Luiz Francisco Torquato Avolio

Maria Luiza Gorga

<a href="https://www.jota.info/opiniao-e-analise/artigos/a-inadmissibilidade-das-provas-ilicitas-prova-penal-e-segredo-profissional-04022021">Continuando a temática</a> a respeito das provas ilícitas e o sigilo profissional, abordaremos dois exemplos práticos: o sigilo médico e o do advogado.
O sigilo médico: peculiaridades e casuística
Conforme já apontado, a grande razão de ser do sigilo médico é a proteção à intimidade, à vida privada e à honra, constitucionalmente garantidas em nosso ordenamento.
Inobstante, tal preceito remonta às épocas antigas, já constando do juramento de Hipócrates que “o que, no exercício ou fora do exercício e no comércio da vida, eu vir ou ouvir, que não seja necessário revelar, conservarei como segredo”, sendo assim uma das reservas morais da medicina e que, felizmente, conta com amplo aparato normativo de proteção<a href="#_ftn1" name="_ftnref1">[1]</a>, inclusive no Código de Ética Médica (arts. 73 a 79)<a href="#_ftn2" name="_ftnref2">[2]</a>.
<a href="https://conteudo.jota.info/poder-contato"><img class="size-medium wp-image-292717 aligncenter" src="https://www.jota.info/wp-content/uploads/2021/01/jota-pro-poder.jpg" alt="" width="688" height="688" /></a>Da espécie sigilo médico, podem-se extrair três aspectos distintos: o segredo oral – as confidências dos pacientes e as observações do profissional –, o segredo documental – sobretudo recaindo sobre o prontuário médico, bem como outros documentos como exames –, e o segredo processual – consubstanciado pelo laudo pericial civil, administrativo ou criminal.
Vale notar que, no caso do laudo pericial criminal, o perito é figura auxiliar da Justiça, prestando compromisso com a verdade<a href="#_ftn3" name="_ftnref3">[3]</a>, e assim se encontra fora da cadeia de proteção do segredo.
Da análise de julgados administrativos<a href="#_ftn4" name="_ftnref4">[4]</a>, é fácil perceber que embora o CREMESP entenda que o sigilo profissional não é absoluto, este deve respeitar limites que não se confundem com a simples consciência individual do profissional – e, dessa forma, se é possível a violação do segredo para a proteção do paciente, posto que a proteção do paciente contra atos de terceiros se sobrepõe ao sigilo, esta é punida no caso do médico que quebra seu sigilo em caso de aborto, posto que assim estará apenas prejudicando a paciente que lhe procurou em razão de apuro médico, não importando eventual julgamento moral do profissional pois deve prevalecer a ordem social e a confiança na profissão como um todo.
O sigilo do advogado: conceituação, particularidades e casuística
Qualquer discussão sobre o sigilo profissional do advogado passa, obrigatoriamente, pela questão da inviolabilidade tanto do profissional, no exercício de seu mister, quanto do próprio escritório de advocacia.
A inviolabilidade profissional
Essa inviolabilidade profissional da advocacia é uma garantia constitucional inserida no capítulo das Funções Essenciais à Justiça da nossa Carta Federal, em seu art. 133. A expressão de “nos limites da lei” atine, a princípio, ao constante do artigo 243, § 2º do CPP, de modo que não pode, pois, o advogado reter documentos que lhe foram confiados para os subtrair às investigações judiciais, sob pena de proteger o delito e a impunidade.
Por sua vez, o Estatuto da Advocacia e da OAB (Lei nº 8.906/94) enuncia dentre os direitos do advogado “a inviolabilidade de seu escritório ou local de trabalho, bem como de seus instrumentos de trabalho, de sua correspondência escrita, eletrônica, telefônica e telemática, desde que relativas ao exercício da advocacia”, havendo algumas exceções previstas.
A apreensão, segundo a lei processual penal, ater-se-á exclusivamente às coisas achadas ou obtidas por meios criminosos, como prevê o art. 240 § 1º, b, do CPP. Não pode, pois, abranger correspondências confidenciais recebidas pelo advogado (CF, art. 5º, X), além de outros documentos, arquivos e dados não relacionados à atividade ilícita, objeto da busca.
<blockquote class="jota-article__eye">A residência do advogado, a seu lado, já está coberta pela inviolabilidade da sua intimidade e vida privada e do domicilio (CF, 5ª, X e XI).</blockquote>
A propósito já decidiu o STJ pela ilegalidade da busca e apreensão genérica, por não especificar os documentos relacionados à prática delituosa, não sendo possível assim afastar a inviolabilidade do sigilo.<a href="#_ftn5" name="_ftnref5">[5]</a> No mesmo sentido, no tocante ao sigilo dos dados telefônicos, também já se manifestou o STF sobre a impossibilidade do uso de tais informações<a href="#_ftn6" name="_ftnref6">[6]</a>.
Comunicação reservada do advogado com o preso
Outro ponto importantíssimo ligado ao direito de sigilo do advogado – e, inversamente, a seu dever de guardá-lo – é aquele de comunicar-se privativamente com o cliente preso.
Assim, assiste ao advogado o direito, que se apresenta como prerrogativa, de “comunicar-se com seus clientes, pessoal e reservadamente, mesmo sem procuração, quando estes se acharem presos, detidos ou recolhidos em estabelecimentos civis ou militares, ainda que considerados incomunicáveis”. Vale notar que a Lei de Execução Penal, em seu art. 41, IX, também assegura ao preso o direito de entrevistar-se pessoal e reservadamente com seu advogado.
Em casos concretos, usando como fundamento o art. 8º, § 2º, d do Pacto de San Jose da Costa Rica, que tem status de norma constitucional (CF art. 5º § 2º), e também nos dispositivos constitucionais e legais acima mencionados, o STF já ratificou essa prerrogativa em julgado irretocável do ilustre Decano Celso de Mello, no bojo das discussões a respeito da extradição de Cesare Battisti<a href="#_ftn7" name="_ftnref7">[7]</a>.
Direito-dever do advogado de recusar-se a depor como testemunha
Por último, e não menos importante, tem-se o desdobramento desta garantia do sigilo ligado à situação em que se pretende que o advogado preste testemunho.
Em regra, toda pessoa pode servir como testemunha (CPP, art. 202) e tem o dever de depor (CPP, art. 206, 1ª p.). Existem, contudo, exceções: de pessoas que estão dispensadas do dever de depor (cônjuge e parentes do acusado, os da vítima não estão). Os parentes do acusado terão o dever, se não for possível, de outro modo, obter-se a prova do fato (CPP, art. 206 2ª e 3ª parte).
Já com relação ao advogado, assiste-lhe o direito, previsto enquanto prerrogativa profissional no artigo 7º, inciso XIX do Estatuto da Advocacia e da OAB, o qual limita-se à recusa de depor, e não à obrigação de comparecer perante o Poder Judiciário, como decidido pelo STF na AP 470-QO-segunda (“Mensalão”)<a href="#_ftn8" name="_ftnref8">[8]</a>.
Contudo, ao mesmo tempo em que a lei confere ao advogado direito de recusar-se a depor, mesmo quando desobrigado pelo cliente de manter sigilo, o Código de Ética Profissional, em seu art. 25, abre exceções à guarda do sigilo em hipóteses extremas, e nesse sentido foi editada a Resolução 17/2000 do TED-I – Turma de Ética Profissional da OAB/SP<a href="#_ftn9" name="_ftnref9">[9]</a>.
Para a doutrina, a proibição de depor trata-se de medida salutar, pois o causídico deve ser o único censor da sua possibilidade de prestar declarações<a href="#_ftn10" name="_ftnref10">[10]</a>, o mesmo sendo visto na jurisprudência<a href="#_ftn11" name="_ftnref11">[11]</a>.
Sigilo do advogado em face da interceptação telefônica e gravação ambiental
Infelizmente, a Lei nº 9.9296/96, que regula as interceptações telefônicas, não cuidou de preservar o sigilo profissional de forma específica.
O Projeto Miro Teixeira continha norma expressa vedando a interferência nas comunicações entre o acusado e seu defensor, o que resolvia o problema do ponto de vista das garantias da defesa, ponto que não foi aproveitado na redação final.
Diversamente, no sistema continental europeu essa proibição é expressa. O Código de Processo Penal português proíbe a interceptação e a gravação de conversações ou comunicações entre o arguido e o seu defensor, salvo se o juiz tiver fundadas razões para crer que elas constituem objeto ou elemento de crime (art. 187.3).
Ao seu lado, o Código de Processo Penal francês proíbe expressamente as interceptações nas linhas de senadores e deputados, sem prévia informação ao presidente da Assembleia pelo juiz de instrução, assim como do escritório do advogado ou de sua residência, também sem prévia informação pelo juiz de instrução. A mesma vedação se encontra em relação aos magistrados, sem que o presidente do Tribunal ou procurador geral sejam informados (art. 100-107).
E tampouco o Código de Processo Penal Italiano admite a interceptação relativa a conversas ou comunicações dos defensores, consultores técnicos e seus auxiliares, entre estes e as pessoas por eles assistidas (art. 103-105).
Agrava ainda a situação do advogado brasileiro o fato de que a jurisprudência tem titubeado em relação à inviolabilidade das conversações do advogado e clientes, ressalvadas as hipóteses em que havia prova de prática ilícita pelo próprio advogado.
No julgamento do HC 96.909 pelo STF a interceptação sobre conversas do advogado com seus clientes foi considerada válida, pois provado que o paciente negociou, mediante pagamento de propina, a exclusão de algumas pessoas presas em flagrante por crime de tráfico de entorpecentes<a href="#_ftn12" name="_ftnref12">[12]</a>.
Já em outro precedente, a fundamentação foi bastante vaga, considerando diversas hipóteses de cabimento dessa intromissão no sigilo profissional<a href="#_ftn13" name="_ftnref13">[13]</a>.
A acrescer à problemática, também a gravação clandestina ou ambiental de conversa própria com o advogado, ou seja, aquela realizada por um dos interlocutores, nem sempre tem recebido a devida proteção jurisdicional, havendo precedente no sentido de que “a gravação unilateral feita por um dos interlocutores com o desconhecimento do outro deve ser admitida como prova, em face do princípio da proporcionalidade”, afirmando-se que não haveria quebra de sigilo profissional por ser “gravação de um diálogo informal, ocorrido no interior de um taxi, entre a vítima do fato tido com criminoso e o causídico da empresa em que a recorrente trabalhava, o qual, na época, patrocinava os interesses dessa instituição”<a href="#_ftn14" name="_ftnref14">[14]</a>.
Em outro entendimento mais recente tampouco a Corte Superior entendeu pela proteção do sigilo no caso concreto, tendo-se decidido que “o sigilo que reveste a comunicação entre defensor e assistido tem por objetivo proteger ambos, enquanto partes de uma relação advocatícia, e não proteger o advogado, em detrimento de seu cliente”<a href="#_ftn15" name="_ftnref15">[15]</a>.
Ressente-se, pois, a advocacia, de uma mais efetiva proteção do sigilo profissional, ensejando alteração legislativa nos moldes do sistema continental, ou, pelo menos, um elevado standart probatório para se autorizar medidas invasivas, sob pena de banalizar-se essa garantia constitucional e o próprio exercício da ampla defesa.
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O episódio 48 do podcast Sem Precedentes faz uma análise sobre a atuação do Supremo Tribunal Federal (STF) em 2020 e mostra o que esperar em 2021. Ouça:
https://youtu.be/-hMj5lwWXEE
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<a href="#_ftnref1" name="_ftn1">[1]</a> DE CASTRO, Airton Pinheiro. Sigilo médico: por que e quando?. Revista da Escola Paulista da Magistratura, ano 11, n. 1, p. 77-90, jul.-dez./2011. p. 78.
<a href="#_ftnref2" name="_ftn2">[2]</a> Disponível em: &lt;http://www.portalmedico.org.br/novocodigo/integra_9.asp&gt;. Acessado em: 04 de setembro de 2019.
<a href="#_ftnref3" name="_ftn3">[3]</a> AVOLIO, Luiz Francisco Torquato. Anotações sobre o sigilo médico na esfera do processo judicial e do procedimento administrativo e suas consequências processuais: provas ilegítimas e ilícitas. Revista EPD, ano 2, n. 3, p. 355-377, out.-nov./2006. p. 358-360.
<a href="#_ftnref4" name="_ftn4">[4]</a> CREMESP - Consulta n. 158.626/12. Disponível em: &lt;<a href="https://www.cremesp.org.br/?siteAcao=Pareceres&amp;dif=s&amp;ficha=1&amp;id=12581&amp;tipo=PARECER&amp;orgao=Conselho%20Regional%20de%20Medicina%20do%20Estado%20de%20S%E3o%20Paulo&amp;numero=158626&amp;situacao=&amp;data=12-03-2013">https://www.cremesp.org.br/?siteAcao=Pareceres&amp;dif=s&amp;ficha=1&amp;id=12581&amp;tipo=PARECER&amp;orgao=Conselho%20Regional%20de%20Medicina%20do%20Estado%20de%20S%E3o%20Paulo&amp;numero=158626&amp;situacao=&amp;data=12-03-2013</a>&gt;. Acessado em: 19 de abril de 2018. E: CREMESP, Consulta n° 151.842/2016. Disponível em: &lt;<a href="https://www.cremesp.org.br/?siteAcao=Pareceres&amp;dif=s&amp;ficha=1&amp;id=14130&amp;tipo=PARECER&amp;orgao=Conselho%20Regional%20de%20Medicina%20do%20Estado%20de%20S%E3o%20Paulo&amp;numero=151842&amp;situacao=&amp;data=22-11-2016">https://www.cremesp.org.br/?siteAcao=Pareceres&amp;dif=s&amp;ficha=1&amp;id=14130&amp;tipo=PARECER&amp;orgao=Conselho%20Regional%20de%20Medicina%20do%20Estado%20de%20S%E3o%20Paulo&amp;numero=151842&amp;situacao=&amp;data=22-11-2016</a>&gt;. Acessado em: 19 de abril de 2018.
<a href="#_ftnref5" name="_ftn5">[5]</a>  STJ, RMS 27.419/SP, rel. min. Napoleão Nunes Maia Filho, j. 14.04.2009.
<a href="#_ftnref6" name="_ftn6">[6]</a> STF, Pleno, MS 23.452/RJ, rel. min. Celso de Mello, j. 16.09.1999 e STF, Pleno, MS 25005/DF, rel. min. Marco Aurélio, j. 07.10.2004.
<a href="#_ftnref7" name="_ftn7">[7]</a> “Na realidade, as prerrogativas profissionais dos Advogados representam emanações da própria Constituição da República, pois, embora explicitadas no Estatuto da Advocacia (Lei nº 8.906/94), foram concebidas com o elevado propósito de viabilizar a defesa da integridade das liberdades públicas, tais como formuladas e proclamadas em nosso ordenamento constitucional. As prerrogativas profissionais de que se acham investidos os Advogados, muito mais do que faculdades jurídicas que lhes são inerentes, traduzem, na concreção de seu alcance, meios essenciais destinados a ensejar a proteção e o amparo dos direitos e garantias que o sistema de direito constitucional reconhece às pessoas em geral (sejam elas brasileiras ou estrangeiras), notadamente quando submetidas à atividade persecutória e ao poder de coerção do Estado. É por tal razão que as prerrogativas profissionais não devem ser confundidas nem identificadas com meros privilégios de índole corporativa ou de caráter estamental, pois se destinam, enquanto instrumentos vocacionados a preservar a atuação independente dos Advogados, a conferir efetividade às franquias constitucionais invocadas em defesa daqueles cujos interesses lhes são confiados.”, cf.: STF, Ext 1085, rel. min. Celso de Mello, j. 26.06.2007.
<a href="#_ftnref8" name="_ftn8">[8]</a> STF, Pleno, AP 470-QO-QO/MG, rel. min. Joaquim Barbosa, j. 22.10.2008.
<a href="#_ftnref9" name="_ftn9">[9]</a> Disponível em: &lt;https://www.conjur.com.br/2000-out-31/confira_recentes_decisoes_oab-sp&gt;. Acessado em: 24 de maio de 2018.
<a href="#_ftnref10" name="_ftn10">[10]</a> NUCCI, Guilherme de Souza. Código de Processo Penal Comentado. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. p. 498.
<a href="#_ftnref11" name="_ftn11">[11]</a>  STJ, AgRg no HC 48.843/MS, rel. min. Nilson Naves, j. 31.10.2007.
<a href="#_ftnref12" name="_ftn12">[12]</a> STF, HC 96.909/MT, rel. min. Ellen Gracie, j. 17.11.2009.
<a href="#_ftnref13" name="_ftn13">[13]</a> STJ, RMS 10.857/SP, rel. min. Felix Fischer, j. 16.03.2000.
<a href="#_ftnref14" name="_ftn14">[14]</a> STJ, RESP 1.113.734/SP, rel. min. Og Fernandes, j. 28.09.2010.
<a href="#_ftnref15" name="_ftn15">[15]</a> STJ, RESP 1.689.365/PR, rel. min. Reynaldo Soares da Fonseca, j. 12.12.2017.

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JOTA

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