Luciano de Souza Godoy

Questão intrincada – a Constituição garante o acesso à Justiça para coibir lesão ou ameaça de lesão a direito – artigo 5o, inciso XXXV. Por outro lado, os atos multidisciplinares administrativos que gozam de legitimidade e certeza (como todos os atos administrativos) podem ser questionados quanto ao mérito na Justiça ou em procedimento arbitral ? Penso que não. Explico-me. 
Os atos administrativos formados nos procedimentos multidisciplinares do CADE e das agências reguladoras resultam de competência legal, constituindo um mérito administrativo que não pode ser revisto judicialmente. Há falta de competência ou ofensa à independência dos poderes. 
Para ilustrar o ponto, como exemplo, tratamos do cartel – combinar preços com concorrentes – Lei 12.529/2011, artigo 36, § 3o , I; trazendo o caso ao cotidiano das pessoas, há uma combinação de preços em um segmento da econômica – suspeita de combinação de preço entre as padarias quanto ao pãozinho, dos planos de saúde em relação a uma carteira, de farmácias para uma espécie de medicamento ou mesmo de montadoras quanto a peças de veículos. Todos casos já narrados na mídia em diferentes épocas.  
A competência legal do Conselho Administrativo de Defesa Econômica foi prevista na Lei 12.529/2011 e, dentre estas, encontra-se a competência deste Tribunal Administrativo de julgar as infrações à ordem econômica. Na mesma lei, inclui-se entre as infrações à ordem econômica a prática de cartel, isto é, combinar preços com os concorrentes. A decisão do Tribunal Administrativo é resultado de um julgamento fruto da sua composição multidisciplinar, nomeados dentre cidadãos com notório saber jurídico ou econômico. Daí, o mérito da decisão do CADE nos exemplos citados, há ou não cartel, não pode ser apreciado pelo Judiciário, nem mesmo por meio de uma perícia técnica. 
A prova pericial prevista na legislação processual (tanto no atual como no novo CPC, as previsões são semelhantes) existe para esclarecer ao julgador um fato técnico relevante ao conhecimento do caso e sempre há de constituir em um exame, uma vistoria ou uma avaliação. A título de exemplos: exame de DNA para aferir a paternidade, vistoria para medir a evolução de uma obra de engenharia civil ou uma avaliação para por preço em um imóvel. 
Para mim, não é possível, nem razoável e nem juridicamente válido se imaginar que um perito em economia, por exemplo, poderia produzir um laudo para subsidiar uma decisão judicial que substitua a decisão colegiada multidisciplinar derivada de um procedimento complexo no CADE. 
Meu ponto – se a decisão do CADE finaliza um procedimento complexo e multidisciplinar, do qual a própria decisão é multidisciplinar como prevista em lei, uma perícia judicial não pode substitui-la por falta de capacidade técnica e por falta de competência legal; com isso, não é passível de revisão judicial o mérito da decisão do CADE, por exemplo, quanto ao fato se existe ou não existe cartel. Da mesma forma, antes da apreciação do CADE sobre este ponto, em outros processos não se pode reconhecer a existência de cartel também por falta de capacidade técnica e por falta de competência legal, quer em outro procedimento administrativo (por exemplo, para a cassação de uma licença ou autorização) ou em um processo judicial criminal. 
Outro ponto distinto que é necessário apontar seria a alegação de ilegalidade no procedimento ou vício formal que autorizam a apreciação judicial, levando à anulação, desconstituição ou reconhecimento de nulidade do ato. Ou mesmo atentado aos princípios previstos no artigo 37 da Constituição – moralidade, razoabilidade e eficiência, que autorizam o afastamento do ato que ultrapassa os limites da discricionariedade. 
Esta discussão ganhou foro com os diversos protagonistas, inclusive as carreiras da Magistratura, há quase dez anos. Em 2006, foi realizado o Seminário  “O Judiciário na defesa da concorrência” em Brasília, com a promoção da AJUFE e do IBRAC e a participação da ANPR, CADE e AGU; participaram os membros do Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência, Magistrados, professores e advogados – as transcrições das discussões se encontram na Revista do IBRAC, v. 14, n. 3, 2007. 
Nesta semana, continuando a discussão, novamente em Brasília, no Auditório do Conselho Federal da OAB, haverá um seminário promovido pelo Conselho da Justiça Federal, STJ, OAB, AJUFE, CEDES e CADE, com o título – <a href="http://www.cjf.jus.br/eventos/os-desafios-da-judicializacao-da-defesa-da-concorrencia-da-regulacao-e-do-comercio-internacional">“Os desafios da judicialização da defesa da concorrência, da regulação e do comércio internacional”</a>.
Não elaborei esta posição, não sou o pioneiro nesta ideia. Mas compartilho-a – em 2006, participei 5a Conferência Anual da ICN, na Cidade do Cabo – África do Sul, na qual já a defendi. Muitos pensam assim há anos, razão pela qual deixo de nominá-los para não cometer injustiças. Mas, certamente, o ponto é polêmico e tantos outros não pensam assim.
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Luciano de Souza Godoy, 45 anos, Advogado em São Paulo, sócio do PVG Advogados, Professor da FGV Direito SP, ex-Juiz Federal. É mestre e doutor em Direito pela USP e foi Visiting Scholar na Columbia Law School. Email –

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