Gabriel Silveira Braga

Apesar do sistema de precedentes não ser novidade no ordenamento jurídico brasileiro, esse era tido de forma muito tímida, sobretudo quando do seu início, em que um precedente detinha caráter meramente persuasivo, servindo apenas de orientação na hermenêutica.
A Emenda Constitucional no 45/2004, por sua vez, por meio da introdução da Súmula Vinculante e do instrumento de repercussão geral, inaugurou a possibilidade de reconhecer força vinculante às decisões judiciais, em relação aos demais órgãos do Poder Judiciário e da administração pública direta e indireta, sem necessitar, para tanto, das ações de controle direto de constitucionalidade.
<a href="https://www.jota.info/produtos/tributos?utm_source=Banner%20site&amp;utm_medium=Artigos&amp;utm_campaign=CTA_Tributos_materias" rel="attachment wp-att-291213"><img class="size-medium wp-image-291213 aligncenter" src="https://www.jota.info/wp-content/uploads/2021/01/jota-pro-tributos-v2.jpg" alt="" width="300" height="300" /></a>Portanto, a partir daí, já se notou um modelo de transição no ordenamento jurídico brasileiro, especialmente no que tange ao aumento da força dos precedentes jurisdicionais.
Acontece que, apenas com a entrada do Código de Processo Civil de 2015 a jurisprudência passou a ser adotada como uma das principais fontes do direito brasileiro, aproximando-o, inclusive, com o direito anglo-americano, especialmente em razão da positivação dos precedentes, levando em consideração a introdução de uma vasta quantidade de aplicações vinculantes às decisões judiciais (artigo 927, CPC).
Diante dessa reconstrução, decorrente da mudança do pensamento jurídico, a identificação das funções dos principais elementos que compõem um precedente judicial tem se tornado cada vez mais relevante, em especial quando se fala da ratio decidendi – componente possuidor de caráter vinculante de um precedente –, e o obter dictum, que embora não possua força vinculante, não deve ser desprezado, como se verá a seguir.
Em breve síntese, a ratio decidendi se trata do núcleo essencial de uma decisão judicial, ou seja, se refere ao fundamento proferido pelo julgador necessário para a resolução do caso analisado. Pode ser dito, então, que com a ausência deste componente a decisão do contexto fático analisado não ocorreria.
<blockquote class="jota-article__eye">Diante disso, é indispensável ter em mente que, em razão da ratio decidendi ser o critério de definição de um determinado caso, somente ela possui efeito vinculante em relação às decisões posteriores.</blockquote>
Por outro lado, o obiter dictum é composto pelos argumentos jurídicos passageiros, bem como as opiniões “acessórias” de uma determinada decisão judicial. Isto significa dizer que, embora tais fundamentos estejam inseridos dentro de um precedente, são irrelevantes para a solução do contexto fático.
Daí extrai-se que os argumentos obter dicta, mesmo alegados e discutidos pelos julgadores quando da análise do caso, não podem ser utilizados com força vinculante, justamente em razão do seu caráter secundário e simbólico, porquanto desnecessários para se chegar à solução de determinada questão.
Apesar disso, o obter dictum, embora não sirva de precedente para uma decisão futura, em razão da ausência de efeito vinculante, poderá sinalizar como uma futura decisão será decidida, não devendo, desta maneira, ser desprezado.
Com o intuito de trazer toda essa questão para a realidade, revela-se pertinente a análise do Recurso Extraordinário 796.376, leading case do conhecido Tema 796, de matéria tributária, tendo em vista que no referido julgado, um fundamento obter dicta, proferido pelo ministro Alexandre de Moraes (redator do acórdão), pode ter sinalizado uma futura decisão de extremo interesse aos contribuintes.
Referido precedente, julgado em 5 de agosto de 2020, tinha o intuito de definir o alcance da imunidade tributária do Imposto de Transmissão Inter Vivos de Bens Imóveis – <a href="https://www.jota.info/tributos-e-empresas/tributario/itbi-entenda-como-e-cobrado-e-calculado-13052021">ITBI</a>, prevista no art. 156, § 2º, I, da Constituição Federal, nos casos em que o valor total dos bens imóveis exceder o limite do capital social a ser integralizado.
Com o poder de decidir em mãos, o Plenário do Supremo Tribunal Federal, por meio do voto majoritário do ministro Alexandre de Moraes, entendeu que os imóveis incorporados ao patrimônio da pessoa jurídica que não são destinados à integralização do capital subscrito, e sim a outro objetivo, não estão assegurados pela imunidade prevista no art. 156, § 2º, I, da CF/88.
Logo, a ratio decidendi deste julgamento consiste no entendimento assinalado no parágrafo anterior, uma vez ter sido essencial à resolução do caso concreto. Conclui-se, portanto, que somente ele tem força vinculante em detrimento das decisões judiciais posteriores.
Sob outra perspectiva, analisando o precedente mais a fundo, o leitor pode se deparar com um argumento obiter dictum, pronunciado pelo ministro Alexandre de Moraes, que, embora seja completamente contrário à atual jurisprudência sobre a matéria, é de total interesse aos contribuintes, veja-se:
O artigo 156, § 2º, I, da Constituição Federal, dispõe a respeito da imunidade do Imposto de Transmissão de Bens Imóveis da seguinte forma: o ITBI “não incide sobre a transmissão de bens ou direitos incorporados ao patrimônio de pessoa jurídica em realização de capital, nem sobre a transmissão de bens ou direitos decorrente de fusão, incorporação, cisão ou extinção de pessoa jurídica, salvo se, nesses casos, a atividade preponderante do adquirente for a compra e venda desses bens ou direitos, locação de bens imóveis ou arrendamento mercantil”.
Sobre esse dispositivo, os Tribunais vêm entendendo que a excepcionalidade trazida na parte final do inciso, engloba a primeira e a segunda parte do texto normativo. Isto significa que, atualmente, no que se refere à integralização de bens ou direitos no capital social da empresa, a imunidade só é reconhecida caso inexista atividade preponderante de venda ou locação de propriedade imobiliária.
No entanto, divergindo deste pensamento, o min. Alexandre de Moraes, em seu voto, argumentou literalmente o que se segue: “[...] a exceção prevista na parte final do inciso I, do § 2º, do art. 156 da CF/88 nada tem a ver com a imunidade referida na primeira parte desse inciso”.
Ou seja, o ministro entende e argumenta que a imunidade do ITBI é pura e incondicional nos casos de integralização de bens imóveis ao capital subscrito pelo sócio (primeira parte do inciso), o que quer dizer que, nesse caso, pouco importa a atividade preponderante da pessoa jurídica.
Para entender dessa forma, o ministro se atentou ao fato de que o inciso I, do § 2º, do art. 156 da CF/88 possui duas orações separadas pelo advérbio de negação “nem”, o que o fez concluir que a ressalva apontada na parte final do inciso, iniciada pela expressão “nesses casos”, se refere tão somente à segunda oração do dispositivo, que trata da incorporação decorrente das figuras jurídicas societárias – fusão, incorporação, cisão ou extinção.
Eis, então, que no voto do ministro redator do acórdão, encontra-se presente um argumento extremamente benéfico ao contribuinte, que pode mudar, por exemplo, a forma de planejamento e de constituição de uma holding, pois, mesmo se a atividade empresarial da pessoa jurídica for preponderantemente imobiliária, o ITBI não será incidido quando o intuito for a conferência de bens para integralizar o capital subscrito.
Isto posto, ainda que o argumento do ministro tenha caráter obter dictum, em razão de não ter relação direta com o núcleo essencial das razões de decidir do RE 796.376/SC, este não pode ser ignorado, pois serve como indicativo de uma futura decisão, levando a crer que este argumento poderá ser transformado à condição de ratio decidendi em um futuro precedente, daí sim, ganhando caráter vinculante.
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JOTA

As implicações do obiter dictum no conhecido RE 796.376, julgado que decidiu sobre a imunidade do ITBI

A importância dos elementos que compõem um precedente na nova ordem processual

As implicações do obiter dictum no conhecido RE 796.376, julgado que decidiu sobre a imunidade do ITBI