Gabriel Tannuri

Os contratos de concessão têm se consolidado como instrumentos cruciais para o desenvolvimento da infraestrutura no Brasil, sobretudo no setor aeroportuário. A bem da verdade é que, pioneiro entre as concessões de infraestrutura do país, o programa federal de transferência de aeroportos à iniciativa privada tem sido amplamente fortalecido, com significativos avanços nas modelagens a cada rodada, principalmente em razão do aprendizado adquirido.
O Ministério de Portos e Aeroportos chegou a afirmar na 3ª Edição do Airport National Meeting que tem como meta a inclusão, no Programa de Aceleração do Crescimento, da concessão de mais 80 aeroportos à iniciativa privada, para que, até 2026, a rede aeroportuária brasileira cresça para movimentar o recorde de 140 milhões de passageiros no ano<a href="#_ftn1" name="_ftnref1">[1]</a>.
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Esses contratos, no entanto, não estão imunes aos desafios inerentes à operação de serviços públicos, especialmente em cenários de incerteza. A catástrofe causada pelas chuvas intensas no Rio Grande do Sul, que impactou severamente o Aeroporto Internacional Salgado Filho, serve como um exemplo marcante da importância de uma postura dialógica entre concessionário, regulador e poder concedente, que pode ser decisiva não apenas para a resolução de crises imediatas, mas também para a condução de negociações complexas, como as repactuações de diversas concessões aeroportuárias em curso no Brasil.
Em cenários de concessão, a postura dialógica refere-se à manutenção de um diálogo aberto, cooperativo e contínuo entre a concessionária, regulador e o poder concedente. Essa prática vai além do estrito cumprimento de obrigações contratuais e busca estabelecer uma relação de parceria, onde ambas as partes trabalham em conjunto para resolver problemas e adaptar o contrato a novas realidades, sob um prisma fundamental: a continuidade do serviço público.
Durante as intensas chuvas que atingiram o Rio Grande do Sul, a concessionária responsável pelo aeroporto de Porto Alegre enfrenta desafios operacionais significativos. A rápida interrupção de voos – determinada em maio de 2024 pela <a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/anac">Anac</a> –, a necessidade de proteger a infraestrutura e de garantir a segurança dos usuários demandaram uma resposta ágil e coordenada.
Nesse contexto, a postura dialógica se revelou essencial: a concessionária, em constante comunicação com as autoridades locais e nacionais, conseguiu ajustar suas operações e mitigar os impactos da catástrofe.
Um dos aspectos notáveis foi a participação ativa na operação de voos comerciais na Base Aérea de Canoas, emergencial para manter a conectividade aérea da região​ e que envolveu articulação desde o concessionário que estruturou logística mínima necessária para receber os passageiros cumprindo os requisitos operacionais e de segurança, até as companhias aéreas, o órgão regulador e outros órgãos públicos, sobretudo em razão da adaptação de uma base militar para os fins da aviação comercial<a href="#_ftn2" name="_ftnref2">[2]</a>.
A flexibilidade nas operações, para além do que está estritamente previsto no contrato, é de suma importância para que se almeje tamanha resiliência operacional que demonstre verdadeiro desenvolvimento do país no setor.
Não por acaso, mesmo com a relevância das tragédias decorrentes das chuvas – e que geraram imagens impactantes em todo o estado –, foi possível alcançar avanços significativos. Adaptando a execução do serviço público concedido, foi possível (i) retomar os serviços de check-in no próprio terminal de passageiros<a href="#_ftn3" name="_ftnref3">[3]</a>, ainda com a operação na Base Aérea de Canoas, (ii) retirar aeronaves represadas no complexo aeroportuário, em operação especial com o Departamento de Controle do Espaço Aéreo<a href="#_ftn4" name="_ftnref4">[4]</a> e, finalmente, (iii) a partir de obras de reabilitação do aeroporto, obter autorização para venda de passagens com origem e destino em Porto Alegre, em uma retomada gradual<a href="#_ftn5" name="_ftnref5">[5]</a>.
A experiência demonstrou que a colaboração ativa não apenas facilita a gestão de crises, mas também fortalece a confiança entre as partes, criando um ambiente propício para futuras negociações.
O caso específico de Porto Alegre já gera discussões a respeito do reequilíbrio econômico-financeiro do contrato, que prevê a alocação, ao poder concedente, dos riscos relacionados à ocorrência de eventos de força maior ou caso fortuito, exceto quando a sua cobertura possa ser contratada junto a instituições seguradoras.
A previsão adianta que haverá discussões quanto aos custos concernentes à retomada do serviço público concedido, assim como as repercussões decorrentes de eventuais limites na cobertura securitária, o que reforça que o diálogo contínuo não deve ser limitado a momentos de emergência, mas cultivado constantemente para permitir respostas rápidas, resolutivas e coordenadas em qualquer circunstância.
Um exemplo disso é a aprovação recente de uma recomposição cautelar, por parte da Anac, que, antecipando-se às discussões mais complexas do reequilíbrio, visa viabilizar a reconstrução do aeroporto<a href="#_ftn6" name="_ftnref6">[6]</a>.
Espera-se que as lições aprendidas com os impactos das chuvas no aeroporto de Porto Alegre sirvam de guia para futuras concessões, ressaltando que uma postura dialógica e flexível não só garante a resiliência das operações, mas também promove a sua sustentabilidade.
Em um ambiente em que as primeiras concessões aeroportuárias vêm sendo objeto de repactuações<a href="#_ftn7" name="_ftnref7">[7]</a><a href="#_ftn8" name="_ftnref8">[8]</a> em ambientes consensuais, ao adotarem essas práticas, concessionárias e poder concedente podem mitigar riscos, proteger os interesses públicos e privados, e construir um caminho sólido para o futuro das concessões no Brasil.
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<a href="#_ftnref1" name="_ftn1">[1]</a>ABR - Associação Brasileira das Empresas Aéreas. Reconhecemos a importância vital das concessões para o desenvolvimento do Brasil. Disponível em: <a href="https://abr.aero/reconhecemos-a-importancia-vital-das-concessoes-para-o-desenvolvimento-do-brasil/">https://abr.aero/reconhecemos-a-importancia-vital-das-concessoes-para-o-desenvolvimento-do-brasil/</a>. Acesso em: 12 ago. 2024.
<a href="#_ftnref2" name="_ftn2">[2]</a> AGÊNCIA NACIONAL DE AVIAÇÃO CIVIL (ANAC). MPOR apresenta malha aérea emergencial para o Rio Grande do Sul. Disponível em: <a href="https://www.gov.br/anac/pt-br/noticias/2024/mpor-apresenta-malha-aerea-emergencial-para-o-rio-grande-do-sul">https://www.gov.br/anac/pt-br/noticias/2024/mpor-apresenta-malha-aerea-emergencial-para-o-rio-grande-do-sul</a>. Acesso em: 12 ago. 2024.
<a href="#_ftnref3" name="_ftn3">[3]</a> AGÊNCIA BRASIL. Aeroporto de Porto Alegre (RS) retoma serviços de check-in na segunda-feira (15/7). Agência Brasil, 2024. Disponível em: <a href="https://agenciagov.ebc.com.br/noticias/202407/aeroporto-de-porto-alegre-rs-retoma-servicos-de-check-in-na-segunda-feira-15-7">https://agenciagov.ebc.com.br/noticias/202407/aeroporto-de-porto-alegre-rs-retoma-servicos-de-check-in-na-segunda-feira-15-7</a>. Acesso em: 12 ago. 2024.
<a href="#_ftnref4" name="_ftn4">[4]</a> AGÊNCIA NACIONAL DE AVIAÇÃO CIVIL (ANAC). ANAC autoriza, em caráter excepcional, retirada de aeronaves do aeroporto de Porto Alegre. Gov.br, 2024. Disponível em: <a href="https://www.gov.br/anac/pt-br/noticias/2024/anac-autoriza-em-carater-excepcional-retirada-de-aeronaves-do-aeroporto-de-porto-alegre">https://www.gov.br/anac/pt-br/noticias/2024/anac-autoriza-em-carater-excepcional-retirada-de-aeronaves-do-aeroporto-de-porto-alegre</a>. Acesso em: 12 ago. 2024.
<a href="#_ftnref5" name="_ftn5">[5]</a> AGÊNCIA NACIONAL DE AVIAÇÃO CIVIL (ANAC). Governo federal autoriza venda de passagens de e para o aeroporto de Porto Alegre (RS). Gov.br, 2024. Disponível em: <a href="https://www.gov.br/anac/pt-br/noticias/2024/governo-federal-autoriza-venda-de-passagens-de-e-para-o-aeroporto-de-porto-alegre-rs">https://www.gov.br/anac/pt-br/noticias/2024/governo-federal-autoriza-venda-de-passagens-de-e-para-o-aeroporto-de-porto-alegre-rs</a>. Acesso em: 12 ago. 2024.
<a href="#_ftnref6" name="_ftn6">[6]</a> AGÊNCIA NACIONAL DE AVIAÇÃO CIVIL. ANAC aprova medida mitigatória de R$ 426 milhões para aeroporto de Porto Alegre. Disponível em: <a href="https://www.gov.br/anac/pt-br/noticias/2024/anac-aprova-medida-mitigatoria-de-r-426-milhoes-para-aeroporto-de-porto-alegre">https://www.gov.br/anac/pt-br/noticias/2024/anac-aprova-medida-mitigatoria-de-r-426-milhoes-para-aeroporto-de-porto-alegre</a>. Acesso em: 23 ago. 2024.
<a href="#_ftnref7" name="_ftn7">[7]</a> AGÊNCIA INFRA. Pedido de repactuação do contrato do Galeão está em fase final e pode ser enviado nas próximas semanas ao TCU. Agência Infra, 2024. Disponível em: <a href="https://agenciainfra.com/blog/pedido-de-repactuacao-do-contrato-do-galeao-esta-em-fase-final-e-pode-ser-enviado-nas-proximas-semanas-ao-tcu/">https://agenciainfra.com/blog/pedido-de-repactuacao-do-contrato-do-galeao-esta-em-fase-final-e-pode-ser-enviado-nas-proximas-semanas-ao-tcu/</a>. Acesso em: 12 ago. 2024.
<a href="#_ftnref8" name="_ftn8">[8]</a> FOLHA DE S.PAULO. Presidente do TCU libera mediação em acordo entre governo e Viracopos. Folha de S.Paulo, 2024. Disponível em: <a href="https://www1.folha.uol.com.br/colunas/painelsa/2024/03/presidente-do-tcu-libera-mediacao-em-acordo-entre-governo-e-viracopos.shtml">https://www1.folha.uol.com.br/colunas/painelsa/2024/03/presidente-do-tcu-libera-mediacao-em-acordo-entre-governo-e-viracopos.shtml</a>. Acesso em: 12 ago. 2024.

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