Cláudia Fernanda de Oliveira Pereira

O mês de março é bastante significativo para nós, mulheres, pois além de ser o mês dedicado à campanha de prevenção ao câncer de colo uterino, uma das maiores causas de morte pela doença entre as mulheres no mundo (Março Lilás), tem o dia 8 como data internacional comemorativa, com o objetivo de celebrar as conquistas, bem como refletir sobre os grandes desafios em relação à igualdade de direitos<a href="#_ftn1" name="_ftnref1">[1]</a>. Esse tema tem tido o olhar atento do Ministério Público de Contas do Distrito Federal (MPCDF).
Em 2019, o MPCDF protocolou a Representação 45/19, a respeito de tristes episódios de desrespeito contra as mulheres, violência e assassinatos no DF.
Na ocasião, o MPCDF ressaltou a atuação do controle externo nesta temática, citando o Ministério Público de Contas da União (MPC/TCU), que, em 2010, ofereceu Representação (TC 012.099/2011-2) solicitando uma avaliação sistêmica das ações governamentais desenvolvidas nessa área. Em atendimento à Representação, o Tribunal de Contas da União (<a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/tcu">TCU</a>) realizou em 2011 uma ampla auditoria operacional que tratou das ações de enfrentamento à violência doméstica e familiar contra a mulher, com ênfase na implementação da Lei 11.340/2006 (<a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/lei-maria-da-penha">Lei Maria da Penha</a>) e na estruturação dos serviços especializados de atendimento<a href="#_ftn2" name="_ftnref2">[2]</a>.
Digno de exemplo, também, é o Ministério Público de Contas de SC (MPCSC), que entregou à sociedade importante representação, tendo o Tribunal de Contas de Santa Catarina (TCESC), por sua vez, realizado auditoria para levantar os principais aspectos do feminicídio, bem como seu custo para a sociedade<a href="#_ftn3" name="_ftnref3">[3]</a>.
O MPCDF, por tudo isso, defendeu a necessidade de serem ouvidos os responsáveis pela execução de políticas públicas voltadas à mulher (a fim de que se possa aquilatar qual é o grau de aderência da norma à realidade fática), começando pelos órgãos de Segurança Pública no DF.
Em acréscimo, a representação ministerial juntou análise preliminar acerca das previsões orçamentárias mais significativas nesta temática.
Mas o MPCDF foi além e apresentou um apanhado da legislação local que enfoca a questão das mulheres no Distrito Federal, para chamar a atenção para o dilema que envolve a realização prática desses direitos<a href="#_ftn4" name="_ftnref4">[4]</a>.
Iniciando-se pela Lei Orgânica do DF, nossa autêntica Constituição local, a palavra mulher está prevista em nove artigos. Mas ao se compulsar o sítio da Câmara Legislativa do Distrito Federal (CLDF), na aba relacionada às leis distritais, utilizando-se como critério de busca o termo “mulher”, encontravam-se, em 2009, 113 documentos, mas, em 2022, já são 210, sendo que a maior quantidade de normas está contida nos campos da segurança pública, da saúde e do trabalho.
Ressalte-se que a análise acerca da produção legislativa do Distrito Federal revelou, também, uma grande variedade de datas comemorativas, chamando a atenção para os mais diversos temas relacionados com a mulher, razão pela qual formulou-se um calendário com todas elas.
Traçado esse panorama, com a sistematização e contextualização da legislação distrital, o MP de Contas do DF propunha um amplo olhar para a questão, a fim de discutir como a mulher brasiliense está inserida no contexto dos direitos que lhe são garantidos. Em síntese, se a legislação no DF é cumprida; se é constitucional, ineficaz, ineficiente. No mesmo mote, pretendia-se avaliar se era suficiente a previsão orçamentária e financeira, para fazer frente às políticas públicas em defesa dos direitos das mulheres, no DF, e, como os órgãos executivos, de controle e a sociedade, juntos, em total sinergia, podem avançar para além das “normas de papel”, construindo um arcabouço normativo coincidente, de fato, com o dia a dia enfrentado pela cidadã que habita a capital do país.
A representação foi autuada no Processo nº 28043/19, mas, lamentavelmente, não conhecida e arquivada, deixando-se de acolher a realização de auditoria.
Apesar disso, a CLDF, em boa hora, instaurou uma CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito) para investigar feminicídios ocorridos na capital federal. Em 2021, o relatório foi apresentado. Em resumo, suas principais conclusões foram<a href="#_ftn5" name="_ftnref5">[5]</a>:
<ul>
<li>as vítimas dos feminicídios, em sua maioria mulheres negras, foram assassinadas pelos seus companheiros ou ex-companheiros em contexto de violência doméstica e familiar, em mortes anunciadas, prematuras e evitáveis;</li>
<li>em 72,2% dos casos são relatadas violências anteriores sofridas pelas vítimas pelo mesmo autor e, em 85,55% dos casos, foram identificados fatores de risco, como ameaças e agressões anteriores motivados por sentimento de posse do autor;</li>
<li>há fragmentação e desarticulação entre os serviços da rede. As trágicas mortes de mulheres entre 2019 e 2020 poderiam ser evitadas se os serviços especializados funcionassem de forma integrada e fossem coibidas práticas de violência institucional. O Estado tem sido incapaz de oferecer respostas à violência de gênero para além da punição dos agressores.</li>
</ul>
A emergência desses temas requer elevada resiliência.
No presente ano, o MPCDF dirigiu-se ao TCDF, para tratar desta vez de outro tema, igualmente relevante, e relacionado com a saúde da mulher. Trata-se da Representação 07/22, autuada no Processo nº 1662/22-TCDF, questionando a precariedade do tratamento do câncer do colo de útero, em plena capital do país. Isso porque, a maioria das pacientes com neoplasia de colo uterino necessitam de um tipo de radioterapia, denominado braquiterapia. Contudo, esses serviços foram suspensos pelo único hospital público que os prestava no DF:
<blockquote class="jota-article__citation">“(...) Todas as pacientes com neoplasia de colo uterino que necessitem de braquiterapia ficarão desassistidas. Este tratamento (braquiterapia), é essencial para melhorar as chances de cura desta doença, na maioria das pacientes. É de extrema urgência e necessidade a resolução da oferta do tratamento de braquiterapia ginecológica para os pacientes do SUS no Distrito Federal".</blockquote>
Diante desses fatos, o MPCDF ressaltou a existência de recursos que, ao menos em tese, poderiam suportar a aquisição do equipamento.
Em conclusão, espera-se ter sido possível demonstrar, com apenas alguns exemplos, que a temática envolvendo a mulher brasileira cabe, plenamente, no ambiente do controle externo, que pode figurar como um forte aliado na defesa e na implementação de seus direitos.
<hr />
<a href="#_ftnref1" name="_ftn1">[1]</a> Sobre as polêmicas que envolvem a criação da data: <a href="https://pt.wikipedia.org/wiki/Dia_Internacional_das_Mulheres">https://pt.wikipedia.org/wiki/Dia_Internacional_das_Mulheres</a>. Destaque-se, ainda, a adoção da Agenda 2030, para o Desenvolvimento Sustentável, propondo ampla reflexão sobre a necessidade de combater em todo o mundo desigualdades e discriminações contra mulheres e meninas. A Agenda 2030 reafirma princípios contidos nas principais normas internacionais relativas aos direitos humanos das mulheres, tais como a Convenção para Eliminar Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher (CEDAW) e a Plataforma de Ação de Pequim.
<a href="#_ftnref2" name="_ftn2">[2]</a> Disponível em: https://portal.tcu.gov.br/lumis/portal/file/fileDownload.jsp?inline=1&amp;fileId=8A8182A14D92792C 014D9282D2B35E13.
<a href="#_ftnref3" name="_ftn3">[3]</a> CUSTO ECONÔMICO DO FEMINICÍDIO ÍNTIMO: custo privado e público do feminicídio íntimo; Outros Custos Econômicos e Propostas para a Redução do Feminicídio. https://cnpgc.org.br/violencia-contra-mulher-e-da-minha-e-da-sua-e-da-nossa-conta/
<a href="#_ftnref4" name="_ftn4">[4]</a> Relembre-se Bobbio, ao chamar a atenção para a necessidade de realização desses direitos. Segundo o autor, uma coisa é proclamar os direitos do homem, adverte o autor, outra é desfrutá-lo efetivamente; “Os direitos de que fala a literatura são somente os proclamados nas instituições internacionais e nos congressos, enquanto os outros são aqueles que a esmagadora maioria da humanidade não possui de fato, ainda que sejam solene e repetidamente proclamados” (BOBBIO, Norberto. A Era dos Direitos. Rio de Janeiro: Campus, 1992, pp. 1, 10 e 23-24).
<a href="#_ftnref5" name="_ftn5">[5]</a> O relatório pode ser acessado na íntegra na página da CLDF: <a href="https://www.cl.df.gov.br/-/cpi-do-feminic-c3-addio-aprova-relat-c3-b3rio-final-que-ser-c3-a1-encaminhado-a-autoridades-do-df">CPI do Feminicídio aprova relatório final que será encaminhado a autoridades do DF - CLDF</a>

lei maria da penha

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JOTA

MP de Contas do DF tem tido olhar atento para a defesa dos direitos da mulher

A mulher e a atuação do controle externo

Ministério Público de Contas do Distrito Federal tem tido olhar atento para a defesa dos direitos da mulher