Silvio Guidi

O Conselho Federal de Medicina (<a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/cfm">CFM</a>) cedeu à primazia da realidade. Essa é a primeira possível conclusão que se pode tirar da sua nova norma sobre publicidade médica, que legaliza inúmeras posturas publicitárias outrora condenadas. Por essa premissa, o Conselho se rendeu a inúmeras condutas adotadas por prestadores de serviços médicos que, mesmo contrariando vedações éticas, transbordavam nas mídias sociais.
Outra possível conclusão tem a ver como uma espécie de resposta do CFM à concorrência instalada por outras profissões de saúde, que passaram a prestar certos serviços, principalmente de finalidade estética, outrora restritos à medicina. Por essa lógica, a nova resolução entregaria aos profissionais médicos mais ferramentas para se manter nesse ambiente mais competitivo.
Prefiro eu acreditar que prepondera uma premissa voltada à satisfação do interesse público. Creio que o CFM se conectou de forma mais intensa à teoria do direito de acesso a serviços de saúde. Dessa forma, quão maior a publicidade, melhor informada estará a sociedade, tendo cada indivíduo mais elementos para cuidar de sua saúde. Esse pensamento rompe, adequadamente ao meu ver, com uma ideia capacitista, pela qual o cidadão sofre de certa limitação cognitiva, sendo facilmente capturado por uma postura mercantilista do prestador, que o induz a consumir serviços médicos dos quais não necessita.
A alteração da regulação publicitária promovida pelo CFM é tão aguda que é possível afirmar que somente a partir de hoje é dado aos profissionais e empresas médicas a possibilidade de fazer publicidade. Publicidade mesmo, em sua acepção literal; aquela voltada a promover a prestação de serviços médicos e o respectivo lucro.
Abaixo, trarei uma lista das principais novidades desse new deal da regulação publicitária da medicina. Apresentarei algumas novas permissões, condicionantes e restrições.
Os requisitos básicos da publicidade, existentes já há muito tempo e definidos na antiga e revogada <a href="https://sistemas.cfm.org.br/normas/arquivos/resolucoes/BR/2011/1974_2011.pdf">Resolução 1.974/2011</a>, estão mantidos. Em qualquer publicidade devem ser expostos o nome do profissional, o número de sua inscrição no Conselho e o número de sua especialidade (RQE), se houver. Se o prestador for pessoa jurídica, os dados devem ser referentes ao diretor técnico.
Mas esses próprios requisitos básicos sofreram modificações. A primeira é a de que a publicidade passou a ser um meio legítimo para os profissionais da medicina manterem e ampliarem “a clientela”. A utilização dessa expressão mostra muito da nova roupagem que a regulação publicitária ganhou. Para além disso, a nova norma desenha um caminho crítico lícito para que médicos conquistem novos clientes, rompendo com a ideia de que o prestador haveria de esperar inerte que novos pacientes o descobrissem e o procurassem.
Ainda no âmbito dos requisitos básicos, para além dos dados cadastrais, o profissional deve se intitular explicitamente como "MÉDICO" (pede a Resolução que seja em maiúsculas, mesmo). Há um propósito específico do CFM nessa determinação: diminuir as chances de o paciente confundir o profissional da medicina com outros prestadores, especialmente porque vários procedimentos antes exclusivos da medicina passaram a ser executados por outros profissionais da saúde.
A residência segue sendo a única forma de especialização reconhecida pelo CFM. Entretanto, a Resolução supostamente permite que outras formas sejam objeto de publicidade, tais como a pós-graduação, mestrado e doutorado. Trata-se, na verdade, de um convite aos detentores dessas especializações a não publicizá-las, já que impõe que o título seja seguido da expressão “NÃO ESPECIALISTA” (sempre em maiúsculas).
Sobre as novidades, não há dúvida de que duas merecem forte destaque. A primeira delas diz respeito à divulgação do preço. Antes fortemente condenada, a publicidade de preços, de condições de pagamento, de parcelamento, de descontos e de campanhas promocionais (Black Friday é o melhor exemplo) passou a ser permitida.
A segunda principal novidade diz respeito à divulgação de resultados. Até então, esse perfil de divulgação era tido como uma promessa de sucesso do tratamento/intervenção. O novo paradigma é o de que o prestador de serviços médicos pode revelar resultados, desde que comprováveis e de que não identifique o paciente. Passou a ser permitido inclusive o “antes e depois”, devidamente acompanhado de texto educativo à moda de um disclaimer. É possível, inclusive, o repost de imagens de resultados divulgados por pacientes, desde que haja sobriedade e ausência de promessa a terceiros de resultado na postagem original.
Outra novidade interessante é a divulgação de aparelhagem. Pode agora o prestador de serviços médicos anunciar os aparelhos e recursos tecnológicos que se vale para a prestação de seu serviço. Essa divulgação deve ter conexão com as informações e propriedades presentes no portfólio do produto registrado na Anvisa. Também é permitida a divulgação da utilização de aplicação de órteses, próteses, fármacos e insumos semelhantes (há de se ter atenção para questões envolvendo o conflito de interesses).
A divulgação de serviços agregados ao da medicina também passou a ser autorizada. Nesse âmbito de autorização estão, por exemplo, as atividades de nutricionistas, psicólogos, fisioterapeutas etc., desde que prestados na mesma clínica médica.
Finalmente, o profissional médico passou a poder participar de propagandas, sejam de hospitais (desde que pertencentes ou corpo clínico), bem como de planos de saúde (desde que credenciado, referenciado ou cooperado). É possível, inclusive, que o próprio médico (por si, por meio de seu consultório ou clínica) compre espaço publicitário em veículo de comunicação, com a finalidade explícita de angariar clientela.
Apresentei aqui aqueles que, na minha visão, são os principais pontos de uma nova ordem publicitária da medicina. Outros tantos estão presentes na <a href="https://sistemas.cfm.org.br/normas/visualizar/resolucoes/BR/2023/2336">Resolução 2.336/2023</a>, merecedora de leitura atenta. Vejo com muito bons olhos o conteúdo da norma. Acredito que dela poderá emergir resultados muito positivos à sociedade, com destaque para o aumento do interesse por serviços preventivos ou que resolvam problemas de saúde em seus estágios iniciais. Confirmada essa hipótese, o CFM contribuirá ainda para a saúde do país, desafogando o sistema de saúde, especialmente o SUS. Abandona-se assim a ideia de ser a publicidade vilã, passando a ser instrumento informativo para a efetivação do direito à saúde do cidadão. O mau uso desse instrumento, claro, seguirá vedado e passível de punição.

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JOTA

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