Laírcia Vieira Lemos

<h3>I. Introdução</h3>
A impenhorabilidade foi determinada pelo ordenamento jurídico visando evitar que o devedor viesse a perder o essencial para a manutenção digna de sua vida e de seus familiares em razão de atos constritivos realizados no processo judicial.
É cediço que o aumento dos profissionais liberais exercendo seu trabalho como prestadores de serviço de forma autônoma e independente, diversa da relação prevista na Lei como de trabalho, seja por necessidade, seja por interesse, não permite que esses alcancem valores dignos da aposentadoria através da previdência social fornecida pelo Estado.
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Tal acontecimento social resultou na busca pela previdência privada, alternativa que visa garantir reserva financeira que permita uma vida digna e tranquila na velhice. Em razão disso, é válido discutir a possibilidade ou não de penhora sobre a reserva, devendo ser analisada a sua natureza para fazer uma melhor interpretação da Lei.
<h3>II. Da natureza da previdência privada</h3>
A previdência privada se trata de fundo de sobrevivência futura, em relação a pessoas que não percebem verbas de natureza previdenciária por empregadores. Trata-se de fundo que se patrocina com <a href="https://www.jota.info/tributos-e-empresas/tributario/contribuicoes-previdenciarias-entenda-como-sao-calculadas-e-cobradas-13052021">contribuições de longo prazo</a> com escopo de sobreviver daquela reserva que constituiu em um futuro no qual a atividade laborativa naturalmente reduz.
A única distinção com a previdência social estatal é que aquela é imposta pelo Estado nas relações de trabalho regidas pela Consolidação das Leis do Trabalho, alcançando apenas aqueles que se encontram nesse tipo de relação na condição de empregado. Todos os demais não são beneficiados a menos que constituam a própria reserva. A previdência privada tem exercido essa função e se distingue apenas por ser resultado de relação entre privados.
Assim, não há distinção na natureza de ambas as previdências, constituindo-se a previdência privada em plano de aposentadoria de iniciativa do próprio beneficiado visando a percepção de vida digna na mesma proporção que a estatal, tendo a mesma natureza.
Se trata de valor relativo à suplementação de aposentadoria, resultado de investimento de baixo risco, seguro e de longo prazo, possuindo, nesse sentido, caráter alimentar, o qual visa a percepção de renda suficiente para manutenção futura da vida digna própria e familiar. É uma das formas de equiparar a percepção de valores em idade avançada ao salário dos trabalhadores da ativa, garantindo dignidade para quem contribuiu.
<h3>III. Impenhorabilidade da verba</h3>
É preciso entendermos a ratio da Lei para uma correta aplicação dela. Nesse sentido, conforme indicado, a impenhorabilidade tem como escopo principal evitar que o Devedor reste desamparado financeiramente em razão de constrições judiciais, visando resguardar garantias constitucionais. Por essa razão, o dispositivo legal indica:
Art. 833. São impenhoráveis: (...) IV - os vencimentos, os subsídios, os soldos, os salários, as remunerações, os proventos de aposentadoria, as pensões, os pecúlios e os montepios, bem como as quantias recebidas por liberalidade de terceiro e destinadas ao sustento do devedor e de sua família, os ganhos de trabalhador autônomo e os honorários de profissional liberal, ressalvado o § 2º; (...) Grifos nossos.
Da leitura do art. 833, inciso IV, do CPC, verifica-se que os valores acumulados na previdência privada são totalmente impenhoráveis, não apenas por equiparação com a aposentadoria, mas por ter como destinação o sustento do beneficiado e de sua família, o que enquadra a previdência privada como impenhorável.
Cabe a leitura dos arts. 1º e 2º da Lei Complementar nº 109/2001 que dispõe sobre Regime de Previdência Complementar, in verbis:
Art. 1º O regime de previdência privada, de caráter complementar e organizado de forma autônoma em relação ao regime geral de previdência social, é facultativo, baseado na constituição de reservas que garantam o benefício, nos termos do caput do art. 202 da Constituição Federal, observado o disposto nesta Lei Complementar.
Assim, os valores existentes em plano de previdência privada têm caráter alimentar e, conforme a previsão do art. 144 da Lei nº 8.213/1991, “o benefício não pode ser objeto de penhora, arresto ou sequestro, sendo nula de pleno direito a sua venda ou cessão, ou a constituição de qualquer ônus sobre ele”.
Ou seja, todo o dinheiro que uma pessoa guardou, cuja a destinação seja o sustento próprio e familiar, é impenhorável. Trata-se aqui da análise literal da disposição legal, que considera, em seu texto, impenhoráveis os valores que tenha essa destinção. Por essa razão, a monta localizada na previdência privada é impenhorável por se tratar de valor economizado e reservado em dinheiro, destinados ao sustento próprio e familiar.
São, portanto, impenhoráveis na forma da Lei, salvo nos casos que se enquadre em uma das exceções previstas na Lei, como no caso do § 2º do art. 833 do CPC. A penhora sobre tais verbas só pode ocorrer EXCEPCIONALMENTE, quando se tratar de pagamento de pensão alimentícia e/ou sobre os valores excedentes a 50 (cinquenta) salários-mínimos mensais. Ou seja, que não sejam de natureza alimentar.
Sabe-se que a base das regras de impenhorabilidade é exatamente a possibilidade de subsistência e a natureza alimentícia dos recursos ali indicados. Dito isso, o zelo com a dignidade da pessoa humana ganha mais força quanto ao debate sobre a aplicabilidade do art. 833 do Código de Processo Civil, que enumera o que o ordenamento jurídico considerada absolutamente impenhorável.
Conforme alhures, ainda que o disposto no art. 833, IV, do CPC não mencione expressamente o Fundo de Previdência Privada, é de fácil conclusão que o fundo foi formado por valores apartados dos ganhos percebidos pelo beneficiário ao longo da vida e que visa complementar ou mesmo garantir fonte de renda suficiente para prover sustento adequado.
<h3>IV. Conclusão</h3>
O art. 832 do CPC indica que “não estão sujeitos à execução os bens que a lei considera impenhoráveis ou inalienáveis”, não pode, dessa forma, os valores aqui sob análise serem penhorados. O ordenamento jurídico privilegia claramente a dignidade da pessoa humana e a necessidade da sobrevivência pessoal em prejuízo de débitos de outras naturezas.
É exatamente em razão disso que as exceções para a impenhorabilidade são a prestação alimentícia e valores excedentes aos 50 (cinquenta) salários-mínimos mensais, pois essas possibilidades fogem à regra da manutenção e sobrevivência do devedor.
Vê-se, então, que os preceitos legais e constitucionais superam quaisquer direitos creditórios, sendo impenhoráveis os valores alocados em previdência privada, eis que a constrição desses valores afronta o princípio dignidade da pessoa humana.
Em se tratando de uma questão de justiça ou não para com o Credor e seu direito creditício, a letra da lei delimita como impenhorável a verba na medida em que a destinação seja alimentar. Caso a sociedade e o entendimento jurisprudencial siga no sentido de permitir a penhora sobre a verba, cabe ao legislador ajustar a previsão legal atualmente existente.

Mão idoso

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JOTA

Análise da natureza alimentar da verba e aplicação do art. 833, inciso IV, do CPC

A impenhorabilidade do fundo de previdência privada

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