José Eduardo Faria

À medida que a idade avança, fatos antigos retornam à memória. Os últimos acontecimentos sobre os quais refleti dizem respeito ao meu universo profissional, à carreira acadêmica, e ao avanço da tecnologia, especialmente o avanço da <a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/inteligencia-artificial">inteligência artificial</a>, exigindo limites à sua utilização na rede escolar de ensino básico e nas universidades.
Há três décadas, ao chegar a Lecce para dar um ciclo de palestras na Università del Salento, um de seus dirigentes, o filósofo Rafael di Giorgi, contou-me o que ocorria nos cursos de direito em toda a Itália. Avessos à redação de um trabalho de conclusão de curso, que é obrigatório, um grupo de estudantes passou a comprar as teses de láurea apresentadas nas universidades da região norte para revendê-las aos estudantes do sul. Em seguida compravam as teses apresentadas nas universidades do sul e as revendiam a colegas da região norte do país. O grupo enriqueceu com esse tipo de “negócio”.
<h3><a href="https://conteudo.jota.info/marketing-lp-newsletter-ultimas-noticias">Assine a newsletter Últimas Notícias do JOTA e receba as principais notícias jurídicas e políticas do dia no seu email</a></h3>
Décadas depois, vivi outra experiência semelhante. Uma antiga orientanda minha na USP, Camila Duran, que se tornou professora de sociologia do direito e passou um período ensinando no Instituto de Ciências Políticas de Paris (Sciences Po), contou-me de sua crescente insegurança na avaliação dos trabalhos de conclusão de curso entregues por seus alunos. Com o avanço da computação, o corta e cola dos tablets propiciou que os pós-graduandos “escrevessem” suas teses sem que ela tivesse segurança de saber se o texto era original.  O mesmo já vinha acontecendo comigo na Faculdade de Direito da USP.
A chegada de ferramentas de IA, como o ChatGPT, só tende a exponenciar esse problema. Ele envolve novos valores, novas técnicas e novas práticas, demandando por isso regras severas para evitar o mau uso das novas tecnologias generativas. O risco é que, dependendo do grau de severidade dessas regras, os alunos acabem sendo inibidos a explorar as potencialidades das novas ferramentas, limitando-se a produzir textos inconsistentes e inconvincentes em termos de método e de fluidez.
Pedagogos e tecnólogos têm lembrado que uma coisa é pensar de modo responsável com a IA generativa para solucionar problemas, incorporando-a às técnicas de ensino. Outra coisa é refletir criticamente sobre o alcance e os limites éticos das interfaces possíveis das novas tecnologias.
Essa distinção é importante. A partir dela, agências de fomento à pesquisa, como o CNPq e a Fapesp, e instituições universitárias do porte de USP, Unicamp e FGV já vêm discutindo o que pode ser aceito como conhecimento válido após o advento da IA generativa.
Buscando uma resposta para essa indagação, essas agências e instituições afirmam que, se por um lado as novas ferramentas digitais podem desenvolver e aprofundar as formas de participação, de fortalecimento da cidadania, de engajamento cívico, de integração social de grupos marginalizados e de seu empoderamento político, por outro lado elas implicam riscos de segurança, de enviesamento, de desinformação, de abusos e da falta de honestidade acadêmica.
Também chamam atenção para o perigo das discriminações que podem ser feitas por meio de algoritmos e do poder desestabilizador da disseminação em massa de informações distorcidas ou mentirosas.
Igualmente, temem que, por fornecer respostas prontas, a utilização abusiva da IA acabe prejudicando a própria aprendizagem de alunos e interferindo negativamente na capacidade de análise e no alcance do pensamento crítico de discentes, docentes e até mesmo de pesquisadores. Por fim, advertem para o fato de que a ciência e a política têm racionalidades distintas – ou seja, a ciência opera por meio do código da verdade, enquanto a política opera sob o código do poder.
A IA generativa pode trazer progresso e expansão econômica, dizem seus defensores mais exacerbados. Mas a que custos? Foi a falta de uma resposta objetiva para esta indagação que me trouxe à cabeça o que pude ver no passado. Ou seja: os expedientes imorais de um grupo de alunos italianos de direito na década de 1990, traficando teses de conclusão de curso; e as artimanhas não menos imorais de um grupo de alunos franceses de ciência política que, na década de 2020, desprezaram a ética ao valer-se da tecnologia para submeter dissertações suspeitas de plágio aos seus orientadores.

chatgpt (3)

https://images.jota.info/wp-content/uploads/2021/09/copy-of-jota-logo-high-cmyk.jpeg

JOTA

Inteligência artificial na educação exige regras rígidas para evitar plágio e preservar ética acadêmica

A IA generativa e suas implicações éticas

IA generativa na educação exige regras rígidas para evitar plágio e preservar a ética acadêmica