André Luiz Maluf

O presidente do Congresso <a href="https://www12.senado.leg.br/radio/1/noticia/davi-alcolumbre-devolve-mp-que-permitia-indicacao-de-reitores-pelo-ministro-da-educacao-durante-a-pandemia" target="_blank" rel="noopener noreferrer">Davi Alcolumbre devolveu a Medida Provisória 979</a>, que permitiria a nomeação de reitores de universidades públicas e institutos federais sem consulta prévia ou lista tríplice, durante o período da emergência de saúde pública decorrente da pandemia da Covid-19. <a href="https://www.congressonacional.leg.br/materias/medidas-provisorias/-/mpv/142445" target="_blank" rel="noopener noreferrer">A tramitação na Mesa do Congresso durou apenas dois dias</a>.
Conforme consulta ao Diário do Congresso Nacional – Edição Extraordinária, 12 de junho de 2020 –, o <a href="mailto:85O86%2264979;P496%22B1%22-6;2898G9QR6%22B1%22$53SHE9@1%22D5B54189:1%22B6%22T4129E?%22FG5%227141;85%22%25.*04+)" target="_blank" rel="noopener noreferrer">Ato Declaratório 66/2020 do presidente da Mesa do Congresso Nacional</a> se valeu do art. 48, XI do Regimento Interno do Senado<a href="#_ftn1" name="_ftnref1">[1]</a> para devolver a MP em razão de inconstitucionalidade, fundada nas violações dos arts. 206, VI e 207 da Constituição – gestão democrática do ensino público e autonomia administrativa universitária. Assim, por meio deste ato, foi encaminhada ao presidente da República a <a href="https://legis.senado.leg.br/diarios/ver/103924?sequencia=3" target="_blank" rel="noopener noreferrer">Mensagem nº 40 (CN) que devolveu a Medida Provisória 979/2020 e declarou o encerramento da sua tramitação no Congresso Nacional</a>.
<a href="https://conteudo.jota.info/risco-politico" target="_blank" rel="noopener noreferrer"><img class="aligncenter wp-image-244336 size-full" src="https://www.jota.info/wp-content/uploads/2020/04/cta-risco-politico.png" alt="" width="1080" height="1080" /></a>
No histórico do Legislativo, este não foi o primeiro caso de devolução de Medida Provisória, existindo outros três precedentes no Congresso: i) em 1989 a MP 33, presidente em exercício senador José Ignácio Ferreira; ii) em 2008 a MP 446, devolvida pelo presidente senador Garibaldi Alves Filho; iii) e em 2015 MP 699, devolvida pelo presidente senador Renan Calheiros.
Mesmo que esse ato monocrático da presidência não tenha sido único na história, a nosso sentir parece que tal prerrogativa não se sustenta à luz da Constituição.
Em suma, os argumentos pela inconstitucionalidade do Ato Declaratório são os seguintes: i) a subtração da possibilidade da comissão mista de deputados e senadores de apreciar as medidas provisórias (art. 62, §9º); ii) a subtração do poder-dever de apreciação pelo plenário das Casas Legislativas, violando o princípio da colegialidade e a própria competência do Poder Legislativo (art. 62, §5º); e iii) a violação a separação dos Poderes (art. 2º) – cláusula pétrea (art. 60, §4º, III).
Ainda que se argumentasse que o Ato Declaratório de devolução teria fundamento constitucional na parte final do art. 62, §5º, trata-se em verdade de competência atribuída à Comissão Mista, que emitirá parecer sobre a constitucionalidade da MP e ao Plenário que decidirá definitivamente sobre o tema.
Regras de restrição devem ser interpretadas restritivamente, de modo que não cabe ampliar as competências do presidente do Legislativo por meio de norma regimental. Não há previsão constitucional da competência do presidente do Congresso para devolver a Medida Provisória à presidência da República.
Mesmo nos casos em que se alegue inconstitucionalidade manifesta da Medida Provisória, os parlamentares podem se valer de medidas judiciais para sustar os efeitos da MP de forma mais célere do que o processo legislativo de conversão. O controle, assim, seria concorrente entre Legislativo e Judiciário. Trata-se de manifestação dos freios e contrapesos.
A devolução, a nosso sentir, cria um óbice ao controle de constitucionalidade que poderia em tese ser feito pelo Judiciário, caso fosse provocado, e/ou do Poder Legislativo na tramitação ordinária.
<blockquote class="jota-article__eye">Repita-se: não estamos defendendo a manutenção de Medidas Provisórias frontalmente contrárias à Constituição, seja em termos formais ou materiais. Mas, existem caminhos dentro da institucionalidade e do sistema constitucional para resolver a questão, inclusive de forma mais célere, sem gerar subterfúgios às regras constitucionais.</blockquote>
No histórico do Legislativo, quando da devolução da MP 466 em 2008, a Câmara dos Deputados se insurgiu contra o Ato do Presidente do Congresso, de modo que o seu presidente à época, deputado Michel Temer, solicitou extração de cópia autenticada e deu continuidade à tramitação do processo de conversão na Câmara dos Deputados, que decidiu pela inadmissibilidade da Medida Provisória.
Também na Câmara dos Deputados, foi proferida decisão em Questão de Ordem nº 586, de 2010, na qual se negou a possibilidade de devolução de Medidas Provisórias ao Executivo: “Ementa: Indefere a questão de ordem do deputado Sandro Mabel tendo em vista que a possibilidade de devolução de proposição ao Autor mostra-se incompatível com a natureza da medida provisória, que, por ter força de lei desde a sua edição, somente deixará de produzir efeitos nas hipóteses de rejeição, perda de eficácia pelo decurso de prazo ou revogação. Decisão presidente deputado Michel Temer”.
No Senado Federal, embora tenham ocorrido quatro devoluções, sendo que no caso da MP 446 (já abordada) a devolução foi invalidada pela Câmara dos Deputados, o entendimento da Casa é oscilante. Em 2005 o Senado apreciou Questão de Ordem a partir do fato noticiado de que <a href="https://extra.globo.com/noticias/brasil/garibaldi-surpreende-ao-devolver-mp-das-filantropicas-ao-executivo-613079.html" target="_blank" rel="noopener noreferrer">o presidente da Câmara à época, deputado federal Severino Cavalcanti, divulgou à imprensa a ameaça de devolver Medidas Provisórias</a>.
O senador Renan Calheiros, presidente do Senado na ocasião, apreciou a Questão de Ordem entendendo que “nem o presidente do Senado Federal, nem o presidente da Câmara dos Deputados, nem o presidente do Congresso Nacional têm competência para devolver medida provisória. Essa competência é somente do Plenário das duas Casas do Congresso Nacional, com fundamento em parecer preliminar da Comissão Mista”.
Ao que parece, a possibilidade depende da interpretação do presidente do Congresso, o que evidentemente gera forte insegurança jurídica, além do enfraquecimento da própria efetividade da Constituição, sem mencionar a disputa que pode ocorrer entre os presidentes de ambas as casas Legislativas, como seu deu na apreciação da MP 446.
Assista ao novo episódio do podcast Sem Precedentes sobre a decisão do TJRJ de conceder foro privilegiado a Flávio Bolsonaro:
https://www.youtube.com/watch?v=CNVCuoHarno
No âmbito do STF, embora não haja decisão específica sobre o tema, a Corte já se manifestou no sentido de que o presidente que edita nova MP revogando anterior não retira do Congresso a apreciação do ato normativo, por conta da Separação dos Poderes (ADI, MC, nº 2.984, Dj. 02/08/04). A Corte também já entendeu que a previsão no Regimento do Congresso que permita ao relator nomeado pela Comissão Mista submeter o parecer diretamente ao Plenário da Câmara dos Deputados é inconstitucional por violar o processo legislativo (ADI 4.029, rel. min. Luiz Fux, j. 8-3-2012, P, DJE de 27-6-2012).
<a href="https://noticias.r7.com/brasil/planalto-ve-falha-na-devolucao-de-mp-mas-decisao-politica-prevaleceu-13062020" target="_blank" rel="noopener noreferrer">O desfecho da recente questão acabou ocorrendo de forma política: o presidente da República editou a MP 981/2020 revogando a MP 979/2020</a>, prevenindo-se contra eventual conflito com o presidente do Congresso. Ademais, buscou evitar retaliações institucionais do Legislativo ou mesmo uma derrota no âmbito do STF (em que pese, a nosso sentir, as chances de êxito, ao menos sob um viés jurídico, fossem altas pelos argumentos expostos).
Seria relevante, assim, que o Supremo pacificasse a questão, garantindo segurança jurídica ao tema de modo a gerar a correta observância do texto constitucional. Não se pode admitir que a Constituição seja ignorada com base em uma interpretação expansiva de regras de Regimento Interno do Senado, de forma episódica e casuística que notadamente tem alta carga política.
Vale frisar que o argumento da impossibilidade de controle de normas do regimento interno, em razão da Separação dos Poderes, não prevalece, eis que o Legislativo não pode se blindar da apreciação jurisdicional (art. 5º, XXXV da CF), sob pena de se violar a Constituição pela via regimental sem qualquer possibilidade de correção por parte do Judiciário. Neste sentido, diversos precedentes do STF admitem o controle de normas regimentais que atentem frontalmente contra a Constituição: ADI 3.566, rel. p/ o ac. min. Cezar Peluso, j. 15-2-2007, P, DJ de 15-6-2007; ADI 4587, Relator(a): min. Ricardo Lewandowski, Tribunal Pleno, julgado em 22/05/2014, DJe-117, PUBLIC 18-06-2014; ADPF 378, MC, Relator: min. Edson Fachin, Redator Do Acórdão : min. Roberto Barroso, Dj. 17/12/2015.
Se é inegável que o Direito é permeável à política, notadamente no âmbito das relações entre os Poderes, também é inexorável que a atuação política encontra limites no próprio Direito, sobretudo quando as regras estão previstas na Constituição.
Ao que parece, entretanto, há mais coisas entre a Constituição e a terra do que sonha a nossa vã filosofia...
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<a href="#_ftnref1" name="_ftn1">[1]</a> Art. 48. Ao Presidente compete: XI - impugnar as proposições que lhe pareçam contrárias à Constituição, às leis, ou a este Regimento, ressalvado ao autor recurso para o Plenário, que decidirá após audiência da Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania;

CDR – Comissão de Desenvolvimento Regional e Turismo

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JOTA

Há mais coisas entre a Constituição e a terra do que sonha a nossa vã filosofia

A inconstitucionalidade da devolução de Medidas Provisórias

Há mais coisas entre a Constituição e a terra do que sonha a nossa vã filosofia