Rutelly Marques da Silva

Um dos aspectos que mereceu destaque da imprensa nacional e internacional no encontro do presidente <a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/lula">Luiz Inácio Lula da Silva</a> com Joe Biden no início de fevereiro foi a proposta do brasileiro de criar uma nova governança global para lidar com o clima, ou seja, de uma governança climática. A manifestação deveria soar natural para qualquer pessoa que se preocupa com a sobrevivência humana. Entretanto, mesmo aqueles que negam o que parece ser óbvio (no caso, os efeitos das mudanças climáticas nas condições da vida humana) deveriam estar atentos para o fato de que o Brasil tem muito a ganhar com uma governança climática.
Antes de se abordar os ganhos para o Brasil, é relevante apresentar, rapidamente, o conceito de governança climática. Sverker Jagers e Johannes Stripple<a href="#_ftn1" name="_ftnref1">[1]</a> afirmam que governança climática se refere aos mecanismos e medidas destinados a orientar os sistemas sociais para a prevenção, mitigação ou adaptação aos riscos representados pelas mudanças climáticas. Os autores ressaltam a relação com a governança global, uma vez que a atmosfera é um bem comum e aberto ao uso de todos, de forma que não há um governo efetivo para o clima.
Já Deborah Heinen, Alessandro Arlati e Jörg Knieling<a href="#_ftn2" name="_ftnref2">[2]</a> destacam que, como as ações envolvendo o clima são implementadas dentro das perspectivas multinível e policêntrica, a governança climática é caracterizada por: um problema particular de política interdependente; múltiplos centros de tomada de decisão que podem contribuir para a resolução do problema com base em seu domínio de influência; centros de tomada de decisão que interagem de várias maneiras, incluindo coordenação, competição, conflito e resolução de conflitos; regras em uso (legislativas ou autorregulação) que estruturam as outras dimensões de governança; e grau de dependência entre os centros decisórios, que podem ser formalmente independentes, formalmente interdependentes, ou optar por inter-relacionar suas decisões.
A complexidade em torno da governança climática, exposta resumidamente acima, indica que, para ela ser alcançada, é preciso de esforço e comprometimento, no mínimo, da grande maioria dos países, principalmente dos maiores e mais importantes economicamente. Para o Brasil, os benefícios de um movimento nesse sentido são positivos. Destacamos neste artigo dois: a chance de termos um novo modelo de desenvolvimento para a floresta amazônica e as oportunidades dele decorrentes associadas à transição para uma economia de baixo carbono.
A governança climática passa necessariamente pelo interesse em conter o desmatamento na Amazônia. Caso contrário, conforme aponta <a href="https://arapyau.org.br/wp-content/uploads/2021/10/an-agenda-for-the-development-of-the-amazon.pdf">Amazon Concertation</a><a href="#_ftn3" name="_ftnref3">[3]</a>, há risco para o compromisso de impedir que o aumento médio da temperatura supere 2ºC em relação ao período pré-industrial e 1,5ºC até 2030. Entretanto, a contenção do desmatamento na floresta amazônia requer a conciliação das necessidades de desenvolvimento e de preservação, algo que, segundo Francisco Gaetani e Izabella Teixeira<a href="#_ftn4" name="_ftnref4">[4]</a>, o Brasil ainda não conseguiu promover porque “os stakeholders da Amazônia não têm uma visão pragmática e realista sobre o seu futuro”, de forma que o cerne da questão é tornar verdes e sustentáveis as aspirações desses stakeholders.
Nesse contexto, Amazon Concertation sugere um modelo de desenvolvimento para a Amazônia: bioeconomia baseada na biodiversidade social com baixo impacto ambiental, e cuja principal premissa seja manter a floresta amazônica intacta. Esse modelo traz oportunidades: estreitamento da relação entre a economia digital, a economia criativa e solidária e a floresta; e a emergência da economia regenerativa, da economia circular, de soluções baseadas na natureza e dos pagamentos por serviços ambientais. Uma questão que se coloca é a dificuldade, senão impossibilidade, de haver um modelo de desenvolvimento sustentável e verde da floresta amazônica sem uma governança climática. Ou seja, se o mundo quer de fato conter a elevação da temperatura da Terra, a governança climática, além de essencial, deve viabilizar um novo modelo de desenvolvimento para a floresta amazônica.
A concepção de um novo modelo de desenvolvimento para a Amazônia traz consigo oportunidades adicionais para o Brasil. Joana Castro Pereira<a href="#_ftn5" name="_ftnref5">[5]</a> argumenta que o potencial brasileiro de transição para uma economia de baixo carbono coloca o país em uma posição favorável: no jogo político internacional para articular os principais interesses e impulsionar um acordo efetivo de mitigação das alterações climáticas; para obter vantagens na transição para uma economia de baixo carbono e ser uma “ligação entre países desenvolvidos e emergentes, no sentido de impulsionar um grande acordo climático internacional”.
A associação entre o desenvolvimento da floresta amazônica e a transição para uma economia de baixo carbono, dadas as condições privilegiadas brasileiras para ofertar energia elétrica renovável, permite que o Brasil tenha vantagem competitiva na produção e exportação de bens e serviços. Nesse contexto, o sucesso da governança climática reduz custos para o Brasil. Por exemplo, as mudanças climáticas estão provocando alterações nos regimes de chuvas e causando eventos climáticos extremos e, no setor elétrico brasileiro, isso significa energia elétrica mais cara em virtude do acionamento de termoelétricas; no setor agropecuário, queda na produtividade e maiores custos. Não devemos esquecer, ainda, a importância de os produtos brasileiros não sofrerem com barreiras ambientais no comércio internacional.
No processo de construção de uma governança climática, o Brasil, para maximizar os benefícios potenciais que pode obter, deve recuperar a capacidade de interlocução e buscar se inserir na liderança nas discussões ambientais. Nessa linha, Francisco Gaetani e Izabella Teixeira afirmam que a “Amazônia é, de fato, a carta mais importante que o Brasil pode jogar nas discussões internacionais”. Esse fato nos mostra a necessidade de a interlocução do país com outras nações ser pautada em uma visão de que um modelo de desenvolvimento para a Amazônia alinhado com a importância da floresta para a governança climática não significa perda da soberania de parte do território nacional. Esse é um mito que parte da sociedade brasileira precisa abandonar.
Em resumo, a governança climática pode: contribuir para um novo modelo de desenvolvimento para a Amazônia; gerar demanda para bens e serviços de baixo carbono produzidos no Brasil; reduzir custos no sistema produtivo decorrentes de eventos climáticos extremos; dar mais relevância para o Brasil no plano internacional. Por isso, faz todo o sentido o Brasil ter como um dos temas de sua agenda externa o tema da governança climática.
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<a href="#_ftnref1" name="_ftn1">[1]</a> JAGERS, S. C.; STRIPPLE, J. Climate Governance Beyond the State. Global Governance: A Review of Multilateralism and International Organizations 9(3): 385–99, 2003.
<a href="#_ftnref2" name="_ftn2">[2]</a> HEINEN, D.; ARLATI, A.; KNIELING, J. Five Dimensions of Climate Governance: A Framework for Empirical Research Based on Polycentric and Multi‐level Governance Perspectives. Environmental Policy and Governance 32(1):56–68, 2022.
<a href="#_ftnref3" name="_ftn3">[3]</a> Amazon Concertation. An agenda for the development of the Amazon. Amazon Concertation, 2021.
<a href="#_ftnref4" name="_ftn4">[4]</a> GAETANI, F.; TEIXEIRA, I. Os tempos, eles estão mudando: perspectivas sobre a agenda brasileira para o desenvolvimento sustentável. Policy Paper. Coleção de Papers CEBRI&amp;KAS. Rio de Janeiro: CEBRI, 2020.
<a href="#_ftnref5" name="_ftn5">[5]</a> PEREIRA, J. C. O Brasil e a governança climática global (2020-2024): entre o conservadorismo e o reformismo de vanguarda. Carta Internacional, v. 8, n.1, jan-jul/2013, pag. 91-110.

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