Leandro Fonseca Vianna

O ano de 2018 foi marcado, entre o final de maio e o início de junho, pela greve dos caminhoneiros, movimento que paralisou estradas, esvaziou prateleiras de mercados e demonstrou a insatisfação da categoria de caminhoneiros com a nova política de preços da Petrobras<a href="#_ftn1" name="_ftnref1">[1]</a>.
Em apoio e solidariedade ao movimento dos caminhoneiros, as entidades sindicais representante da categoria dos petroleiros anunciaram a deflagração de greve cuja pauta continha as seguintes reivindicações:
- redução do preço dos combustíveis e do gás de cozinha;
- manutenção dos empregos e retomada da produção interna de combustíveis;
- fim das importações de gasolina e outros derivados de petróleo;
- contra privatizações e desmonte do Sistema Petrobras;
- demissão de Pedro Parente da Presidência da Petrobras.
O tema novamente volta ao debate em 2020, com o julgamento na Seção de Dissídios Coletivos do Tribunal Superior do Trabalho (TST) no próximo dia 14 de dezembro<a href="#_ftn2" name="_ftnref2">[2]</a>, oportunidade em que o Tribunal analisará a legalidade da greve política e a possibilidade de aplicação de sanções.
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Pretende-se, com o presente artigo, lançar uma reflexão acerca dos limites do exercício do direito de greve e, especialmente, estabelecer as bases da juridicidade da "greve política".
Viver em sociedade é, em si, um ato político. O exercício de uma atividade profissional, a organização em associações e a participação em movimentos sindicais, por exemplo e como consequência, serão movimentos políticos.
Dizer que o direito de greve é um ato político não equivale dizer que o Direito admitiria uma pauta política de reinvindicações como legitimadora de um movimento paredista.
São conceitos e abordagens diversas. Um de ordem político/sociológica e outro à luz do ordenamento jurídico.
Feitas essas considerações, a proposta deste artigo não é explorar as diferentes concepções do que seria a política ou um ato político. O que se pretende é estabelecer a possibilidade daquilo que se denominou ‘greve política’ e fixar os requisitos para a análise da possibilidade de pauta política de reivindicações, tal qual aquela lançada pelos petroleiros no mês de maio de 2018.
Não se desconhece que o direito de greve, além de um ato político, é uma garantia constitucional, cuja análise de conveniência e oportunidade de sua deflagração pertence exclusivamente aos trabalhadores (art. 9º, CF). Ocorre, todavia, que a parte final do referido dispositivo, quando estatui que também compete aos trabalhadores “os interesses que devam por meio dele defender”, deve se harmonizar com os demais princípios e regras constitucionais.
Sabe-se que "a simples adesão à greve não constitui falta grave" (Súmula nº 316 do Supremo Tribunal Federal), mas, por outro lado, o direito de greve não é absoluto e deve respeitar os parâmetros legais vigentes (RE 184.083, rel. min. Marco Aurélio, j. 7-11-2000, 2ª T, DJ de 18-5-2001).
Sem observar a lei e a Constituição, muitos defensores da ‘greve política’ têm recorrentemente lançado mão de pautas políticas e de política partidária para justificar a paralisação de setores e atividades, comprometendo não apenas o patrimônio do empregador, mas nos casos dos serviços essenciais, de toda a sociedade.
Como dito, além da proteção dos serviços e atividades essenciais, a Constituição tem a salvaguarda da propriedade privada e da livre iniciativa, bem como da autonomia das empresas estatais que exploram atividade econômica.
O exercício do direito de greve traz em si não só os interesses que são protegidos, mas sobretudo as reinvindicações da categoria.
E por que é relevante o tema aqui tratado?
Como bem ressaltado pelo ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), por ocasião da concessão da medida cautelar na ADPF 519, que tratou da greve dos caminhoneiros, o direito de greve (quando exercido nos limites da lei) encerra imunidade ao trabalhador paredista:
“O direito de greve, sob a ótica jurídica, portanto, se configura como direito de imunidade do trabalhador face às consequências normais de não trabalhar, incluindo-se no exercício desse direito diversas situações de índole instrumental, além do fato de o empregado não trabalhar, tais como a atuação de piquetes pacíficos, passeatas, reivindicações em geral, a propaganda, coleta de fundos, “operação tartaruga”, “cumprimento estrito do dever”, “não-colaboração”” (ADPF 519 MC / DF, Rel. Min. Alexandre de Moraes.)
Justamente em decorrência desta ‘imunidade’ pelo ato de não trabalhar e o julgamento que se aproxima na SDC, este artigo se propõe a analisar a juridicidade da greve política e a possibilidade de se estabelecer uma pauta política de reinvindicações.
Poderiam os petroleiros serem considerados "imunes" às sanções disciplinares ao deflagrar movimento paredista de caráter exclusivamente político?
Ao que nos interessa à presente reflexão, analisaremos a juridicidade da greve dos petroleiros deflagrada em maio de 2018. Seja para os que entenderem se tratar de uma pauta de reivindicações exclusivamente política ou para aqueles que a compreenderem como mista (com reinvindicações relacionadas à categoria e, ao mesmo tempo, com pauta política), as conclusões serão idênticas.
Devemos considerar o movimento dos petroleiros como exercício do direito de greve (art. 9º CF) ou meramente direito de reunião (art. 5º, XVI, CF) e livre manifestação?
Toda greve deve chegar a uma pacificação, seja pela via negocial ou, em hipótese extrema, pela intervenção judicial anômala. Quando não encerrado por acordo, o litígio há de ser solucionado pela Justiça do Trabalho (art. 114, II, CF) que, em última análise, julgará a legalidade da greve e proferirá sentença normativa disciplinando o objeto do litígio.
Portanto, diante de uma greve sem definição na via negocial e, como última ratio, caberá à Justiça do Trabalho, por iniciativa de qualquer das partes ou do Ministério Público do Trabalho, decidir sobre a procedência, total ou parcial, ou improcedência das reivindicações, cumprindo ao Tribunal publicar, de imediato, o competente acórdão (art. 8º, Lei 7.783/89).
Importante que se consigne que uma greve sem reinvindicações deve ser considerada ilegal e abusiva. Essa é uma conclusão que se obtém a partir da leitura da Lei de Greve (Lei nº 7.783/89), em especial no seu artigo 14<a href="#_ftn3" name="_ftnref3">[3]</a>.
Outra conclusão que se extrai da leitura dos dispositivos da Lei de Greve é que, além de obrigatoriamente ter de apresentar uma pauta de reivindicações, estas devem estar diretamente relacionadas com as condições de trabalho de determinada categoria.
Uma pauta política de reivindicações, que peça, por exemplo, a destituição do presidente da Petrobras ou a alteração no preço de combustíveis, não pode ser considerada diretamente relacionada com a relação de trabalho/emprego.
Além de uma pauta de reivindicações relacionada à relação de emprego, acrescentamos ainda quatro outros requisitos para avaliar a pauta política de uma greve: as reivindicações devem ser (i) lícitas, (ii) possíveis, isto é, estar no âmbito do poder diretivo do empregador, (iii) passíveis de inclusão em Acordo Coletivo de Trabalho e (iv) em sentença normativa pela Justiça do Trabalho.
O requisito da licitude da pauta não merece maiores esclarecimentos, porque autoexplicativo. Uma reivindicação ilícita não poderá legitimar a greve.
Já a possibilidade da pauta está diretamente relacionada à capacidade do empregador satisfazê-la, seja do ponto de vista jurídico, seja do ponto de vista fático. Poderia o empregador atender à categoria e decidir pela destituição do presidente da Petrobras, cuja indicação é exclusiva da União?
Quando se realizou movimento grevista em solidariedade aos caminhoneiros, que protestavam pelo alto custo do óleo diesel, estava na governabilidade dos empregadores a redução do preço do combustível? Era possível aos empregadores atender a tais reinvindicações?
Além de uma pauta lícita e possível, que se relacione diretamente com as condições de trabalho, a deflagração da greve exige que não se tenha acordo ou convenção coletiva vigente (art. 14, Lei 7.783/89).
Assim, para ser considerada legítima e legal, no nosso entendimento, a pauta de reivindicações deve ser passível de ser incluída como cláusula de ACT. Isso porque não poderiam as partes interessadas (Sindicato e Empregador) celebrar acordo em que fixassem a renúncia do presidente da empresa, ou a alteração no regime de importações. Se a reivindicação não pode ser objeto de acordo coletivo de trabalho, não pode legitimar uma greve.
<blockquote class="jota-article__eye">Por último, como visto, toda greve que não se solucionar pela via negocial, será decidida pela Justiça do Trabalho, que proferirá sentença normativa.</blockquote>
E essa intervenção anômala possuirá limitações adicionais àquelas já impostas ao acordo e convenção coletiva de trabalho.
Assim, para analisar a legalidade de uma pauta política, ainda que determinado tema político possa hipoteticamente figurar em acordo coletivo, se ele não puder constar em uma sentença normativa, a greve deverá ser considerada abusiva desde seu nascedouro.
Ainda que eventualmente se admitisse como possível a inclusão da pauta de reivindicações dos petroleiros em Acordo Coletivo de Trabalho, poderia a Justiça do Trabalho proferir sentença normativa para destituir o presidente da Petrobras? Ou alterar a política de preço de combustíveis?
Trata-se, desse modo, de uma pauta que revela por mais esse motivo a ilegalidade da greve política, cujos requisitos podem servir para analisar todos os casos de movimento paredista, a fim de verificar sua juridicidade.
Desse modo, considerados os requisitos propostos em cotejo com a pauta de reivindicações, para ser considerada abusiva, não é preciso se aguardar a sentença normativa, devendo ser declarada incidentalmente e até preventivamente, bastando que apenas uma das reinvindicações não se enquadrasse nos quatro itens acima descritos.
Sabendo-se que não existe greve eterna e que deve haver pacificação, a mera existência de um único item político na pauta faria com que não fosse juridicamente possível a solução do conflito (pela via negocial ou anômala).
E uma vez sabendo que o conflito deve ter uma solução e que não se admite greve por prazo indeterminado, a conclusão a que se chega é que mesmo que for apenas um único item político, isolado ou com outras reinvindicações, não haveria juridicidade na dita "Greve Política".
Não se está aqui a pretender defender a censura prévia ou se limitar o livre exercício da liberdade de manifestação e reunião. As reivindicações políticas permanecem sendo garantidas constitucionalmente pela liberdade de manifestação e expressão, além do direito de reunião, associação, etc.
Ocorre que a já citada "imunidade" na relação de emprego ou trabalho estará comprometida, sujeitando o empregado às sanções disciplinares no caso da greve reconhecida como ilegal ou nos casos de abuso. A greve política, portanto, nada mais é do que o exercício do direito à liberdade de manifestação e de reunião, nada conferindo de imunidade ao trabalhador ou à entidade sindical.
Assim é que, em conclusão, desde o momento da realização das assembleias que aprovem a deflagração de movimento grevista com pauta de reivindicações políticas, por carecer de juridicidade, a greve pode ser declarada ilegal e abusiva, preliminarmente e independentemente de julgamento de mérito do dissídio coletivo eventualmente instaurado<a href="#_ftn4" name="_ftnref4">[4]</a>.
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O episódio 46 do podcast Sem Precedentes discute se o contrato de trabalho intermitente é ou não constitucional. Ouça:
https://youtu.be/o8E3sXtx7j0
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<a href="#_ftnref1" name="_ftn1">[1]</a> <a href="https://economia.ig.com.br/2018-12-19/greve-dos-caminhoneiros-retrospectiva.html">Greve dos caminhoneiros: relembre e entenda o impacto na economia - Economia - iG</a>
<a href="#_ftnref2" name="_ftn2">[2]</a> Processo nº 1000376-17.2018.5.00.0000
<a href="#_ftnref3" name="_ftn3">[3]</a> Art. 14 Constitui abuso do direito de greve a inobservância das normas contidas na presente Lei, bem como a manutenção da paralisação após a celebração de acordo, convenção ou decisão da Justiça do Trabalho.
Parágrafo único. Na vigência de acordo, convenção ou sentença normativa não constitui abuso do exercício do direito de greve a paralisação que:
I - tenha por objetivo exigir o cumprimento de cláusula ou condição;
II - seja motivada pela superveniência de fatos novo ou acontecimento imprevisto que modifique substancialmente a relação de trabalho.
<a href="#_ftnref4" name="_ftn4">[4]</a> SL 1298 / DF, Rel. Ministro Presidente Dias Toffoli. DJ Nr. 31 do dia 14/02/2020

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JOTA

O uso da política partidária para justificar a paralisação de setores e atividades

A juridicidade da greve política

O uso da política partidária para justificar a paralisação de setores e atividades