Hoje, sexta-feira, é dia de mais um capítulo do projeto “Dúvida Trabalhista? Pergunte ao Professor!” dedicado a responder às perguntas dos leitores do JOTA, sob a Coordenação Acadêmica do professor de Direito do Trabalho e Coordenador Trabalhista da Editora Mizuno, Ricardo Calcini.

O projeto tem periodicidade quinzenal, cujas publicações são veiculadas sempre às sextas-feiras. E a você leitor(a) que deseja ter acesso completo às dúvidas respondidas até aqui pelos professores, basta acessar o portal com a #pergunte ao professor.

Neste episódio de nº 91 da série, a dúvida a ser respondida é a seguinte:

Pergunta ► A Justiça do Trabalho é obrigada a homologar acordo extrajudicial apresentado pelas partes?

Resposta ► Com a palavra, o professor Fagner Sandes.

A Justiça do Trabalho, mesmo antes do advento da EC 45/04, sempre teve um viés eminentemente conciliador, porquanto o artigo 114, caput, da Constituição Federal, em sua redação originária, previa expressamente que o Poder Judiciário Trabalhista tinha competência, além de outras previstas em lei, para conciliar e julgar os dissídios individuais e coletivos entre trabalhadores e empregadores.

Porém, com a promulgação da EC 45/05, o artigo 114 fora alterado, sendo retirada a palavra conciliar, inserindo-se em seu lugar a palavra processar, distribuindo a competência em nove incisos, em rol exemplificativo, vez que o inciso I, em nosso sentir, é uma cláusula de abertura ao estabelecer que a competência é para “as ações oriundas da relação de trabalho...”, sem prejuízo do inciso IX do mesmo dispositivo.

No entanto, ainda que a palavra conciliação tenha sido retirada da Carta da República, o princípio conciliatório se manteve intacto, sendo que sua base, que também era constitucional, passou a ser apenas infraconstitucional, como previsto no artigo 764 da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). Aliás, a conciliação no processo do trabalho pode ocorrer a qualquer tempo, ainda que encerrado o juízo conciliatório, ou seja, mesmo na execução, após o trânsito em julgado.

Contudo, apesar da atribuição/função conciliadora da Justiça do Trabalho, haja vista os preceitos acima citados, nunca tivemos, até o nascedouro da Lei n. 13.467/17, previsão expressa e procedimento próprio para fins de homologação de acordo extrajudicial (artigo 855-B ao artigo 885-E, CLT), de modo que a magistratura trabalhista era recalcitrante em homologar acordos nesse sentido, considerando, ainda, o princípio da irrenunciabilidade (indisponibilidade) de direitos do(a) trabalhador(a), que sempre teve (e ainda tem) máximo rigor em sua aplicação pelos magistrados do trabalho, no conferir de uma situação jurídica intervencionista em “favor” do empregado, sob a pecha de evitar abusos por parte do empregador, em face daquele que é considerado hipossuficiente.

Aliás, o C. TST editou a Súmula 418 afirmando que “a homologação de acordo constitui faculdade do juiz, inexistindo direito líquido e certo tutelável pela via do mandado de segurança”, de modo que sua leitura indica que o magistrado tem liberdade para indeferir o acordo apresentado pelas partes no curso de uma relação processual (ou até mesmo o extrajudicial), claro que fundamentando sua decisão sob pena de nulidade. Essa é a perspectiva da jurisprudência acima que, em nosso sentir, deve ser revista incontinentemente.

Ocorre que, na perspectiva do garantismo jurídico processual, se temos em mente que o processo é uma garantia dos jurisdicionados e não um instrumento de Jurisdição, como afirma Eduardo José da Fonseca Costa^[1], viramos então chave, afinal, pois para fins de homologação de acordo extrajudicial a lei exige que ambos os interessados estejam com advogado(a) (além de outros requisitos), valendo-se, assim, do princípio da proteção (assegurando plena igualdade), dando ao(à) trabalhador(a) a segurança necessária para que tenha plena convicção de que o acordo que está celebrando não lhe é prejudicial, já que o(a) advogado(a) que por ele é contratado(a) (e assim deve ser sob pena de má-fé do empregador), cuja função essencial à Administração da Justiça (artigo 133 da CF) confere ao causídico o múnus de agir em sua defesa, buscando a melhor incidência dos seus legítimos interesses.

Assim, até que ponto o juiz pode (se pode) intervir na vontade das partes e se recusar à homologação do acordo, já que a Lei Maior assegura, como direito inviolável a liberdade, o que inclui a de negociação?

Uma questão que gera negativa por parte dos juízes é o alcance (aplicação) do princípio da irrenunciabilidade (indisponibilidade) dos direitos do(a) trabalhador(a). Porém, a mera menção ao princípio e sua definição, per se, estão longe de auxiliar na resolução da problemática, vez que ele se aplica quando a relação de emprego ainda está em vigor, ou seja, para os contratos de trabalho em curso. Há que se ter em mente que a justificativa da aplicação do princípio é exatamente a subordinação jurídica imanente ao contrato de trabalho, como se extrai do artigo 2º da CLT, ou seja, é para proteger o empregado das investidas levianas do empregador no curso do contrato. Não havendo mais relação de emprego, não faz mais sentido a insurgência do princípio em tela, já que seu fundamento de existência não mais é verificável e, vale lembrar, no acordo extrajudicial o(a) trabalhador(a) deve estar assistido por advogado(a). Assim, e a bem da verdade, o que se renúncia ou transaciona, doravante, são créditos, e não direitos.

Porém, nada impede que, ainda durante a vigência do contrato de trabalho, empregado e empregador celebrem um acordo extrajudicial sobre os créditos inerentes às horas extras não pagas até então e, com isso, submeter tal avença à homologação. Nesse caso, a tratativa não é sobre o direito às horas extras, mas sim sobre a quantidade de horas extras e o valor respectivo.

Não obstante algumas raras decisões divergentes, o Tribunal Superior do Trabalho já analisou por vezes essa questão e, neste ponto, a 5ª Turma, por exemplo, proferiu acordão, de relatoria do ministro Douglas Alencar, mais uma vez reformando decisão da instância a quo, que pretendia intervir na vontade das partes, impondo ressalva nos termos ajustados pelas partes:

“Ora, é inequívoca a vontade dos interessados em por fim ao contrato de trabalho, dando-se plena quitação com o pagamento pelo reclamado ao reclamante da importância acordada. Nesse cenário, estando presentes os requisitos de validade do acordo extrajudicial firmado, mostra-se inviável ao Tribunal Regional a aposição de ressalvas ou condições que não foram estabelecidas pelos interessados, cabendo-lhe, tão somente, decidir pela homologação ou não do termo de transação, mediante decisão fundamentada (CF, artigo 93, IX)” (TST-RR-596-19.2018.5.06.0015, 5ª Turma, relator ministro Douglas Alencar Rodrigues, julgado em 20/5/20.)

Outro ponto que é usado como fundamento para a negativa é que não se pode homologar acordo com quitação geral em casos específicos, como aqueles em que há, por exemplo, garantia provisória no emprego. Porém, também não vemos nenhum óbice, mesmo em casos de garantias provisórias no emprego ou estabilidades, como a quitação geral, e não apenas quanto as parcelas que constam consignadas na petição.

Nesse sentido decidiu a C. 8ª Turma do TST, em julgamento proferido no dia 6.4.2022, de relatoria da ministra Delaide Miranda Arantes:

“Todavia, a jurisprudência desta Corte Superior vem se firmando no sentido de que, em processo de jurisdição voluntária, compete à Justiça do Trabalho homologar integralmente ou não homologar o acordo extrajudicial, sendo vedada a homologação parcial – ou com ressalvas - do mesmo. Com efeito, não havendo notícia de fraude, coação, ou qualquer outro defeito apto a macular o negócio jurídico realizado entre as partes, deve ser reconhecida a quitação do acordo nos termos em que pactuada, inclusive com cláusula de quitação ampla, geral e irrestrita do contrato de trabalho, se houver, sob pena de ofensa à legalidade e ao ato jurídico perfeito. Precedentes. Recurso de revista conhecido e provido” (Processo nº TST-RR-1000933-91.2020.5.02.0383).

É de se notar que a jurisprudência trabalhista tem, a cada dia, se firmando no sentido de ser respeitado, como regra geral, o que for pactuado pelas partes. Isso é, de fato, respeitar a segurança jurídica, a autonomia da vontade (um dos substratos da liberdade que é inviolável pela Constituição brasileira) e a indispensabilidade da advogada na formalização do acordo extrajudicial.

Certo é que o Brasil é um Estado Democrático de Direito, onde não existem súditos, mas sim cidadãos, prevendo a Constituição Federal, no caput do seu artigo 5º, que são invioláveis o direito à liberdade (inclusive a de negociar, respeitando a autonomia da vontade), à igualdade (os interessados são representados por advogados distintos) à segurança (jurídica de extinção das obrigações), razão pela qual a autonomia da vontade deve ser observada e respeitada, já que é um direito fundamental do cidadão negociar, sobretudo quando estiver devidamente assistido por um(a) profissional que desempenha uma função essencial à Justiça.

Assim, pensamos que um dos pontos mais fundamentais, sem prejuízo da cautela que o magistrado deve ter antes de homologar o acordo — que pode ser posto em juízo por interesses escusos dos interessados —, é exatamente a previsão de que os interessados devem estar representados por seus respectivos advogados, evidentemente desde que não pertençam ao mesmo escritório de advocacia, pois neste caso haverá, invariavelmente, interesses contrapostos, além de possível violação ao Código de Ética da OAB.

Sendo a advocacia função essencial à Justiça, consolida-se o Estado Democrático de Direito e o Acesso à Justiça, haja vista que a atuação do(a) advogado(a) faz concretizar as liberdades fundamentais, bem como os direitos sociais, tendo em vista que o(a) causídico(a) atua em nome do cidadão, o qual não tem, pelo menos em tese, conhecimento das normas jurídicas, cabendo ao(à) advogado(a) à manifestação condizente com o que é devido ao seu cliente.

Diante do acima exposto, entendemos que os magistrados não devem rejeitar a homologação de acordo extrajudicial apresentado pelas partes, quando todos os requisitos legais estiverem satisfeitos, sendo necessário, inclusive, a revisão da Súmula 418 do TST. Ressalvamos, apenas, os casos de notória simulação, fraude, dolo, coação, erro, ou seja, situações em que, comprovadamente, haja vício capaz de afastar a livre intenção e autonomia da parte.

[1] https://www.eduardojfcosta.com.br/artigos/PROCESSO-GARANTIA-ANTIJURISDICIONAL-OU-CONTRAJURISDICIONAL-/

A Justiça do Trabalho é obrigada a homologar acordo extrajudicial apresentado pelas partes?

Os magistrados não devem rejeitar a homologação de acordo extrajudicial apresentado pelas partes