Isabella Aragão

Diante do crescimento exponencial de sistemas de inteligência artificial (IA), muito se questiona como (e por quem) o uso da tecnologia deve ser regulado a nível nacional. Contudo, o tratamento da IA não deve ocorrer como se a tecnologia fosse uma “excepcionalidade”, desconectada de outros setores – assim, para garantir a atribuição de uma autoridade realmente competente pela sua fiscalização, é importante analisar a forma como a IA já se encontra entremeada em diversas esferas da sociedade e os desafios comuns e divergentes que sua utilização apresenta em múltiplos campos, através de uma abordagem interdisciplinar.
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O <a href="https://www25.senado.leg.br/web/atividade/materias/-/materia/157233">Projeto de Lei nº 2.338/2023</a>, proposta que pretende regular a utilização de inteligência artificial no Brasil – e que se encontra em estado mais avançado de discussão dentre os projetos do gênero –, prevê que a autoridade competente pela supervisão e fiscalização do uso e desenvolvimento de sistemas de IA em âmbito nacional será designada pelo Poder Executivo. Embora a proposta ainda esteja em tramitação, há atualmente um vácuo legislativo sobre quem seria essa autoridade apta a aplicar e fiscalizar o cumprimento de uma possível lei que regule a utilização da IA no Brasil.
Embora existam diversas discussões sobre qual seria o melhor caminho a ser trilhado com relação a essa “autoridade competente” – que geram reflexões sobre a necessidade (ou não) de centralização desse órgão, e sugerem desde a criação de uma nova autoridade ou comissão reguladora, até a atribuição dessa função a uma autoridade preexistente (que já possua, ao menos em parte, a expertise e os conhecimentos necessários para exercer esse papel) ou mesmo um modelo institucional formado por um mix de possibilidades –, é certo que tal omissão é potencializada pela interdisciplinariedade da IA e pela sua capacidade de gerar desafios em múltiplos setores, cada um com as suas próprias particularidades e complexidades.
Neste sentido, em agosto de 2021, o Conselho Administrativo de Defesa Econômica publicou a <a href="https://sei.cade.gov.br/sei/modulos/pesquisa/md_pesq_documento_consulta_externa.php?HJ7F4wnIPj2Y8B7Bj80h1lskjh7ohC8yMfhLoDBLddZQp9vCySLeVVdUfLg-_yPXWeVf5cxmJHXscTa1aocUO2HiIPnwIkSYsbFsCacAxnLfh5gS9mLfCAMfkY-2YUjN">Nota Técnica nº 21/2021/DEE/CADE</a> – a fim de avaliar sob uma perspectiva concorrencial o <a href="https://www.congressonacional.leg.br/materias/materias-bicamerais/-/ver/pl-21-2020">Projeto nº 21/2020</a>, que pretende regular o uso da IA no Brasil – , que admite que a atribuição de novas características de modelos de negócios aos mercados através da disseminação da IA poderia trazer uma série de novas preocupações para a defesa da concorrência, incluindo através de algoritmos programados que facilitem práticas anticompetitivas como o conluio, abusos de exclusão e exploração.
Mais recentemente, em agosto de 2023, o Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária (Conar) também se debruçou sobre as complexidades que permeiam a utilização da IA na publicidade, em <a href="https://www.jota.info/opiniao-e-analise/artigos/conar-julga-o-primeiro-caso-de-utilizacao-de-ia-na-publicidade-24082023">decisão</a> que buscou analisar a campanha da Volkswagen “VM Brasil 70: O novo veio de novo”<a class="sdfootnoteanc" href="#sdfootnote1sym" name="sdfootnote1anc">1</a>. A Agência Nacional de Telecomunicações (ANATEL) igualmente publicou recentemente um <a href="https://sei.anatel.gov.br/sei/modulos/pesquisa/md_pesq_documento_consulta_externa.php?8-74Kn1tDR89f1Q7RjX8EYU46IzCFD26Q9Xx5QNDbqbK576sbf1jqO7tQxf-ilIp7ZGdt3ZcDtyll6vMn6lhSrtekcYluRVtrK0GRYlb_T8cFXmAWZtDeebdCJV-VXsG">ofício</a> em que demonstra suas preocupações de segurança cibernética relativas ao uso de IA na infraestrutura de telecomunicações, principalmente diante da potencial exploração maliciosa da tecnologia.
Cumpre também citar que a Autoridade Nacional de Proteção de Dados brasileira (ANPD) – <a href="https://www.jota.info/opiniao-e-analise/colunas/coluna-nivaldo-souza/anpd-e-autoridade-natural-para-regular-inteligencia-artificial-diz-presidente-06112023">que tem defendido veementemente sua competência enquanto órgão fiscalizador da utilização da IA no Brasil</a> e que inclusive já propôs uma <a href="https://www.gov.br/anpd/pt-br/assuntos/noticias/Nota_Tecnica_16ANPDIA.pdf">estrutura de modelo institucional</a> de regulação com instâncias complementares para possibilitar o exercício dessa função – vem reforçando que a utilização de megainformações e megabancos de dados (incluindo dados pessoais) por sistemas de IA, <a href="https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2023/10/19/regulacao-da-inteligencia-artificial-exige-cuidado-com-dados-pessoais-aponta-debate#:~:text=Segundo%20ele%2C%20h%C3%A1%20uma%20forte,classificados%20como%20de%20alto%20risco.">inclusive para finalidades de treinamento de algoritmos</a>, exigiriam a aplicação da legislação de privacidade e proteção de dados pessoais brasileira.
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Os exemplos acima (e tantos outros) não somente demonstram como as preocupações relacionadas à utilização da IA atingem diversos setores da sociedade, mas também o fato de que tais desafios – que, na maioria das vezes, são riscos preexistentes e não exclusivos da utilização da tecnologia, sendo apenas potencializados pela alta velocidade das transformações que a IA proporciona – possuem diferentes origens e fundamentos, os quais só podem ser analisados com a devida diligência pelos próprios órgãos e autoridades que regulamentam matérias relacionadas.
Consequentemente, resta claro que a interdisciplinariedade da IA é fator relevante para a atribuição de uma autoridade competente pela fiscalização do uso e desenvolvimento dessa tecnologia, já que não seria possível atribuir essa função a um órgão alheio aos riscos comuns e divergentes que a IA causa em diferentes esferas, sob o risco de inviabilizar as preocupações apresentadas por determinadas áreas e até mesmo de fragmentação regulatória, ao deixar de observar requerimentos legais existentes e/ou gerar conflitos com dispositivos atualmente em vigor. 
Portanto, independentemente de seu formato e composição – podendo envolver um modelo centralizado, descentralizado ou misturado de regulação –, tal autoridade deverá, através de uma abordagem harmônica e cooperativa, permitir uma atuação coerente com as complexidades identificadas em diversos setores, inclusive através da adequação de seus processos internos (como treinamento e capacitação de pessoal diante da reconhecida expansão de suas atribuições), que seja capaz de contemplar essas especificidades na fiscalização dos riscos da utilização e desenvolvimento da tecnologia como um todo.
Assim, considerando que a IA afeta diversos setores (que possuem suas próprias preocupações com relação à tecnologia em seus respectivos âmbitos de atuação), conclui-se que a atribuição de uma autoridade competente para fiscalizar o uso e desenvolvimento da IA no Brasil exige um olhar interdisciplinar e harmônico, que permita a identificação dos riscos comuns e divergentes que a tecnologia provoca nessas diferentes esferas e que seja capaz de fornecer soluções adequadas a esses riscos setoriais, por meio do reforço de suas estruturas/atribuições internas e da constante cooperação dos órgãos relacionados a esses desafios.
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<a class="sdfootnotesym" href="#sdfootnote1anc" name="sdfootnote1sym">1</a> O caso, que trazia uma representação de IA da cantora Elis Regina, fomentou a discussão sobre o equilíbrio a ser atingido entre fornecer informações sobre a utilização de IA na criação de conteúdo publicitário e a garantia de que tais informações sejam relevantes, de modo a não sobrecarregar o público.
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inteligencia artificial

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JOTA

Estruturação de entidade responsável por fiscalizar o uso da IA deve considerar desafios de diversos setores

A interdisciplinariedade da IA e a atribuição de autoridade competente

Diante do crescimento exponencial de sistemas de inteligência artificial (IA), muito se questiona como (e por quem) o uso da tecnologia deve ser regulado a nível nacional.