Anna Dolores Barros de Oliveira Sá Malta

A posição do Brasil como a oitava maior economia do mundo e o processo contínuo de globalização tornam a tributação de grupos multinacionais, especialmente com relação aos preços de transferência, uma questão de política tributária importante no Brasil.
As regras de preços de transferência, correspondente ao preço que é pago por serviços/bens transferidos de determinada unidade de uma empresa para outras unidades pertencentes a ela e localizadas fora do Brasil, em outros países, visam a garantir que os lucros decorrentes de transações comerciais e financeiras entre membros de um grupo multinacional sejam alocados de maneira a refletir o valor da contribuição de cada uma das partes envolvidas. Nesse sentido, as regras de preços de transferência devem assegurar a base tributária adequada e também contribuir para a prevenção da erosão das bases tributárias dos países e a transferência de lucros para jurisdições de baixa ou nula tributação, onde pouca ou nenhuma atividade econômica é encontrada, além de prevenir a dupla tributação e a distorção das decisões de investimento e concorrência entre as empresas, bem como facilitando o comércio internacional<a href="#_ftn1" name="_ftnref1">[1]</a>.
O sistema de preços de transferência do Brasil foi estabelecido em 1996 e permaneceu relativamente inalterado até o final de 2022. Em 29 de dezembro do ano passado, o Governo Federal brasileiro publicou a <a href="http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2019-2022/2022/Mpv/mpv1152.htm#:~:text=MEDIDA%20PROVIS%C3%93RIA%20N%C2%BA%201.152%2C%20DE%2028%20DE%20DEZEMBRO%20DE%202022&amp;text=Altera%20a%20legisla%C3%A7%C3%A3o%20do%20Imposto,regras%20de%20pre%C3%A7os%20de%20transfer%C3%AAncia.&amp;text=Par%C3%A1grafo%20%C3%BAnico.">Medida Provisória 1.152/2022</a> na intenção de alinhar o sistema de preços de transferência do Brasil com o globalmente adotado, pautado nas diretrizes da <a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/ocde">OCDE</a>. As mudanças terão um impacto drástico em multinacionais que atuam em nosso país.
A MP 1.152/2022, tida como novo marco legal para preço de transferência no Brasil, com votação prevista para abril deste ano, altera a legislação do Imposto sobre a Renda das Pessoa Jurídicas (<a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/irpj">IRPJ</a>) e da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (<a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/csll">CSLL</a>) para dispor sobre as regras de preços de transferência e já possui mais de 100 emendas.
A maior mudança<a href="#_ftn2" name="_ftnref2">[2]</a> no sistema atual é a introdução do princípio arm’s length<a href="#_ftn3" name="_ftnref3">[3]</a>, ausente na legislação atual. Com isso, surgem novos métodos de preços de transferência, novos requisitos de documentação e mudanças consideráveis no tratamento de ativos intangíveis, transações financeiras e reestruturação de negócios. As mudanças mais significativas decorreram do Projeto BEPS — Base Erosion Profit Shifting <a href="#_ftn4" name="_ftnref4">[4]</a> — das Ações 8 a 10 que visaram abordar e limitar abusos e a elisão tributária por meio de práticas de preços de transferência.
As novas regras devem refletir a versão mais recente das Diretrizes de Preços de Transferência da OCDE, tais como: qualquer tipo de transação financeira ou comercial está no escopo das novas regras, diferentemente das regras anteriores que focavam em bens tangíveis, serviços e direitos; os métodos transacionais e tradicionais da OCDE substituem os atuais métodos de preços de transferência; as transações financeiras e aquelas envolvendo intangíveis, tratados anteriormente pela perspectiva de dedutibilidade fiscal pura, tornam-se tópicos de preços de transferência, além do conceito de intangíveis de difícil valoração foram introduzidos no de preços de transferência.
Ademais, a MP promove, também, a alteração da definição de “países de tributação favorecida”, ou, como comumente chamados, paraísos fiscais, os quais passam a ser considerados os Estados cuja tributação é em alíquota inferior a 17%.
Os contribuintes já podem optar pela aplicação das novas regras desde janeiro de 2023, apesar das medidas serão vinculativas e obrigatórias a todos os contribuintes apenas a partir de janeiro de 2024.
No meu sentir, um dos atuais problemas de dupla tributação decorrentes da imposição de margens fixas, da limitação de ajustes de comparabilidade e da ausência de métodos transacionais existentes, restarão resolvidos com a adoção da metodologia da TPG/OCED, tratando do princípio arm's lenght e de como aplicá-lo de maneira geral. No entanto, me parece que, uma vez convertida em lei,  só o peso interpretativo das orientações normativas da RFB que devem surgir acerca dessa legislação vão determinar se, de fato, os problemas com as multinacionais americanas instaladas no Brasil estará minimizados, que reduzindo a dificuldade  da realização de novos investimentos ou até mesmo evitando o desinvestimento mediante a redução das atividades aqui realizadas e o redirecionamento de capitais para outros mercados.
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<a href="#_ftnref1" name="_ftn1">[1]</a>Preço de transferência no Brasil. Convergência para o padrão OCDE. Disponível em https://www.oecd.org/tax/transfer-pricing/precos-de-transferencia-no-brasil-convergencia-para-o-padrao-ocde-folheto.pdf
<a href="#_ftnref2" name="_ftn2">[2]</a>Ponto 9 da exposição de motivos da MP 1.152 ressalta que o desalinhamento das regras de preços de transferência ao princípio arm’s length resulta em problemas acentuados para as multinacionais americanas, uma vez que Recentemente, os Estados Unidos da América - EUA alteraram as suas regras que dispõem sobre o creditamento do imposto pago no exterior, modificando a posição adotada de longa data sobre a matéria. Em janeiro de 2022, o Tesouro americano emitiu sua regulamentação abordando vários aspectos do regime do “Foreign Tax Credit - FTC” (TD 9959).
<a href="#_ftnref3" name="_ftn3">[3]</a>O princípio Arm's Length significa que as entidades relacionadas via gestão, controle ou capital, em suas transações controladas, devem concordar com os mesmos termos e condições que foram acordados entre entidades não relacionadas para transações não controladas comparáveis.
<a href="#_ftnref4" name="_ftn4">[4]</a>O Projeto BEPS (Base Erosion Profit Shifting) é uma iniciativa do G20 juntamente com OCDE que objetiva combater, no cenário internacional, o abuso de normas tributárias que acarretam na erosão da base tributável, principalmente através da transferência de lucros para destinos que possuem tributação mais favorecida ou nenhuma tributação. Tal projeto é composto de quinze planos de ação, onde há a sugestão de mudanças em normas internacionais e normas domésticas tributárias.

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JOTA

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