Igor Pereira Oliveira

João Bortotti

Quando entregou à sociedade a primeira edição da <a href="https://sites.tcu.gov.br/listadealtorisco/index.html">Lista de Alto Risco</a>, o Tribunal de Contas da União (<a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/tcu">TCU</a>) mostrou riscos que podem comprometer tanto a qualidade dos serviços ofertados pelo governo federal quanto a eficácia das políticas públicas. 
No setor elétrico, dois temas foram destacados: sustentabilidade tarifária e sustentabilidade do suprimento. Em relação ao primeiro, destacou-se a carga tributária, a presença de subsídios na tarifa e a ausência de planejamento estruturado visando à modicidade tarifária. No segundo, a dificuldade de gerir fontes de energia intermitentes e falhas do governo federal no enfrentamento da crise hidroenergética de 2021. 
A Lista de Alto Risco foi confeccionada com base em várias Auditorias Operacionais, cuja finalidade é examinar as dimensões de desempenho (economicidade, eficiência, eficácia e efetividade) e propor (onde cabível) o aprimoramento da administração pública federal, sempre com base na legislação vigente.
Nessa linha, o voto do Acórdão 1567/2022-Plenário, destacado em <a href="https://www.headenergia.net/post/direito-contratual-seguran%C3%A7a-energ%C3%A9tica-e-modicidade-tarif%C3%A1ria-o-caso-do-procedimento-competitivo">matéria recente</a>, ressaltou a agregação de valor proveniente do viés operacional, “estabelecendo um processo de comunicação franco e objetivo tendente ao aperfeiçoamento governamental”. 
A bem da verdade, nos últimos cinco anos foram emitidos aproximadamente 8.000 acórdãos[1] pelo plenário do TCU. Destes, 80% são provenientes de apenas sete tipos de processos, denominados de Representação, Tomada de Contas Especial (TCE), Relatório de Auditoria, Solicitação do Congresso Nacional (SCN), Denúncia, Monitoramento e Relatório de Acompanhamento (Racom). 
De uma perspectiva punitiva, Representações e TCEs (aproximadamente a metade dos 8.000 acórdãos) tratam de responsabilização de agentes públicos e da devolução de recursos financeiros (ressarcimento do dano). Além disso, o Acórdão 2974/2016-Plenário traz ponderação digna de nota sobre as TCEs: 
<blockquote class="jota-article__citation">“No mundo real, em vista de suas drásticas consequências, o processo de TCE tem importante efeito "educativo" sobre os gestores. A aplicação de sanções e de determinação para recolhimento do dano causado aos cofres públicos inibem a prática de novos desvios, o que, certamente, contribui, no longo prazo, para o aperfeiçoamento da ação administrativa e para a redução do número de processos dessa natureza”.</blockquote>
Já as auditorias operacionais, tão importantes para a avaliação do desempenho do setor, compõem um conjunto[2] representado pela tipologia “Relatório de Auditoria” (1.123 acórdãos do plenário em um conjunto de 8.000), conforme gráfico abaixo: 
Nº de acórdãos do plenário do TCU, emitidos de 2018 a 2022, por tipo de processo
&nbsp;
[caption id="attachment_408672" align="aligncenter" width="1320"]<img class="wp-image-408672 size-full" src="https://www.jota.info/wp-content/uploads/2022/12/captura-de-tela-2022-12-22-as-16-41-00.png" alt="" width="1320" height="641" /> Fonte: Disponível em <a href="https://pesquisa.apps.tcu.gov.br/#/pesquisa/acordao-completo">https://pesquisa.apps.tcu.gov.br/#/pesquisa/acordao-completo</a>[/caption]
Quando cita as Normas Internacionais das Instituições Superiores de Controle (ISSAI), o TCU considera que normas e diretrizes profissionais são essenciais para conferir credibilidade, qualidade e profissionalismo[3]. Elas definem da seguinte forma as auditorias operacionais: 
<blockquote class="jota-article__citation">17) A auditoria operacional realizada por Instituições Superiores de Controle é um exame independente, objetivo e confiável para verificar se os empreendimentos, sistemas, operações, programas, atividades ou organizações do governo estão operando de acordo com os princípios de economicidade, eficiência e/ou eficácia e se há espaço para melhoria. (ISSAI 3000, tradução nossa)”.</blockquote>
Com base na relevância desse instrumento de fiscalização, entender e acompanhar as movimentações do tribunal em seu papel institucional é tão importante quanto, focando no setor elétrico, observar a Agenda Regulatória da Aneel (<a href="http://www2.aneel.gov.br/cedoc/prt20226793.pdf">PRT 6.793/22</a>), as Consultas Públicas e as discussões estruturantes do setor, no sentido de que são ações que debatem o estado da arte regulatório. 
Se os temas da “modernização” do setor elétrico já são velhos (basta revisitar o material do RE-SEB, do início da década de 2000), alguns incentivos para abreviar a estagnação podem (e devem) vir justamente do TCU enquanto fiscal do cumprimento das funções de entidades públicas. 
E não apenas do ponto de vista de indutor ou acelerador de mudanças estruturais, mas mesmo como agente externo e potencialmente neutro em discussões polarizadas, como foi o caso da problemática do Generating Scaling Factor (GSF): a onda de judicialização iniciada por volta de 2014 também considerou posicionamentos da Corte de Contas Federal, o que, por sua vez, forneceu credibilidade às teses defendidas pelos geradores hidráulicos à época. 
A título exemplificativo, o <a href="https://pesquisa.apps.tcu.gov.br/#/redireciona/acordao-completo/%22ACORDAO-COMPLETO-1307999%22">Acórdão 1171/2014-Plenário</a> mostrou em 2014 que havia fortes indícios de que a capacidade de geração de energia elétrica no país configurava-se estruturalmente insuficiente, devido às possíveis causas[4]: 
<ol>
<li>falhas no planejamento da expansão da capacidade de geração; </li>
<li data-leveltext="%1)" data-font="Arial" data-listid="2" data-list-defn-props="{&quot;335552541&quot;:0,&quot;335559684&quot;:-1,&quot;335559685&quot;:720,&quot;335559991&quot;:360,&quot;469769242&quot;:[65533,4],&quot;469777803&quot;:&quot;left&quot;,&quot;469777804&quot;:&quot;%1)&quot;,&quot;469777815&quot;:&quot;hybridMultilevel&quot;}" aria-setsize="-1" data-aria-posinset="2" data-aria-level="1">superavaliação da garantia física das usinas; </li>
<li data-leveltext="%1)" data-font="Arial" data-listid="2" data-list-defn-props="{&quot;335552541&quot;:0,&quot;335559684&quot;:-1,&quot;335559685&quot;:720,&quot;335559991&quot;:360,&quot;469769242&quot;:[65533,4],&quot;469777803&quot;:&quot;left&quot;,&quot;469777804&quot;:&quot;%1)&quot;,&quot;469777815&quot;:&quot;hybridMultilevel&quot;}" aria-setsize="-1" data-aria-posinset="2" data-aria-level="1">indisponibilidade de parte do parque de geração termelétrica; e </li>
<li data-leveltext="%1)" data-font="Arial" data-listid="2" data-list-defn-props="{&quot;335552541&quot;:0,&quot;335559684&quot;:-1,&quot;335559685&quot;:720,&quot;335559991&quot;:360,&quot;469769242&quot;:[65533,4],&quot;469777803&quot;:&quot;left&quot;,&quot;469777804&quot;:&quot;%1)&quot;,&quot;469777815&quot;:&quot;hybridMultilevel&quot;}" aria-setsize="-1" data-aria-posinset="2" data-aria-level="1">atraso na entrega de obras de geração e transmissão de energia elétrica. </li>
</ol>
Explicitamente em relação ao GSF, o tribunal destacou em 2018 a necessidade de considerar a proporcionalidade da assunção de riscos pelo consumidor em um contexto de mercado monopolista, bem como a capacidade contributiva do consumidor, uma vez que de 2015 até março de 2017 o consumidor já teria arcado com R$ 18,5 bilhões (<a href="https://pesquisa.apps.tcu.gov.br/#/redireciona/acordao-completo/%22ACORDAO-COMPLETO-2270889%22">Acórdão 1631/2018-Plenário</a>). 
Esse entendimento foi recentemente reforçado pela Aneel no <a href="https://www2.aneel.gov.br/cedoc/adsp20222573_1.pdf">voto do DSP 2.573/22</a>, que apurou entre 2016 e 2021 um pagamento de R$ 2,5 bi pelos geradores e R$ 36 bilhões pelos consumidores, sob as regras determinadas pela Lei 13.203/15. 
Ambos os acórdãos do TCU mencionados são processos de monitoramento decorrentes de auditoria operacional (com olhar para o desempenho) realizada em 2010. 
De um lado, as normas de auditoria nacionais e internacionais, detalhando procedimentos. De outro, as deliberações do TCU, baseadas nos respectivos e extensos votos e relatórios. Resta continuar traduzindo em detalhes e de forma didática como a Corte de Contas federal tem atuado, especialmente em relação ao potencial das Auditorias Operacionais para o aprimoramento da administração pública.
*
Eventuais opiniões são pessoais e não expressam posicionamento institucional do TCU. 
<hr />
[1] Mais de um acórdão pode se referir ao mesmo processo.
[2] O conjunto também contém auditorias financeiras e de conformidade.
[3] Disponível em <a class="Hyperlink SCXW110782595 BCX0" href="https://portal.tcu.gov.br/fiscalizacao-e-controle/auditoria/normas-internacionais-das-entidades-fiscalizadores-superiores-issai/" target="_blank" rel="noreferrer noopener">https://portal.tcu.gov.br/fiscalizacao-e-controle/auditoria/normas-internacionais-das-entidades-fiscalizadores-superiores-issai/</a> 
[4] Raciocínio similar e estudos adicionais podem ser encontrados no Acórdão TCU 993/2015-Plenário.

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JOTA

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