Ronaldo Pinheiro de Queiroz

A reforma da <a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/lei-de-improbidade-administrativa">Lei de Improbidade Administrativa</a>, operada pela <a href="http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2021/lei/L14230.htm">Lei 14.230/21</a>, impactou severamente o tema das sanções, diminuindo substancialmente o seu alcance.
As sanções de suspensão dos direitos políticos tiveram o prazo máximo aumentado, mas o legislador não estabeleceu prazo mínimo e tal mudança vai fazer muita diferença na prática. Isso porque o juiz, quando resolver aplicar essa sanção, vai partir de um dia podendo chegar à pena máxima.
A mesma técnica foi utilizada para a pena de proibição de contratar e receber benefício ou incentivo do poder público. Na redação original, a pena não tinha gradação, era um prazo único e vinculante para o juiz. Com o novo texto, a pena máxima foi aumentada, mas não há pena mínima definida, razão pela qual antevemos os mesmos problemas práticos.
Já a pena de multa civil foi reduzida em todas as modalidades de improbidade.
Vejamos como ficaram as penas modificadas para a improbidade de enriquecimento ilícito<a href="#_ftn1" name="_ftnref1">[1]</a>.
<table>
<tbody>
<tr>
<td width="283">Redação original</td>
<td width="283">Redação reformada</td>
</tr>
<tr>
<td width="283">Suspensão – 8 a 10 anos.</td>
<td width="283">Suspensão – 1 dia a 14 anos.</td>
</tr>
<tr>
<td width="283">Proibição de contratar e receber benefícios – 10 anos.</td>
<td width="283">Proibição de contratar e receber benefícios – 1 dia a 14 anos.</td>
</tr>
<tr>
<td width="283">Multa civil – até 3x o valor do enriquecimento.</td>
<td width="283">Multa civil –  mesmo valor do enriquecimento.</td>
</tr>
</tbody>
</table>
As penas para a improbidade de lesão ao erário<a href="#_ftn2" name="_ftnref2">[2]</a> ficaram da seguinte forma:
<table>
<tbody>
<tr>
<td width="283">Redação original</td>
<td width="283">Redação reformada</td>
</tr>
<tr>
<td width="283">Suspensão – 5 a 8 anos.</td>
<td width="283">Suspensão – 1 dia a 12 anos.</td>
</tr>
<tr>
<td width="283">Proibição de contratar e receber benefícios – 5 anos.</td>
<td width="283">Proibição de contratar e receber benefícios – 1 dia a 12 anos.</td>
</tr>
<tr>
<td width="283">Multa civil – até 2x o valor do dano.</td>
<td width="283">Multa civil –  mesmo valor do dano.</td>
</tr>
</tbody>
</table>
A situação das sanções decorrentes de improbidade administrativa de violação a princípios ficou mais dramática, pois o legislador não apenas reduziu a quantidade das penas, mas excluiu algumas sanções inteiras do alcance dessa modalidade de ilícito.
Foram excluídas do inciso III do art. 12 as sanções de perda da função pública e de suspensão dos direitos políticos e, tal qual ocorreu com as modalidades anteriores, foi retirada a quantidade mínima da sanção de proibição de contratar e receber benefícios, bem como reduzida a multa civil<a href="#_ftn3" name="_ftnref3">[3]</a>.
Assim, com a reforma, o agente público que comete uma improbidade de violação a princípios da administração pública, por mais grave que seja a sua conduta, só poderá ser sancionado com multa civil e proibição de contratar e receber incentivos ou benefícios do poder público.
Acredito que essa supressão de sanções relacionadas à improbidade de violação a princípios é absolutamente inconstitucional, pois a Constituição da República estabeleceu um mandado de punibilidade pela prática de improbidade administrativa no art. 37, § 4º, dirigida ao legislador, na modalidade de norma de eficácia limitada, porém exigindo um núcleo mínimo. Ou seja, cabe ao legislador estabelecer, mediante lei ordinária, os sujeitos, condutas, sanções e processamento pela prática de atos de improbidade administrativa, estabelecendo forma e gradação.
Contudo, pela análise do texto do art. 37, § 4º, percebe-se que há um conteúdo essencial que deve ser observado, sob pena de inconstitucionalidade, que consiste no seguinte:
<blockquote class="jota-article__citation" style="padding-left: 60px;">“Os atos de improbidade administrativa importarão a suspensão dos direitos políticos, a perda da função pública, a indisponibilidade dos bens e o ressarcimento ao erário, na forma e gradação previstas em lei, sem prejuízo da ação penal cabível.” (grifos acrescidos)</blockquote>
Assim, a Constituição deu liberdade ao legislador para regulamentar a punibilidade por atos de improbidade administrativa, devendo constar da lei, pelo menos, as sanções de suspensão dos direitos políticos e perda da função pública, a cautelar de indisponibilidade de bens e a previsão de ressarcimento ao erário.
No que diz respeito à suspensão dos direitos políticos, a Constituição o reforça no art. 15, V, dispondo que será permitida em caso de condenação por ato de improbidade administrativa.
Assim, por mais que o art. 37, § 4º, tenha estabelecido que essas e outras sanções terão a forma e gradação previstas em lei, o legislador não pode simplesmente suprimir sanções impostas constitucionalmente para os casos de atos de improbidade administrativa. O Congresso pode estabelecer gradação de prazos mínimos e máximos, mas não pode simplesmente retirar uma sanção que a própria Constituição determinou a sua existência.
O preceito secundário do tipo é dirigido ao magistrado, o qual vai decidir sobre a sua aplicação ou não, de acordo com a gravidade do fato e reprovabilidade da conduta, em homenagem ao princípio da individualização da pena. Em resumo, o juiz, no caso concreto, pode afastar a aplicação de alguma sanção prevista na Constituição; o legislador, não.
Segundo Virgílio Afonso da Silva: “A declaração de um conteúdo essencial destina-se, sim, ao legislador ordinário, pois é esse que, em sua tarefa de concretizador dos direitos fundamentais, deve atentar àquilo que a Constituição chama de ‘núcleo essencial’”<a href="#_ftn4" name="_ftnref4">[4]</a>.
Portanto, a alteração do conteúdo do art. 12, III, pela Lei 14.230/21, suprimindo as sanções de perda da função pública e suspensão dos direitos políticos, é inconstitucional por violar conteúdo essencial da regra do art. 37, § 4º, que estabelece tais sanções como consequência da prática de ato de improbidade administrativa.
<hr />
<a href="#_ftnref1" name="_ftn1">[1]</a> Art. 12: I - na hipótese do art. 9º desta Lei, perda dos bens ou valores acrescidos ilicitamente ao patrimônio, perda da função pública, suspensão dos direitos políticos até 14 (catorze) anos, pagamento de multa civil equivalente ao valor do acréscimo patrimonial e proibição de contratar com o poder público ou de receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo não superior a 14 (catorze) anos;
<a href="#_ftnref2" name="_ftn2">[2]</a> Art. 12: II - na hipótese do art. 10 desta Lei, perda dos bens ou valores acrescidos ilicitamente ao patrimônio, se concorrer esta circunstância, perda da função pública, suspensão dos direitos políticos até 12 (doze) anos, pagamento de multa civil equivalente ao valor do dano e proibição de contratar com o poder público ou de receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo não superior a 12 (doze) anos;
<a href="#_ftnref3" name="_ftn3">[3]</a> Art. 12: III - na hipótese do art. 11 desta Lei, pagamento de multa civil de até 24 (vinte e quatro) vezes o valor da remuneração percebida pelo agente e proibição de contratar com o poder público ou de receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo não superior a 4 (quatro) anos;
<a href="#_ftnref4" name="_ftn4">[4]</a> SILVA, Virgílio Afonso da. Direitos fundamentais: conteúdo essencial, restrições e eficácia. São Paulo: RT, 2009, p. 24.

improbidade administrativa

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JOTA

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