Ricardo Lodi

Ao apagar das luzes do ano que se encerrou, fui publicada na edição do Diário Oficial do Estado do Rio de Janeiro de 30 de dezembro de 2015, a Lei Estadual nº 7.182, de 29 de dezembro de 2015, que instituiu a taxa de controle, monitoramento e fiscalização ambiental das atividades de pesquisa, lavra, exploração e produção de petróleo e gás, a TFPG, na esteira do esforço do Governo do Estado em aumentar as receitas tributárias a fim de reagir à profunda crise financeira fluminense.
A taxa, de acordo com a referida norma, tem como fato gerador o exercício regular do poder de polícia ambiental por parte do Instituto Estadual do Ambiente – INEA, consistente nas atividades previstas no art. 2º da referida lei,<a href="#_ftn1" name="_ftnref1">[1]</a> sendo o produto da sua arrecadação afetado a essa atuação (Parágrafo único do art. 2º).
A base de cálculo da taxa é o valor fixo de R$ 2,71 (uma UFIR) por barril de petróleo produzido e, de acordo com o levantamento constante no próprio projeto de lei, espera-se arrecadar com a medida cerca de R$ 2 bilhões já em 2016. Enquanto isso, o orçamento do INEA para 2016 é de apenas R$ 511 milhões, ou cerca de um quarto da receita da taxa.
A criação da TFPG sobre o setor de petróleo no Rio de Janeiro, responsável por 70% da produção nacional, segue o modelo de uma série de taxas minerárias que estão sendo instituídas por vários Estados da Federação, como Minas Gerais, Pará, Amapá e Mato Grosso do Sul, cuja constitucionalidade já foi objeto de algumas ações diretas de inconstitucionalidade no Supremo Tribunal Federal, ainda pendentes de julgamento.<a href="#_ftn2" name="_ftnref2">[2]</a> Essa tendência coloca em xeque o uso da competência tributária para instituir as taxas sobre as atividades previstas na competência legislativa comum do artigo 23 da Constituição Federal, a partir do alargamento artificial da tributação como saída para a crise financeira dos Estados, independentemente da afetação desses recursos ao exercício efetivo do poder de polícia, como forma de reforçar o caixa.
Porém, tais iniciativas não são compatíveis com o nosso Sistema Tributário Nacional, pois, como é sabido, a taxa é o tributo que tem como fato gerador uma conduta do contribuinte que se relaciona com uma atividade estatal específica em relação a sua pessoa, traduzida na prestação, efetiva ou potencial, de serviço público específico e divisível, ou no exercício regular do poder de polícia.
O seu fundamento é o princípio do custo-benefício,<a href="#_ftn3" name="_ftnref3">[3]</a> de acordo com o qual as atividades estatais específicas em relação a determinado indivíduo ou grupo devem ser custeadas por receitas exigidas dos próprios beneficiários, não onerando a sociedade como um todo, cujas despesas genéricas devem ser custeadas pelos impostos. Nas taxas, ao contrário do que ocorre nas contribuições parafiscais, o princípio do custo-benefício ganha uma dimensão exclusivamente individual.<a href="#_ftn4" name="_ftnref4">[4]</a>
Em nome da referibilidade entre o fato gerador e a atividade estatal a que ele se vincula, a base de cálculo da taxa deve ser proporcional à onerosidade e à complexidade da atividade em comento. Embora a taxa se fundamente no princípio do custo-benefício, isso não significa que o seu valor expresse com precisão o custo dessa atividade.<a href="#_ftn5" name="_ftnref5">[5]</a> É que esse caráter contraprestacional das taxas reside no plano da legitimação do ordenamento, não podendo ser concebido a partir de uma acepção sinalagmática como no direito contratual, ao contrário do que ocorre no preço público. Na verdade, com base na referibilidade, a relação entre o que é devido pelo contribuinte e o custo da atividade estatal repousa muito mais no campo da razoabilidade e da proporcionalidade do que numa relação bilateral. Desse modo, a base de cálculo da taxa deve guardar equivalência razoável em relação ao custo do serviço ou do poder de polícia. Disso pode resultar uma cobrança fixa para todos os contribuintes, caso o legislador vislumbre a atuação estatal equivalente para todos os usuários; ou variável, a partir de parâmetros que atendam à referibilidade. Daí a Constituição Federal estabelecer que a taxa não pode ter base de cálculo própria de imposto (art. 145, § 2º). O comando constitucional significa mais do que a vedação ao bis in idem ou bitributação entre as taxas e os impostos previstos constitucionalmente. Significa que a taxa tem que ter base de cálculo própria de taxa, e não de imposto. Isto é: sua base de cálculo deve espelhar a maior ou menor onerosidade e complexidade da atividade estatal exigidas pela conduta do contribuinte identificada pela lei como fato gerador. Por esta razão, o STF reconheceu a ausência de referibilidade na taxa de polícia para a fiscalização das posturas municipais relacionadas à localização e funcionamento de estabelecimento industrial e comercial calculada a partir do número de empregados.<a href="#_ftn6" name="_ftnref6">[6]</a>
No mesmo sentido, no julgamento do ADI nº 2.551 – MC-QO, decidiu o STF ser confiscatória a taxa cujo montante cobrado dos contribuintes supera substancialmente o custo da atividade estatal<a href="#_ftn7" name="_ftnref7">[7]</a>:
 A taxa, enquanto contraprestação a uma atividade do Poder Público, não pode superar a relação de razoável equivalência que deve existir entre o custo real da atuação estatal referida ao contribuinte e o valor que o Estado pode exigir de cada contribuinte, considerados, para esse efeito, os elementos pertinentes às alíquotas e à base de cálculo fixadas em lei. - Se o valor da taxa, no entanto, ultrapassar o custo do serviço prestado ou posto à disposição do contribuinte, dando causa, assim, a uma situação de onerosidade excessiva, que descaracterize essa relação de equivalência entre os fatores referidos (o custo real do serviço, de um lado, e o valor exigido do contribuinte, de outro), configurar-se-á, então, quanto a essa modalidade de tributo, hipótese de ofensa à cláusula vedatória inscrita no art. 150, IV, da Constituição da República.
Logo, se a própria lei instituidora estabelece que o exercício regular do poder de polícia será exercido pelo INEA, e o orçamento do órgão em 2016 é apenas 25% da estimativa de arrecadação da taxa no mesmo ano, está claramente caracterizada a desproporcionalidade na relação de referibilidade entre o valor a ser pago por todos os contribuintes e a atividade estatal.
Esse descompasso revela que a taxa não é destinada a financiar o poder de polícia ambiental, mas, como os impostos, servir de fonte de custeio para o combalido Erário estadual.
Sua feição de imposto não é revelada apenas pelo descompasso entre o valor a ser exigido dos contribuintes e as atividades estatais a que se vinculam a taxa, mas também pela sua base de cálculo que, longe de mensurar a onerosidade e a complexidade do poder de polícia, quantifica a riqueza produzida pelo contribuinte (barris de petróleo produzidos), violando o artigo 145, §2º, da Constituição Federal. Tal descompasso entre o exercício do poder de polícia ambiental e o valor a ser pago pelos contribuintes é especialmente revelado pelo fato desta atuação estatal ambiental atingir todas as atividades de pesquisa, lavra e exploração, que nem sempre vão desaguar na produção de petróleo, elemento quantitativo da taxa. Como se vê, o número de barris produzidos não se mostra como critério hábil para mensurar a maior ou menor complexidade ou onerosidade do poder de polícia exercido, sobretudo no que se refere às atividades de pesquisa, lavra e exploração de petróleo e gás.
Destaca-se também o desprezo pelo princípio do poluidor pagador na escolha da base de cálculo que não considera as iniciativas dos contribuintes associadas às medidas de prevenção ao risco ambiental adotadas em maior ou menor grau pelas empresas do setor.
Ademais, as atividades previstas no art. 2º da Lei nº 7.182/15 não guardam a especificidade necessária a justificar a cobrança de taxa, pois a atividade estatal a justificar a cobrança do tributo sempre deverá ser específica e divisível (são duas faces inseparáveis da mesma moeda) em relação à pessoa do contribuinte. É que o mero exercício do poder regulamentar, embora manifeste o poder de polícia, não justifica a cobrança da taxa, uma vez que é indispensável o efetivo exercício de uma ação em relação a determinado contribuinte.<a href="#_ftn8" name="_ftnref8">[8]</a> Porém, podem ser objeto da taxa a concessão, a autorização, a permissão, a licença, a efetiva fiscalização (e não aquela realizada por amostragem) e qualquer outra atividade efetiva e específica em relação ao contribuinte que restrinja o exercício de suas liberdades em benefício do interesse comum ou dos direitos individuais de outrem. Por efetivo exercício entende-se uma atuação comissiva e real em relação ao contribuinte, e não a mera existência de órgão competente para o exercício do poder de polícia.
Por outro lado, para ser legítima a cobrança da taxa, o exercício do poder de polícia deve ser regular. De acordo com o parágrafo único do art. 78 do CTN, o poder de polícia é regular quando “desempenhado pelo órgão competente nos limites da lei aplicável, com observância do processo legal, e, tratando--se de atividade que a lei tenha como discricionária, sem abuso ou desvio de poder”. Estão presentes no aludido dispositivo legal três exigências:
a) que o poder de polícia seja desempenhado pelo órgão legalmente competente; nestes termos, se o órgão ou autoridade que efetivamente executa o poder de polícia não tem competência para o desempenho de tal atividade, o ato administrativo padece de vício que acaba por contaminar a exigência da taxa (se o Direito Tributário não dá relevância à validade do ato praticado pelo contribuinte para a caracterização do fato gerador, conforme o art. 118 do CTN, a validade do ato administrativo a que se vincula o fato gerador é essencial à legitimidade da taxa);
b) que a atuação estatal respeite o devido processo legal, atentando para as formas e procedimentos legalmente previstos e atendendo à proporcionalidade e razoabilidade (devido processo legal substantivo);
c) que não haja abuso de poder, desvio de finalidade, seja em atos discricionários ou vinculados.
Sendo a competência para o exercício do poder de polícia pressuposto para o seu exercício regular que viabiliza a exigência da taxa, é preciso investigar como o fenômeno se verifica no âmbito da competência comum do artigo 23, cujo inciso VI determina que União, Estados, Distrito Federal e Municípios protejam o meio ambiente e combatam a poluição em qualquer das suas formas. Tal afirmativa se justifica porque, embora a taxa seja um tributo da competência comum, a sua cobrança se prende à competência material para desempenhar a respectiva atividade estatal, de acordo com o art. 80 do Código Tributário Nacional (CTN). Como é sabido, a Carta Magna indica as competências materiais de cada uma das pessoas jurídicas de direito público. As federais são previstas nos arts. 21 e 22. As municipais no art. 30, enquanto os Estados ficam, segundo o § 1º do art. 25, com a competência residual ou remanescente, para legislar sobre aquilo que não é vedado pela Constituição, ou seja, o que não é atribuído à União e nem aos Municípios.
Quando a Constituição Federal atribui a um dos entes federativos a competência exclusiva para o desempenho da atividade estatal, a definição da competência tributária para instituir a taxa não revela maiores problemas. As dificuldades surgem em relação às matérias inseridas da competência comum, previstas no art. 23 da CF, onde os três entes federativos podem atuar. Nesse caso, é preciso verificar se a atuação estatal especificamente considerada se relaciona com o interesse predominante nacional, regional ou local, a fim de identificar qual o ente competente para exigir o tributo.
No caso em questão, quando estamos diante da competência comum de preservação do meio ambiente do artigo 23, VI, CF, que em quase nada se relaciona com a previsão do inciso XI do mesmo artigo (adotado pelas lei estadual como fundamento da atuação estatal), nota-se que boa parte das atividades descritas no artigo 2º da Lei nº 7.182/15 extrapolam em muito o raio do interesse ambiental regional, invadindo a esfera federal de proteção ao meio ambiente ou de regulação da atividade petrolífera, como, por exemplo, o controle e avaliação das ações setoriais relativas à utilização de recursos de petróleo e gás e ao desenvolvimento de sistemas de produção, transformação, expansão, transporte, distribuição de bens relativos ao petróleo e gás; o controle e fiscalização das autorizações, licenciamentos, permissões e concessões para pesquisa, lavra, exploração e produção de recursos de petróleo e gás, e o controle, monitoramento e fiscalização das atividades de pesquisa, lavra, exploração e produção de recursos de petróleo e gás
Não é por outra razão que tais atividades são estranhas às atribuições do INEA definidas pelo Decreto nº 41.628/09, onde não consta a prática de atos de controle, monitoramento e fiscalização ambiental do setor de petróleo e gás. E nem poderia tal competência ser deferida por lei estadual, pois a exploração e produção de petróleo no Estado do Rio de Janeiro é exclusivamente desempenhada no mar territorial, na plataforma continental e na zona econômica exclusiva, área em que o poder de polícia ambiental compete ao IBAMA, e não aos órgãos estaduais, de acordo com os artigos 4º e 5º da Resolução do Conselho Nacional do Meio Ambiente – CONAMA, a quem compete, de acordo com o art. 6º, §1º da Lei nº 6.938/81, que estabeleceu a Política Nacional de Meio Ambiente, definir as competências dos órgãos estaduais para estabelecer normas supletivas e complementares à legislação federal ambiental.
Logo, falece ao INEA competência para exercer o poder de polícia ambiental a que se vincula a TFPG no mar territorial, na zona econômica exclusiva e na plataforma continental, de onde são extraídos os barris de petróleo que servirão de base de cálculo para a taxa. Essa desarmonia entre a competência para o exercício do poder de polícia e os elementos da obrigação tributária eleitos pelo legislador torna impossível a cobrança da taxa.
Diante do exposto, é inconstitucional a cobrança da TFPG do Estado do Rio de Janeiro, instituída pela Lei nº 7.182/15:
<ul>
<li>por não haver referibilidade entre a atuação estatal e o que é cobrado dos contribuintes, o que se revela pela completa desproporção entre o estimado produto da arrecadação da taxa e o orçamento do órgão encarregado do exercício do poder de polícia;</li>
<li>por utilizar base de cálculo própria de imposto, ao mensurar a taxa pela produção do contribuinte e não pela onerosidade e complexidade do poder de política ambiental que não pode ser mensurada pela produção de barris de petróleo;</li>
<li>por não haver poder de polícia específico, divisível e efetivo, mas apenas a regulação e, quando muito, a fiscalização por amostragem, o que não justifica a criação da taxa;</li>
<li>por ser o poder de polícia exercido por autoridade incompetente, uma vez que falecem aos Estados poder de polícia sobre as atividades a que se vinculam a TFPG, até mesmo por serem as atividades dos contribuintes desenvolvidas no mar territorial, na zona econômica exclusiva e na plataforma continental, área em que a regulação ambiental compete à União.</li>
</ul>
________________________________________________________________
[1] Art. 2º O poder de polícia de que trata o artigo 1º, com ações específicas em benefício da coletividade para evitar danos ambientais irreversíveis será exercido mediante: I - controle e avaliação das ações setoriais relativas à utilização de recursos de petróleo e gás e ao desenvolvimento de sistemas de produção, transformação, expansão, transporte, distribuição de bens relativos ao petróleo e gás; II - controle e fiscalização das autorizações, licenciamentos, permissões e concessões para pesquisa, lavra, exploração e produção de recursos de petróleo e gás; III - controle, monitoramento e fiscalização das atividades de pesquisa, lavra, exploração e produção de recursos de petróleo e gás;
IV - defesa dos recursos naturais; V - aplicação das normas de preservação, conservação, controle e desenvolvimento sustentável dos recursos naturais, entre os quais o solo e o subsolo, e zelo pela observância dessas normas, em articulação com outros órgãos; VI - identificação dos recursos naturais do Estado, mediante o mapeamento por imagens espaciais de toda a área de abrangência das atividades de petróleo e gás e seu entorno, com o objetivo de fornecer subsídios à fiscalização do setor, compatibilizando as medidas preservacionistas e conservacionistas com a exploração racional, conforme as diretrizes do desenvolvimento sustentável; VII - realização de atividades de controle e fiscalização referentes ao uso dos presentes recursos naturais do Estado, não renováveis, quer seja no solo, no subsolo ou na sua plataforma continental, seja no pré-sal ou no pós-sal, consoante competência estabelecida no inciso XI do artigo 23 da Constituição Federal; VIII - defesa do solo, das águas, da fauna, da flora, das florestas e dos recursos naturais, através da aplicação da taxa, em políticas públicas socioambientais inerentes a natureza da mesma, inclusive, mediante convênios de cooperação técnico- científico”. 
<a name="_ftn2"></a>[2] Vide ADIs nºs 4.785-MG, 4.786-PA e 4.787-AP, todas ajuizadas pela Confederação Nacional da Indústria (CNI).
[3] TORRES, Ricardo Lobo. Tratado de Direito Constitucional Financeiro e Tributário - Vol. IV - Os Tributos na Constituição. Rio de Janeiro: Renovar, 2007, p. 419.
[4] RIBEIRO, Ricardo Lodi. Tributos – Teoria Geral e Espécies. Niterói: Impetus, 2013, p. 32.
<a name="_ftn5"></a>[5] SEIXAS FILHO, Aurélio Pitanga. Taxa – Doutrina, Prática e Jurisprudência. Rio de Janeiro, Forense, 1990, p. 4. 
<a name="_ftn6"></a>[6] STF, 1ª Turma, RE nº 554.951/SP, Rel. Min. Dias Toffoli, DJe 19/11/2013.
<a name="_ftn7"></a>[7] STF, Pleno, ADInº 2.551-MG/QO, Rel. Min. Celso Mello, DJU 20/04/06, p. 5.
<a name="_ftn8"></a>[8] MORAES, Bernardo Ribeiro. Doutrina e Prática das Taxas. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1976, p. 127.
<a href="#_ftnref1" name="_ftn1"></a>

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JOTA

Quatro pontos que podem levar à derrubada da taxa.

A Inconstitucionalidade da Taxa de Fiscalização do Petróleo e do Gás do estado do Rio de Janeiro

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