Luiz Gustavo Garrido

Segundo a pesquisa Doing Business 2017, divulgada pelo Banco Mundial, o Brasil encontra-se em 123º lugar entre 190 países no que diz respeito ao quesito “facilidade para fazer negócios” – o que não é nenhuma novidade para quem empreende e/ou trabalha com a redação de contratos comerciais – mas, mesmo com todas as incertezas judiciais e legislativas, encontra-se em 32º no quesito “proteção ao investidor minoritário” – fato este que deve ser de certa forma comemorado – e em 37º lugar no quesito “execução de contratos”[1].
Preliminarmente, é vital que questionemos o motivo de nosso país estar em posição tão deficiente na facilidade de fazer negócios e em posição razoável – até mesmo boa para os mais pessimistas – nos demais quesitos. De pronto, certamente podemos afirmar que parcela desta culpa deve estar atribuída à falta de estabilidade e interação confiável entre as diversas decisões dos três poderes: legislativo, executivo e judiciário – que por diversas vezes sobrepõem-se, causando verdadeiro caos na segurança jurídica pátria. Nesse sentido, por óbvio, que não apenas em raros episódios, um dos poderes firma entendimento abusivo e conflitante aos demais, vide as diversas decisões da seara trabalhista em que o judiciário se sobrepõe indevidamente à intenção do legislativo.
Sem nunca deixar de louvar a iniciativa do legislador pátrio em inovar e trazer ao mundo jurídico – ao menos parte de - uma legislação voltada para a regulação e proteção do investimento anjo em startups, convido os leitores para uma reflexão e um posterior debate: a Lei Complementar nº 155/2016[2], por si só, é capaz de gerar segurança jurídica ao investidor anjo, no sentido de que seu patrimônio não será responsabilizado por eventuais débitos da empresa investida?
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Sem a pretensão de esgotar neste texto a interpretação e a narrativa da íntegra dos artigos referentes à nova modalidade de investimento em startups, teremos como ponto focal deste artigo o fato de que a novel regulação, em seu art. 61-A, disciplina que “para incentivar as atividades de inovação e os investimentos produtivos, a sociedade enquadrada como microempresa ou empresa de pequeno porte, nos termos desta Lei Complementar, poderá admitir o aporte de capital, que não integrará o capital social da empresa”, que poderá advir ser de pessoa física ou jurídica – denominadas investidor anjo. 
Ainda, explicitamente, no §4º do artigo supracitado, refere que o investidor-anjo “não será considerado sócio nem terá qualquer direito à gerência ou voto na administração da empresa” e “não responderá por qualquer dívida da empresa, inclusive em recuperação judicial, não se aplicando a ele o art. 50 da Lei 10.406/2002 (Código Civil).” 
Em primeira instância, estranha-se o fato de haver qualquer citação ao art. 50 do Código Civil[3], que trata da desconsideração da personalidade jurídica. Isto porque o contrato de participação firmado entre investidor e startup não cria um sujeito de direito e, consequentemente, personalidade jurídica, de modo que não há o que se desconsiderar. Aliás, a doutrina é uníssona ao ensinar que a desconsideração da personalidade jurídica não se aplica às sociedades sem personalidade jurídica ou aos sócios de responsabilidade ilimitada. Seria este um indício de que o legislativo estaria intentando preliminarmente declarar uma obviedade legal, de forma a evitar interpretações equivocadas pelo judiciário?
Como definido na citada Lei Complementar, trata-se de INVESTIMENTO PRODUTIVO VIA APORTE DE CAPITAL – que não se integrará ao capital social da empresa – ( art. 61 – A) por meio de contrato de PARTICIPAÇÃO (§1º) em que o investidor anjo terá direito a remuneração por seus aportes anualmente e CORRESPONDENTE AOS RESULTADOS DISTRIBUÍDOS aos sócios regulares – desde que não superior a 50 % (cinquenta por cento) dos LUCROS da empresa. (§6º). Caso os sócios decidam pela venda da empresa, o investidor-anjo terá DIREITO DE PREFERÊNCIA na aquisição desta, bem como direito de VENDA CONJUNTA (TAG ALONG) da titularidade do aporte de capital, nos mesmos termos e condições ofertados aos sócios REGULARES. (Art. 61 – C). Por fim, em caso de resgate pelo investidor-anjo, seus haveres serão pagos na forma do art. 1.031 do Código Civil, como SE SÓCIO FOSSE, senão vejamos:
Da Sociedade Personificada
Art. 1.031. Nos casos em que a sociedade se resolver em relação a um sócio, o valor da sua quota, considerada pelo montante efetivamente realizado, liquidar-se-á, salvo disposição contratual em contrário, com base na situação patrimonial da sociedade, à data da resolução, verificada em balanço especialmente levantado.
§ 1º O capital social sofrerá a correspondente redução, salvo se os demais sócios suprirem o valor da quota.
§ 2º A quota liquidada será paga em dinheiro, no prazo de noventa dias, a partir da liquidação, salvo acordo, ou estipulação contratual em contrário. (grifo nosso)
Portanto, estamos diante de um caso em que a relação se parece sociedade, se remunera como sociedade, se dissolve como sociedade, tenta limitar a responsabilidade como sociedade, prevê demais direitos comuns em sociedade (tag along), mas, segundo o legislador, não é sociedade e não há hipótese do investidor-anjo arcar com eventuais responsabilizações provenientes da empresa investida.
Ousa-se afirmar que os operadores do direito que utilizarão este novo tipo contratual poderão enfrentar diversos desafios quanto à não responsabilização do investidor-anjo perante o judiciário, com especial destaque à já citada justiça do trabalho, principalmente. 
Isto porque os julgamentos trabalhistas primam pelos princípios da alteridade, isto é, que o empregador assume os riscos do estabelecimento, da sua execução, do contrato de trabalho e da própria existência empresarial, não podendo transferi-los aos colaboradores, conforme o art. 2º, caput, da CLT[4]³, e pelo princípio da primazia da realidade em detrimento ao expressamente pactuado no contrato, habitualmente podendo julgar haver fraude ou indício de gestão para responsabilizar o investidor-anjo como se sócio regular fosse. 
Levando-se em consideração todos os pontos arguidos acima e o “contrato de participação” introduzido pela novel regulamentação – que podemos chamar informalmente de “instituto semi-societário, convoco o leitor para o seguinte debate:
Haverá a segurança jurídica almejada pelo legislador, de forma a não responsabilizar o investidor-anjo que cumpra os requisitos legais, mesmo que dependamos da interpretação do poder judiciário? 
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[1] – WORLD BANK. Doing Business 2016: Measuring Regulatory Quality and Efficiency. Washington, 2017 
[2] -   Lei Complementar n. 155/16, disponível em: <a href="http://goo.gl/IeWYMP">http://goo.gl/IeWYMP</a>
 
[3] - Art. 50 da Lei nº 10.406/2002 (Código Civil): Em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade, ou pela confusão patrimonial, pode o juiz decidir, a requerimento da parte, ou do Ministério Público quando lhe couber intervir no processo, que os efeitos de certas e determinadas relações de obrigações sejam estendidos aos bens particulares dos administradores ou sócios da pessoa jurídica.
[4] - Art. 2º do Decreto Lei nº 5.452/53 - Considera-se empregador a empresa, individual ou coletiva, que, assumindo os riscos da atividade econômica, admite, assalaria e dirige a prestação pessoal de serviço.

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A LC nº 155 de 2016 e a relação do legislativo com o judiciário

A (ir)responsabilidade do investidor anjo

A LC nº 155 de 2016 e a relação do legislativo com o judiciário