Análise

A MP 966 não é inconstitucional

MP prevê providências de proteção jurídica mínima aos agentes públicos investidos de funções de grande relevância

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Crédito: Pixabay

A MP 966, que veiculou regras específicas sobre a responsabilidade civil e administrativa dos agentes públicos no cenário da pandemia, não infringe a Constituição. Ao contrário, consagra a interpretação mais adequada para as normas constitucionais e fornece soluções relevantes para o enfrentamento da crise.

O art. 1º da MP 966 fixa que “Os agentes públicos somente poderão ser responsabilizados nas esferas civil e administrativa se agirem ou se omitirem com dolo ou erro grosseiro pela prática de atos relacionados, direta ou indiretamente, com as medidas de …”. Ademais, a MP define que erro grosseiro consiste no “erro manifesto, evidente e inescusável praticado com culpa grave, caracterizado por ação ou omissão com elevado grau de negligência, imprudência ou imperícia”. E determina que a avaliação sobre o erro grosseiro deve tomar em vista as circunstâncias condicionantes da atuação do agente público.

Portanto, a MP 966 não dispõe sobre a responsabilidade do Estado em face de terceiros. Logo, não há fundamento para imputar violação à primeira parte do art. 37, § 6º, da CF/88 – que estabelece: “As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, …”. Mas também não existe infração à parte final do referido dispositivo (“… assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa”). A MP 966 reafirma a responsabilização civil e administrativa nas hipóteses de dolo, de modo aderente à CF/88.

A controvérsia se relaciona com a previsão da responsabilização vinculada ao erro grosseiro, definido como “culpa grave”. Essa solução não é inconstitucional, especialmente tomando em vista as adversidades do cenário de combate à COVID-19.

As dificuldades da realidade influenciam a atuação dos agentes públicos encarregados de promover as medidas relacionadas com a pandemia. Nem sempre estarão disponíveis as informações necessárias. Em outros casos, existirão restrições de mercado. Nem é cabível excluir a variação de entendimento quanto às medidas apropriadas. Muito menos admissível é ignorar a pressão contínua, a tensão crescente e o cansaço físico produzidos por um cenário sem paralelo na experiência anterior.

Há contradição invencível em exigir que o Estado intervenha para adotar as medidas urgentes e inafastáveis, algumas de grande complexidade, e determinar que os agentes públicos estarão sujeitos à responsabilização pessoal em virtude de qualquer falha ou defeito, por mínimo que o sejam.

Trata-se, enfim, de eliminar o incentivo à omissão que seria produzido pelo risco de responsabilização por uma falha aceitável em face das circunstâncias.

Se a sociedade brasileira necessita que sejam adotadas todas as providências para reduzir os danos causados pela pandemia, é indispensável que os agentes públicos atuem com tranquilidade – principalmente nas hipóteses em que há riscos inafastáveis nas decisões a serem adotadas.

Nem se diga que a supressão da responsabilidade do agente público em caso de culpa leve violaria a Constituição. Essa é uma interpretação que não é dela extraível, inclusive porque não existe vedação a que, em determinadas situações, uma lei extinga ou rejeite a responsabilidade de agente público.

Muito menos cabível é argumentar que a MP 966 presar-se-ia a legitimar a corrupção, os desvios e os descalabros. Basta considerar que a corrupção somente se configura mediante conduta dolosa. Não é juridicamente possível a configuração de ato de corrupção mediante culpa leve.

A MP 966 não afasta os deveres fundamentais que recaem sobre o gestor público, não abre as portas para falhas, não dá proteção a desvios inadmissíveis no enfrentamento das dificuldades.

A referida MP prevê providências de proteção jurídica mínima aos agentes públicos investidos de funções de grande relevância. Destina-se a evitar que, além do desgaste provocado pela situação dramática em que se encontram, os agentes públicos ainda se sujeitem ao temor de responsabilização pelas providências que precisem adotar.

A disciplina prevista na MP 966 é a manifestação mínima de reconhecimento da sociedade aos agentes públicos encarregados de defender os interesses da Nação. Suspender a sua vigência ou decretar a sua inconstitucionalidade acarretará o agravamento de uma situação já insuportável. Evidenciará a insensibilidade com a posição jurídica daqueles que são os defensores da saúde pública. Ao invés de promover a defesa do patrimônio público, dará oportunidade a danos muito maiores à saúde e à vida dos brasileiros.