Vicente do Carmo Sapienza Filho

O presente artigo tratará da análise da incidência do Imposto sobre a Transmissão Causa Mortis ou Doação (ITCMD) nas operações negociais que são viabilizadas por meio de plataformas digitais de financiamento coletivo crowdfunding. O crowdfunding consiste em importante ferramenta inserida na economia colaborativa para captação de recursos por meio de doações o que possibilita o desenvolvimento de diversos tipos de mercado e está fundamentada na vontade das pessoas em colaborar para que um projeto possa sair do papel.
Geralmente, o empreendedor ao lançar sua ideia numa plataforma digital de crowdfunding estipula uma meta de arrecadação que deve ser atingida como forma de viabilidade para a execução e desenvolvimento do projeto. Caso seja alcançada a quantia estipulada, e consequentemente, seja iniciada a execução do projeto, poderão os doadores ser recompensados materialmente caso o desenvolvimento da atividade possibilite a criação, por exemplo, de um produto. 
<a href="https://conteudo.jota.info/jota-pro-tributos?utm_source=Banner%20site&amp;utm_medium=Artigos&amp;utm_campaign=CTA_Tributos_materias" rel="attachment wp-att-291213"><img class="size-medium wp-image-291213 aligncenter" src="https://www.jota.info/wp-content/uploads/2021/01/jota-pro-tributos-v2.jpg" alt="" width="300" height="300" /></a>A diferenciação do crowdfunding em modalidades passíveis de oferecimento de recompensa aos doadores é fundamental na análise da incidência do ITCMD. Isso porque, de acordo com o arquétipo constitucional do imposto, pensamos que o ITCMD incidirá apenas na doação pura, assim entendida aquela em que não é devida contraprestação ao doador. O artigo 155, inciso I da Constituição Federal, ao prever que a competência para instituição do imposto é dos Estados, determina que haverá incidência do ITCMD na doação de quaisquer bens ou direitos, o que exclui expressamente as hipóteses em que há uma contrapartida onerosa por parte do donatário.
Porém, se num primeiro momento a tributação do crowdfunding pelo ITCMD demonstra não encontrar óbices no ordenamento constitucional, uma análise mais profunda da plataforma digital, aponta para uma série de situações complexas que podem não encontrar guarida em nosso ordenamento posto.
Isso porque, a plataforma de crowdfunding é um negócio que se estabelece por meio da internet podendo alcançar doadores e donatários em escala global. Tal fato, por si só, pode traduzir árdua tarefa para a identificação dos possíveis contribuintes do ITCMD, bem como para a correta identificação do critério material da exação e até mesmo da sua base de cálculo. Vejamos.
Com relação à definição dos possíveis contribuintes do ITCMD, caso consideremos que a hipótese de incidência do imposto é a transmissão do bem móvel na doação, figuraria como contribuinte o doador. Por outro lado, se considerarmos a aquisição da renda como fato gerador, haveria de configurar como contribuinte, o donatário.
Pensamos que a correta leitura da materialidade constitucional do ITCMD deve se dar em razão do princípio da capacidade contributiva (art. 145, §1º da CF), o que assegura que apenas o donatário poderia figurar como contribuinte do imposto. Isto porque, somente ele manifesta capacidade contributiva na operação de doação na medida em que terá o seu patrimônio acrescido, enquanto o doador sofre diminuição do seu patrimônio. Muito embora o art. 155, §1º, II da CF<a href="#_ftn1" name="_ftnref1">[1]</a> estabeleça que o Estado competente para cobrança do imposto quando da transmissão de bens móveis é o de localização do doador, se assim interpretarmos o dispositivo, não poderá haver incidência do ITCMD nas doações realizadas por crowdfunding tendo em vista que a essência da atividade é a multiplicidade de colaboradores dos mais diferentes Estados e possivelmente do exterior.
Aliado a isso, deve ser ressaltado também que o legislador constituinte com vista a dirimir aparentes conflitos de competência, exige a necessidade da existência de Lei Complementar para regular os casos em que o doador está domiciliado no exterior. Inclusive, é esse o recente posicionamento do Supremo Tribunal Federal ao julgar inconstitucional a incidência do ITCMD em heranças recebidas do exterior<a href="#_ftn2" name="_ftnref2">[2]</a>.
Outra complexidade da tributação da plataforma dá-se em relação à base de cálculo. Isso pois, cada doação constituirá um fato gerador do ITCMD devendo ser tributada individualmente; porém os Estados preveem a isenção deste imposto para as doações que não ultrapassem um certo valor. Considerando então, que normalmente as doações que integram o financiamento coletivo são de pequeno valor, seria possível afirmar, a princípio, que a maioria das operações estaria isenta do imposto. E mais, é possível que um mesmo indivíduo realize diversas doações em momentos distintos, o que reduziria o seu valor tributável.
<blockquote class="jota-article__eye">As considerações apontadas até o momento trazem à tona a possível ausência de tributação da plataforma justamente pelo fato de que o nosso ordenamento jurídico-tributário não se adequa à essência da atividade.</blockquote>
Porém, tal fato é preocupante quando analisamos os dados de arrecadação de recursos financeiros por meio do crowdfunding em escala global. Vejamos, a título de exemplo, a arrecadação de duas das maiores plataformas existentes nos Estados Unidos, a Kickstarter e o Indiegogo:
Até 2021, por exemplo, o Kickstarter<a href="#_ftn3" name="_ftnref3">[3]</a>, a maior plataforma de crowdfunding dos EUA, já contabiliza mais de US$5.07 bilhões arrecadados por cerca de 197.447 projetos bem ­sucedidos, números maiores que os encontrados em qualquer outro ramo do crowdfunding. Logo atrás, o Indiegogo<a href="#_ftn4" name="_ftnref4">[4]</a> já captou US$800 milhões de 2,6 milhões de investidores localizados em 226 países e territórios para mais de 175 mil campanhas em diversos segmentos desde a sua criação.
Embora no Brasil a utilização de plataformas de crowdfunding ainda seja imatura, a experiência norte-americana demonstra que o mercado digital de financiamento coletivo é incontestavelmente promissor. Ou seja, seguindo a tendência mundial, pensamos que essa atividade irá crescer potencialmente nos próximos anos e não deverá restar incólume aos olhares dos Fiscos Pátrios para eventuais tentativas de tributação. Tal fato, aliado a ausência de regulamentação tributária da atividade, levará a indesejada judicialização dos contribuintes em busca da necessária segurança jurídica ao setor tecnológico.
Portanto, tendo em vista que a ausência de Lei não sustenta a tributação e considerando a demonstração ao longo do presente artigo da complexidade das plataformas de crowdfunding, mostra-se latente a existência de Lei Complementar que regulamente a economia digital colaborativa. Enquanto referida LC não for editada, parece-nos que qualquer tentativa de tributação pelo ITCMD das doações realizadas por crowdfunding será inconstitucional.
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O episódio 53 do podcast Sem Precedentes discute ações sobre a Lei de Segurança Nacional, que tem sido usada em inquéritos contra críticos de Bolsonaro. Ouça:
https://www.youtube.com/watch?v=1062owtx9o4
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<a href="#_ftnref1" name="_ftn1"></a>
<a href="#_ftnref2" name="_ftn2">[2]</a> RE 851.108. Julgamento em 01/03/2021.
<a href="#_ftnref3" name="_ftn3">[3]</a> Dados disponíveis em: https://www.kickstarter.com/help/stats?ref=global-footer. A página é atualizada diariamente pelo Kickstarter com o valor captado agregado.
<a href="#_ftnref4" name="_ftn4">[4]</a> Dados disponíveis em: [https://go.indiegogo.com/blog/2015/12/2015­crowdfunding­infographicstatistics­tech­film­social.html].

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