Tatiana Guimarães Ferraz Andrade

Em boa parte do mundo, o transporte rodoviário de cargas (TRC) desempenha um importante papel no desenvolvimento econômico e social. Até mesmo nos países em que os outros modais - como o ferroviário, marítimo, aéreo, etc – possuem grande relevância, o TRC é de longe o que detém a maior participação na matriz do transporte. Só o caminhão pode alcançar a quase totalidade das cidades no mundo, mesmo aquelas cujo acesso rodoviário é precário. No caso brasileiro, onde o transporte por trem e mar sempre foi delegado a segundo plano, o TRC responde por mais de 60% das cargas movimentadas no país, segundo a Confederação Nacional do Transporte (CNT).
A frota estimada de mais de 2 milhões de caminhões atende desde pequenas rotas (last mile), coletando e entregando mercadorias nos centros urbanos, até grandes distâncias (de 3 a 5 mil Km) em veículos com capacidade de 500kg até 74.000 kg de peso bruto total. Segundo a CNT, o setor é operado por 219.956 empresas de transportes, 435 cooperativas e 724.098 caminhoneiros autônomos.
<a href="https://conteudo.jota.info/poder-contato"><img class="size-medium wp-image-292717 aligncenter" src="https://www.jota.info/wp-content/uploads/2021/01/jota-pro-poder.jpg" alt="" width="688" height="688" /></a>
Em função de sua importância no abastecimento das cidades, o TRC sempre teve consciência de seu papel e, em diversas oportunidades, se aproveitou desse fato para pressionar governos e autoridades em seu benefício. Somente nos anos recentes, o setor foi responsável por 3 grandes paralisações.
A primeira, ocorrida em 2013, durou 4 dias e foi convocada pelo Movimento União Brasil Caminhoneiro. As reivindicações principais eram o subsídio no preço do diesel e a isenção de pedágios em todas as rodovias, que não foram atendidas pela presidente Dilma Rousseff.
A segunda, em 2015, foi mais violenta e ocorreu em três momentos (fevereiro/março; abril e novembro). A pauta focou a redução do preço do combustível, melhores condições de trabalho e o impeachment da presidente Dilma. Houve bloqueios em 12 estados e o movimento foi organizado pelas redes sociais. Em resposta, o movimento conseguiu a aprovação da Lei dos Caminhoneiros, também conhecida como Lei do Motorista (No 13.103/2015) que trouxe grandes avanços para a categoria, incluindo limites à jornada de trabalho; intervalos de descanso; redução da tolerância do limite de carga; isenção de pedágio para eixo suspenso; obrigatoriedade de teste toxicológico; perdão de multas e prazos de carga e descarga, entre outros benefícios.
<blockquote class="jota-article__eye">A terceira greve dos caminhoneiros, iniciada em 21 de abril de 2018, provocou efeitos devastadores na economia brasileira.</blockquote>
Com a adesão em massa de milhares de caminhoneiros em todo o país, o abastecimento de produtos essenciais – como combustíveis e alimentos – ficou bastante prejudicado, provocando comoção popular. Mais uma vez, as exigências foram em torno da redução do preço do diesel, além da cobrança diferenciada do IPVA para autônomos e uma nova política de preços para todos os combustíveis. Ao final, o governo anunciou a redução de R$ 0,46 no litro do diesel por 60 dias; o estabelecimento de uma tabela mínima de fretes; a isenção do pedágio para eixos suspensos de caminhões vazios; a contratação de autônomos pela Conab e a suspensão de multas.
Em 2021, mesmo no cenário mais adverso vivenciado pela humanidade, o tema da paralisação dos caminhoneiros voltou à tona com a ameaça de paralisação, anunciada para 1º de fevereiro. O motivo é a maior insatisfação da categoria, especialmente em relação ao preço do diesel, falta de um marco regulatório do transporte (hoje no Senado), não cumprimento da lei do frete mínimo (Lei 13.703/18) e mudança nas regras para possibilitar aposentadoria especial a todos os motoristas.
A paralisação, prometida para ser ainda maior do que a realizada em 2018, acabou se frustrando após decisões da Justiça de São Paulo, Rio de Janeiro e Paraná proibirem o bloqueio de vias em seus respectivos estados.
Por isso, as entidades que aderiram à paralisação acabaram desmantelando os movimentos, mas há a promessa de uma reorganização e nova paralisação, segundo o presidente da ANTB (Associação Nacional de Transporte do Brasil), José Roberto Stringasci, o qual afirmou que a decisão de recuar se deu após forte pressão política<a href="#_ftn2" name="_ftnref2">[2]</a>.
De fato, o presidente Jair Bolsonaro sabe o potencial explosivo de uma paralisação dos caminheiros em nível nacional, igual a que aconteceu em 2018. E, certamente, isso poderia piorar sua popularidade, a qual anda em baixa, por causa da postura em relação ao Covid-19.
Dentre as medidas previstas pelo Governo, por intermédio das diversas Medidas Provisórias editadas não houve previsão de qualquer instrumento que pudesse evitar um movimento paredista, e nem poderia, afinal, trata-se de um direito constitucionalmente assegurado a todos os trabalhadores.
Mas o que faz da paralisação dos caminhoneiros ser tão temida e diferenciada de outros movimentos?
Em primeiro lugar, certamente, a lembrança de 2018 traz temor a qualquer cidadão e político, afinal, o país simplesmente parou durante os dias de paralisação e, levou tempo para que tudo se normalizasse.
O transporte e a entrega de cargas em geral foram considerados como atividade essencial durante a pandemia, ou seja, mesmo em caso de lockdown, a atividade possui permissão para continuar ativa. Aliás, registre-se que o setor de cargas está em expansivo crescimento, mesmo com o cenário econômico de retração enfrentado pela economia brasileira e global.
Contudo, o ponto essencial desta paralisação é, sem dúvidas, seu poder de alcance. Talvez, ainda mais forte que em 2018, as chamadas para a atual paralisação se deram pelas redes sociais e por grupos de Whatsapp, tal qual ocorreu com os motoqueiros dos aplicativos, no chamado “breque dos apps” no primeiro semestre de 2020, quando os profissionais clamavam por condições de segurança na prestação de serviços em atividades de entrega, também tida como essenciais.
E esse potencial de alcance desconhecido e, ao mesmo tempo, ilimitado, causa pânico aos governantes e à sociedade em geral.
Somado a isso, o fato de que, em 2018 houve sérias suspeitas de que, além da greve dos caminhoneiros, empresas do setor de transportes estiveram por trás dos movimentos, atuando em conjunto com as lideranças dos trabalhadores, com o interesse de pressionar o governo federal a atender a um interesse mútuo de ambas as partes.
Trata-se da prática do chamado locaute, ou seja, a greve do empregador, proibida pela legislação brasileira diante de seu alto poder de manipulação do mercado, o que, de fato, ocorreu em 2018.
A greve é, sem dúvidas, um dos maiores temores de qualquer empresário, não somente pela paralisação em si, mas porque nosso sistema sindical, ao não reconhecer a liberdade de filiação, permite que os sindicatos sejam impostos às categorias econômicas (empregadores) e profissionais (empregados) e não escolhidas.
Com a Reforma Trabalhista, os sindicatos se enfraqueceram diante da retirada do imposto sindical obrigatório, fonte principal de arrecadação das entidades, o que levou ao aumento, em alguns setores, de movimentos não amistosos na tentativa de garantir reinvindicações da categoria.
Tendo todo esse cenário de pano de fundo, além é claro do clima atual de pânico vivenciado pela sociedade, não é de se estranhar que as notícias sobre a paralisação dos caminhoneiros tenha ganhado destaque nas manchetes dos principais veículos, ao lado dos tristes números da COVID-19 e das esperançosas vacinas aplicadas em todo o mundo.
O que podemos esperar se houver uma nova paralisação (efetiva) como prometido pelas entidades representativas dos trabalhadores? Efeitos mais devastadores do que em 2018.
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O episódio 48 do podcast Sem Precedentes faz uma análise sobre a atuação do Supremo Tribunal Federal (STF) em 2020 e mostra o que esperar em 2021. Ouça:
https://youtu.be/-hMj5lwWXEE
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<a href="#_ftnref1" name="_ftn1"></a><a href="#_ftnref2" name="_ftn2">[2]</a> FOLHA DE S. PAULO. Associação do transporte se retira de greve dos caminhoneiros. Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/mercado/2021/02/associacao-do-transporte-se-retira-de-greve-dos-caminhoneiros.shtml.

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JOTA

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