Vinicius Sala

Giulia Mattos

Em tempos de Copa do Mundo e festividades de final de ano, é imperioso falar do sofrimento que cães e gatos são expostos com os fogos de artifícios usados em comemorações. Pesquisa recente realizada por um dos principais players do setor pet apontou que 85% dos animais têm medo dos fogos, ficando desnorteados e perdidos, mesmo que estejam em um local familiar. Deixar o pet exposto a um ambiente de estresse certamente prejudica o seu bem-estar, além de favorecer a ocorrência de acidentes e, em alguns casos, até morte.
Na cidade do Rio de Janeiro, a Câmara Municipal acaba de aprovar, em definitivo, um projeto de lei que proíbe a fabricação, comercialização e uso de fogos de artifício no município, um importante avanço na garantia da segurança e conforto dos animais. Sob o ponto de vista jurídico, a tutela do bem-estar dos pets teve especial atenção em 1988, quando foi estabelecida, entre outras coisas, a obrigação do poder público de defender e proteger o meio ambiente para as presentes e futuras gerações. Também foi adotada uma prática prescritiva, em que a efetividade deste direito poderia ser alcançada por medidas que incluíam a proteção da fauna e da flora, vedando práticas que submetam animais à crueldade[1].
Nesta mesma linha, a <a href="https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9605.htm">Lei 9.605/98</a>, ao falar sobre a proteção da fauna e da flora, determinou que comete crime quem pratica maus tratos, e a partir da <a href="http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2020/lei/L14064.htm">Lei 14.064/2020</a>, se a violência é feita contra cão ou gato, a pena é de reclusão de dois a cinco anos, multa e proibição da guarda[2].
Nesse contexto, tudo parece convergir para um objetivo maior: o bem-estar animal previsto constitucionalmente. A inclusão feita pela Lei 14.064/2020 inovou em relação à pena do dispositivo anterior, que deixa de ser detenção e passa a ser reclusão. Em linhas gerais, isto implica em dizer que àquele que pratica maus tratos contra cães e gatos pode ter sua pena cumprida inicialmente em regime fechado, privativo de liberdade, diferente de uma pena de detenção, que permite um regime semiaberto ou aberto. A gravidade do crime é tamanha que o conceito da guarda do animal foi introduzido no texto legal, fato que se assemelha ao tipo penal de maus tratos ao menor de idade, também punível com reclusão.
Ao submeter o pet ao sofrimento causado pelo barulho dos fogos de artifício é evidente que está configurada a prática de crime qualificado, como trata o Art. 32, Parágrafo 1º-A da Lei de Crimes Ambientais (Lei 9605/98). No entanto, as características desta conduta tornam a apuração penal extremamente custosa. A identificação da autoria em eventos dessa natureza é sempre muito complicada, afinal, em uma confraternização tal como a Copa do Mundo, há uma concentração grande de pessoas. Além disso, para configuração material do crime, é fundamental a produção de prova pericial. Porém, ao se deparar com uma situação de sofrimento animal, o mais importante é a saúde e o socorro para aquele pet, ficando a prova pericial constituída no âmbito do processo penal em segundo plano.
Cientes destas falhas legislativas, estados e municípios decidiram assumir o protagonismo na promoção do bem-estar animal com a edição de normas que proíbem a queima, a soltura, a comercialização, o armazenamento e o transporte de fogos de artifício de estampido e de qualquer artefato pirotécnico de efeito sonoro. Municípios como Poços de Caldas, Varginha, Castilho, Bauru, Catanduva, São Sebastião, Indaiatuba, Itapetininga, São Manuel, Ubatuba, Campinas, Belo Horizonte, Camboriú e São Paulo, são exemplos que adotaram este importante tipo de norma.
Na esfera federal, há um importante Projeto de Lei apresentado pelo Senador <a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/randolfe-rodrigues">Randolfo Rodrigues</a>, que dispõe sobre a proibição, em todo o território nacional, de fabricação, comércio, transporte, manuseio e uso de fogos de artifício de estampido ou de qualquer outro artefato pirotécnico que produza estampidos. Trata-se do <a href="https://www25.senado.leg.br/web/atividade/materias/-/materia/151508">PL 5/2022</a>, que em sua justificativa diz o seguinte: "O estampido dos fogos de artifício causam sérios problemas à saúde de alguns animais. No caso das aves, o barulho dos fogos faz com que, devido ao susto, elas voem em qualquer direção, fugindo de seus ninhos e chocando-se contra paredes e vidraças. Os animais domésticos também sofrem bastante com os fogos de estampido. Os cães, por exemplo, sofrem com danos ao tímpano e até mesmo convulsões e desmaios. A sensação de estresse e medo gerada pelo barulho dos fogos é enorme, gerando sério dano à saúde desses".[3]
Por tudo o que foi dito, é inquestionável a importância destes movimentos legislativos no sentido de dar efetividade à repreensão a qualquer tipo de crueldade com os animais. Maus tratos praticados a partir da soltura de fogos de artifício com estampido também são uma forma de violência, além de ser um crime. Por outro lado, mais do que textos normativos, a conscientização da sociedade civil e do poder público sobre o porquê da norma e o impacto que isto traz para os animais é um caminho de legitimidade tão poderoso quanto à punição daqueles que, de alguma forma, colaboram para que isto ainda seja uma realidade em tempos de Copa do Mundo e festas de final de ano.
<div>
____________________________________________________
[1] Vide Constituição Federal do Brasil Art. 225 Caput e Art. 225, § 1º, VII.
[2] Vide Art. 32, § 1º-A incluído na Lei 9.605/98 pela Lei 14.064/2020.
[3] Vide PL 02/2022 disponível em <a href="https://www25.senado.leg.br/web/atividade/materias/-/materia/151508#tramitacao_10238956" target="_blank" rel="nofollow noopener noreferrer">https://www25.senado.leg.br/web/atividade/materias/-/materia/151508#tramitacao_10238956</a> acesso em 29 de novembro de 2022.
</div>

anoir-chafik-2_3c4dIFYFU-unsplash

https://images.jota.info/wp-content/uploads/2021/09/copy-of-jota-logo-high-cmyk.jpeg

JOTA

Cientes de falhas legislativas, estados e municípios passaram a adotar medidas que possam promover conforto aos animais

A legislação como importante aliada na manutenção do bem-estar animal

Cientes de falhas legislativas, estados e municípios passaram a adotar medidas que possam promover bem-estar animal.