César Chinaglia Meneses

Diego Diniz Ribeiro

O  presente texto dá início a uma série que postula avaliar um dos pontos mais sensíveis na processualística tributária contemporânea: o destino dado (ou que se pretende dar na prática de processos ainda pendentes) à figura do seguro, seja quando usado para fins de contracautela e concessão de tutela provisória no âmbito de ações antiexacionais (anulatória de débito fiscal ou mandado de segurança repressivo), seja quando operado como garantia em ações exacionais (mais precisamente no caso de execuções fiscais).
Não é novidade as dificuldades que se tem, na prática do processo tributário, de se obter, sem contracautela, a suspensão da exigibilidade via tutela provisória no caso de ações antiexacionais promovidas. Também é conhecida a dificuldade que executados encontram em ver aceitos bens de menor liquidez – quando comparados com dinheiro – para fins de garantia de satisfação da dívida cobrada.
Por sua vez, não raramente o depósito judicial se mostra inviável aos contribuintes, sobretudo nos casos em que o crédito tributário exigido pelo fisco é de montante elevado. Diante disso, o seguro-garantia tem sido modalidade de garantia ou contracautela, a depender do caso, cada vez mais utilizada no âmbito de demandas tributárias.
Na prática, empresas preferem arcar com as despesas necessárias para obtenção do seguro, as quais são diluídas no tempo, do que suportar, de uma única vez, o ônus do depósito do valor integral da dívida. Daí, portanto, a relevância prática dessa figura.
Pois bem. Em 2016, com a publicação da Portaria PGFN nº 396, a Procuradoria Geral da Fazenda Nacional (<a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/pgfn">PGFN</a>) instituiu o “Procedimento de Acompanhamento de Execuções Garantidas”, módulo que permitiria a verificação pelas unidades fazendárias descentralizadas da viabilidade de “prosseguimento, ainda que provisório, da cobrança executiva”. Dentro desse contexto, passou a ser frequente a apresentação de pedidos de conversão em depósito judicial de valores garantidos via seguro – procedimento chamado de “liquidação antecipada do seguro-garantia”.
Em linhas gerais, a assim designada “liquidação antecipada do seguro-garantia” se refere à intimação dos contribuintes e/ou das seguradoras para fins de realização do depósito judicial do valor integral do crédito tributário, ainda que o montante depositado não seja transferido de forma definitiva para a União. O que se consuma, com isso, é a conversão do seguro-garantia em depósito judicial, medida tomada antes do encerramento definitivo do processo.
O grande benefício do fisco federal com esse encaminhamento parece claro: nos termos do artigo 1º, §2º<a href="#_ftn1" name="_ftnref2">[1]</a>, da <a href="http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9703.htm">Lei 9.703/1998</a>, os valores depositados judicialmente são transferidos à Conta Única do Tesouro Nacional, impactando prontamente o orçamento da União<a href="#_ftn2" name="_ftnref3">[2]</a>.
Como regra, os pedidos de liquidação antecipada são apresentados pela PGFN nos seguintes momentos (não excludentes, observe-se): 1) após decisão de primeira instância que rejeita os embargos à execução fiscal opostos pelo contribuinte; 2) após decisão de primeira instância que julga improcedente a ação anulatória ou mandado de segurança repressivo ajuizado pelo contribuinte; e 3) após o recebimento do recurso de apelação do contribuinte sem efeito suspensivo (tantos nos casos de embargos à execução quanto de ação anulatória).
Há basicamente cinco principais frentes argumentativas utilizadas pelo fisco federal para fundamentar tais pedidos:
<ul>
<li>o artigo 19, II, da LEF, o qual determina que “sendo rejeitados os embargos”, no caso de garantia prestada por terceiro (a seguradora, no caso, figuraria como esse terceiro), será este intimado para “pagar o valor da dívida” no prazo de 15 dias;</li>
<li>a existência de cláusula em apólices de seguro-garantia estabelecendo como hipótese de sinistro o não pagamento do valor executado, quando determinado pelo juiz, “independentemente do trânsito em julgado”, após o recebimento dos embargos à execução ou da apelação sem efeito suspensivo;</li>
<li>a Súmula n° 317 do Superior Tribunal de Justiça (STJ), segundo a qual é definitiva a execução de título extrajudicial, ainda que esteja pendente o julgamento de apelação interposta contra a sentença que julgue os embargos improcedentes;</li>
<li>a regra geral de não atribuição de efeito suspensivo ao recurso de apelação interposto contra sentença de improcedência dos embargos à execução (artigo 1.012, §1º, III, do Código de Processo Civil);</li>
<li>o fato de os valores depositados judicialmente serem transferidos à conta única do ente público, integralmente no âmbito federal e parcialmente nos âmbitos estadual e municipal, sendo utilizados na atividade financeira orçamentária.</li>
</ul>
Para os fins deste artigo, trataremos especificamente da primeira linha argumentativa adotada pelo fisco federal – explorando as demais nos artigos que darão seguimento à série a que nos referimos de início.
Conforme mencionado, o artigo 19, II, da LEF prevê que, “sendo rejeitados os embargos”, no caso de garantia prestada por terceiro, este (o terceiro) será intimado para “pagar o valor da dívida” no prazo de 15 dias.
O fisco federal tem interpretado a expressão “sendo rejeitados os embargos” como “decisão de primeira instância desfavorável” e não como “decisão definitiva (transitada em julgado)”, o que, na sua visão, possibilitaria a liquidação antecipada do seguro-garantia. A própria Portaria PGFN nº 164/2014 prevê que o sinistro da apólice do seguro-garantia pode ocorrer “independentemente do trânsito em julgado”.
Essa interpretação, contudo, parece equivocada por quatro principais motivos.
Em primeiro lugar, a interpretação fazendária dada ao artigo 19, II, da LEF apresenta uma extensão semântica a que ele não se sujeita: o dispositivo é claro no sentido de que, no caso de rejeição dos embargos opostos pelo contribuinte, o terceiro será intimado para “pagar” o valor da dívida e não “depositar”.
Não há espaço para tratar o verbo “pagar” como sinônimo de “depositar”.
Partindo dessa premissa, não é adequada a utilização do artigo 19, II, da LEF como fundamento para que o contribuinte ou a seguradora deposite o valor exigido na execução fiscal antes do trânsito em julgado. A LEF apenas autoriza a intimação para fins de pagamento.
Em segundo lugar, nos termos do artigo 156, I, do Código Tributário Nacional (CTN), o pagamento é causa de extinção do crédito tributário. Portanto, no âmbito do Direito Tributário, o pagamento sempre depende do encerramento definitivo do processo, justamente porque encerrada a lide.
Esse entendimento, inclusive, já foi adotado pelo Tribunal Regional Federal da 3ª Região (TRF3) quando do julgamento do Agravo de Instrumento nº 0006994-63.2016.4.03.0000/SP. Naquela oportunidade, o desembargador Antonio Carlos Cedenho, relator do caso, pontuou que “segundo o artigo 19, II, o terceiro que prestar caução pessoal somente será intimado para pagamento após a rejeição dos embargos, o que significa julgamento final”.
Em terceiro lugar, a “conversão de depósito em renda” também é modalidade de extinção do crédito tributário (artigo 156, VI, do CTN), sendo que a própria LEF estabelece que esse procedimento (a conversão em renda) deve ocorrer “após o trânsito em julgado” (artigo 32, §2º, da LEF).
Tal fato é relevante porque, se a conversão em renda depende do encerramento do processo, o pagamento, que também é modalidade de extintiva, deveria seguir, por consequência lógica, a mesma sorte.
Em quarto e último lugar, uma vez permitido o “pagamento” do crédito tributário antes do trânsito em julgado, é substancialmente esvaziado o conteúdo do instrumento processual promovido pelo contribuinte, tornando-a um ato meramente formal.
Em suma, parece-nos que os quatro motivos aqui expostos evidenciam a imprestabilidade do arti 19, II, da LEF para justificar a liquidação antecipada do seguro-garantia, valendo explorar, o que faremos em textos subsequentes (relembramos), os demais pontos convocados pela Fazenda para assentar a debatida liquidação antecipada.
<hr />
<a href="#_ftnref1" name="_ftn2">[1]</a> Art. 1º. Os depósitos judiciais e extrajudiciais, em dinheiro, de valores referentes a tributos e contribuições federais, inclusive seus acessórios, administrados pela Secretaria da Receita Federal do Ministério da Fazenda, serão efetuados na Caixa Econômica Federal, mediante Documento de Arrecadação de Receitas Federais - DARF, específico para essa finalidade.
<ul>
<li>
 1º. O disposto neste artigo aplica-se, inclusive, aos débitos provenientes de tributos e contribuições inscritos em Dívida Ativa da União.
</li>
</ul>
<a href="#_ftnref2" name="_ftn3">[2]</a> Prática essa que, inclusive, foi julgada constitucional pelo STF no âmbito da ação direta de inconstitucionalidade (ADI) n. 1933.

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JOTA

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