Michell Przepiorka

A discussão acerca da constitucionalidade da lei municipal prescrevendo a obrigação de inscrição em “Cadastro de Empresas de Fora do Município de São Paulo” (CPOM) não é nova, tendo sido objeto de inúmeras controvérsias, a exemplo da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº. 9028119-08.2006.8.26.00000, julgada pelo Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP).
É importante registrar que nos autos do referido processo o TJSP reconheceu a constitucionalidade da norma dado seu caráter antielisivo<a href="#_ftn1" name="_ftnref1">[1]</a>, cuja interpretação não pode fazer tábula rasa da atribuição de competência erigida constitucionalmente e regulamentada pela Lei Complementar nº 116/2003 em seus artigos 3º e 4º.
<a href="https://conteudo.jota.info/poder-contato"><img class="size-medium wp-image-292717 aligncenter" src="https://www.jota.info/wp-content/uploads/2021/01/jota-pro-poder.jpg" alt="" width="688" height="688" /></a>Apesar da declaração de constitucionalidade pelo TJSP, sua aplicação na prática pela municipalidade acabou desvirtuando a finalidade reconhecida pelo Poder Judiciário, na medida em que acabou sendo interpretada como presunção absoluta, a despeito de determinados conselheiros do Conselho Municipal de Tributos sustentarem interpretação sistemática que levaria à conclusão diversa<a href="#_ftn2" name="_ftnref2">[2]</a>.
Nesse cenário, o Supremo Tribunal Federal (STF) reconheceu a repercussão geral da matéria nos autos do Recurso Extraordinário nº 1.167.509, de relatoria do ministro Marco Aurélio, em sessão realizada em 29 de novembro de 2018<a href="#_ftn3" name="_ftnref3">[3]</a>.
Trata-se de Mandado de Segurança coletivo impetrado pelo Sindicato das Empresas de Processamento de Dados e Serviços de Informática do Estado de São Paulo (SEPROSP), em que se buscou a declaração de inconstitucionalidade da norma prevista na Lei municipal nº <a href="https://leismunicipais.com.br/a/sp/s/sao-paulo/lei-ordinaria/2005/1405/14042/lei-ordinaria-n-14042-2005-introduz-modificacoes-no-art-9-e-acrescenta-o-art-9-a-a-lei-n-13701-de-24-de-dezembro-de-2003-que-altera-a-legislacao-do-imposto-sobre-servicos-de-qualquer-natureza-iss-confere-nova-redacao-ao-art-20-da-lei-n-10182-de-30-de-outubro-de-1986?q=14042" target="_blank" rel="noopener noreferrer">14.042/2005</a> por suposta violação aos artigos 30, inciso I,146 e 152 da Constituição Federal, pois a previsão de retenção do ISS pelo tomador do serviço, quando não realizado o cadastro do prestador, constituiria cobrança de imposto sobre fatos geradores estranhos à competência tributária do município de São Paulo, considerado o disposto no artigo 3º da <a href="http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/lcp/lcp116.htm" target="_blank" rel="noopener noreferrer">Lei Complementar nº 116/2003</a>.
O ministro Marco Aurélio, relator do processo, encaminhou voto pela inconstitucionalidade do referido normativo em sua integralidade, por entender que: “A norma, ao estipular a ‘penalidade’ de retenção do ISS pelo tomador dos serviços, nos casos em que o prestador, situado em outro município, não observar a obrigação acessória de cadastramento na Secretaria Municipal, opera verdadeira modificação do critério espacial e da sujeição passiva do tributo, revelando duas impropriedades formais: a usurpação da competência legislativa da União, a quem cabe editar a norma geral nacional sobre a matéria, e a inadequação do móvel legislativo, considerada a exigência constitucional de veiculação por lei complementar”.
Ao final, o ministro propôs a seguinte tese, para efeito de repercussão geral: “É incompatível com a Constituição Federal disposição normativa a prever a obrigatoriedade de cadastro, em órgão da Administração municipal, de prestador de serviços não estabelecido no território do município e imposição ao tomador da retenção do Imposto Sobre Serviços (ISS) quando descumprida a obrigação acessória”.
De outro lado, o ministro Alexandre de Moraes, apresentou voto divergente em que sustentou a constitucionalidade do CPOM. Incialmente, o ministro entendeu não haver violação ao princípio constitucional da territorialidade, “uma vez que a obrigação de registro incide somente caso a empresa situada em outra municipalidade venha aprestar serviços para tomadores situados no território do município de São Paulo (...)para fins de evitar evasão fiscal...”, conforme já havia se manifestado o TJSP em decisão acima comentada.
Acrescenta o ministro Alexandre de Moraes que o caráter punitivo da retenção do ISS pelo tomador de serviços decorre da ausência de registro juntamente à Secretaria Municipal de Finanças, de sorte que não há que se falar em bitributação ou discriminação em razão da origem.
É importante registra desde logo que em nosso ponto de vista, tal linha argumentativa encontraria barreiras na própria definição de tributo prescrita no art. 3º do Código Tributário Nacional: “Tributo é toda prestação pecuniária compulsória, em moeda ou cujo valor nela se possa exprimir, que não constitua sanção de ato ilícito, instituída em lei e cobrada mediante atividade administrativa plenamente vinculada”.
<blockquote class="jota-article__eye">Em outras palavras, se tributo não constitui sanção de ato ilícito, como poderia o mero descumprimento de obrigação acessória implicar em cobrança de ISS, quando ausente competência territorial?</blockquote>
O ministro responderia em seu voto que “(...), considera-se devido o tributo não no local onde formalmente esteja localizado o estabelecimento, mas onde efetivamente tenha se dado a prestação de serviços, o que atrai o interesse dos municípios em fiscalizar a prestação de serviços, ainda que as empresas prestadoras estejam formalmente estabelecidas em localidades diversas”.
A nosso ver, a resposta proposta entraria em choque com a interpretação dada pelo e. Superior Tribunal de Justiça, órgão competente para a interpretação da legislação infraconstitucional, nos autos do Recurso Especial nº 1.117.121/SP, julgado no regime de Recursos Repetitivos, quando se determinou que “a competência para cobrança do ISS, sob a égide do DL 406/68 era o do local da prestação do serviço (art. 12), o que foi alterado pela LC 116/2003, quando passou a competência para o local da sede do prestador do serviço (art. 3º)”<a href="#_ftn4" name="_ftnref4">[4]</a>.
Dessa forma, a alegação do ministro deve encontrar temperamentos entre a regra geral e as exceções prescritas no art. 3º da Lei Complementar 116/03, não podendo ser generalizada para manter a constitucionalidade do CPOM.
Conforme já votei, entendo que a decisão inicialmente proferida pelo TJSP que reconhecia a constitucionalidade da norma para casos de abuso, como presunção relativa com a possibilidade de contraprova pelo contribuinte, em relação ao efetivo local da prestação do serviço é a virtude no meio do caminho que melhor teria seguido o STF.
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O episódio 50 do podcast Sem Precedentes faz uma análise da decisão tomada pelo Supremo Tribunal Federal nesta semana e que pode acelerar a aplicação de vacinas contra a Covid-19. Ouça:
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<a href="#_ftnref1" name="_ftn1">[1]</a> AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE – Ação intentada pelo prefeito do município de Cotia, buscando a declaração de inconstitucionalidade da Lei nº 14.042, de agosto de 2005, do município de São Paulo, que introduziu modificações na Lei n° 13.071/2003, relativa ao imposto sobre serviços de qualquer natureza – modificação que cria "Cadastro de Prestadores de Serviço" – Competência suplementar do município Norma impugnada em perfeita consonância à Lei Complementar 116/2003 (“que dispõe sobre o Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza, de competência dos municípios e do Distrito Federal, e dá outras providências”) – tributo que deve efetivamente ser recolhido ao município do serviço prestado, ainda que o prestador esteja domiciliado ou sediado em outro município – norma que tem por escopo diminuir a evasão fiscal – Ação improcedente. (TJSP, Ação Direta de Inconstitucionalidade nº. 9028119-08.2006.8.26.00000 (129.717-0/3-00), Órgão Especial, Rel. Denser de Sá, j. 24/01/2007).
<a href="#_ftnref2" name="_ftn2">[2]</a> Nesse sentido vide o voto do i. conselheiro Caio Takano nos autos do Processo Administrativo SEI nº 6017.2016/0012343-0, julgado pela 2º Câmara Julgadora, em 20/02/2017, e mais recente nosso voto divergente no Processo Administrativo SEI nº 6017.2019/0062788-3, julgado pela 3ª Câmara Julgadora em 07/10/2020.
<a href="#_ftnref3" name="_ftn3">[3]</a> RECURSO EXTRAORDINÁRIO – REPERCUSSÃO GERAL – CONFIGURADA. Possui repercussão geral a controvérsia alusiva à constitucionalidade de lei municipal a determinar retenção do Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza – ISS – pelo tomador de serviço, em razão da ausência de cadastro, na Secretaria de Finanças de São Paulo, do prestador não estabelecido no território do referido município. Decisão: O Tribunal, por maioria, reputou constitucional a questão, vencidos os ministros Edson Fachin e Luiz Fux. O Tribunal, por maioria, reconheceu a existência de repercussão geral da questão constitucional suscitada, vencidos os ministros Edson Fachin e Luiz Fux. Ministro MARCO AURÉLIO, relator. Supremo Tribunal Federal.
<a href="#_ftnref4" name="_ftn4">[4]</a> Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial nº 1.117.121/SP. Relator ministra Eliana Calmon, Primeira Seção, julgamento em 14.10.2009, Diário de Justiça de 29.10.2009. Sobre o tema nosso VIEIRA, Michell Przepiorka. Critério Espacial do ISS: Doutrina e Jurisprudência. Revista Direito Tributário Atual, n. 33, p. 461-480.

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JOTA

Decisão sobre o caso é a virtude no meio do caminho que melhor teria seguido o Supremo

A inconstitucionalidade do CPOM: análise do RE 1.167.509

Decisão sobre o caso é a virtude no meio do caminho que melhor teria seguido o Supremo