na área do Direito da Arte no Brasil, Prof. Marcilio Franca, que se dispôs a me rever esse artigo e ditou a apropriadíssima citação de Vinicius de Moraes, com a qual encerro o texto: “Que seja eterno enquanto dure!”.
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<a href="#_ftnref1" name="_ftn1">[1]</a> Art. 7º São obras intelectuais protegidas as criações do espírito, expressas por qualquer meio ou fixadas em qualquer suporte, tangível ou intangível, conhecido ou que se invente no futuro, tais como:
<a href="#_ftnref2" name="_ftn2">[2]</a>  (<a href="https://artsandculture.google.com/asset/marulho/7QH7KYdTBCrLPQ?hl=PT-BR">https://artsandculture.google.com/asset/marulho/7QH7KYdTBCrLPQ?hl=PT-BR</a>).
<a href="#_ftnref3" name="_ftn3">[3]</a> Sua trajetória artística resulta de uma pesquisa predominantemente escultórica cujo foco é o tempo articulado como um agente determinante em seu registro mnemônico na matéria e no espaço, problematizando, entre outras, questões como instabilidade, inexorabilidade e interdependência. <a href="https://www.premiopipa.com/wp-content/uploads/2010/06/PIPA.zazie-CARLA-versoIMPRESSA_03-copy.pdf">https://www.premiopipa.com/wp-content/uploads/2010/06/PIPA.zazie-CARLA-versoIMPRESSA_03-copy.pdf</a>
<a href="#_ftnref4" name="_ftn4">[4]</a> (<a href="https://www.premiopipa.com/wp-content/uploads/2010/06/17.PIPA_.Opera-II_1.jpg">https://www.premiopipa.com/wp-content/uploads/2010/06/17.PIPA_.Opera-II_1.jpg</a>).
<a href="#_ftnref5" name="_ftn5">[5]</a> <a href="https://www.dw.com/en/the-story-behind-christos-wrapped-reichstag/g-18523873">https://www.dw.com/en/the-story-behind-christos-wrapped-reichstag/g-18523873</a>
<a href="#_ftnref6" name="_ftn6">[6]</a> <a href="http://news.bbc.co.uk/2/hi/entertainment/1782186.stm">http://news.bbc.co.uk/2/hi/entertainment/1782186.stm</a>
<a href="#_ftnref7" name="_ftn7">[7]</a> <a href="https://www.youtube.com/watch?v=LvYNHSf7FbI">https://www.youtube.com/watch?v=LvYNHSf7FbI</a>
<a href="#_ftnref8" name="_ftn8">[8]</a> <a href="https://www.icealaska.org/">https://www.icealaska.org/</a>
<a href="#_ftnref9" name="_ftn9">[9]</a> <a href="https://www.allianceforconeyisland.org/events-1/29th-annual-sand-sculpting-competition">https://www.allianceforconeyisland.org/events-1/29th-annual-sand-sculpting-competition</a>
<a href="#_ftnref10" name="_ftn10">[10]</a> <a href="https://www.articoicebar.com/en/ice-projects/">https://www.articoicebar.com/en/ice-projects/</a>
<a href="#_ftnref11" name="_ftn11">[11]</a> <a href="https://cleofas.com.br/por-que-sao-jose-de-anchieta-e-bastante-retratado-escrevendo-na-areia/">https://cleofas.com.br/por-que-sao-jose-de-anchieta-e-bastante-retratado-escrevendo-na-areia/</a>
<a href="#_ftnref12" name="_ftn12">[12]</a> <a href="https://www.metmuseum.org/art/collection/search/73660">https://www.metmuseum.org/art/collection/search/73660</a>
<a href="#_ftnref13" name="_ftn13">[13]</a> <a href="https://www.youtube.com/watch?v=wrG4Nqs-K5g">https://www.youtube.com/watch?v=wrG4Nqs-K5g</a>
<a href="#_ftnref14" name="_ftn14">[14]</a> <a href="https://heiscomingblog.wordpress.com/2015/06/16/a-prophetic-look-at-the-image-of-the-beast-technology-giant-buddha-hologram-resurrected-in-afghanistan/">https://heiscomingblog.wordpress.com/2015/06/16/a-prophetic-look-at-the-image-of-the-beast-technology-giant-buddha-hologram-resurrected-in-afghanistan/</a>

escultura de areia

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JOTA

Em tempos líquidos, aumenta o número de obras de arte efêmeras

A obra de arte efêmera

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