Tatiane Moreira de Souza

Desde tempos imemoriais constata-se a cobrança de tributos. O primeiro achado faz referência a uma placa de 2.350 a.C., na qual estava descrito as reformas empreendidas pelo rei Urukagina na cidade-estado de Lagash, localizada na Suméria, entre os rios Tigre e Eufrates. <a href="#_ftn1" name="_ftnref1">[1]</a>
E também de tempos imemoriais remonta o surgimento da desigualdade de gênero na sociedade. Foram realizados estudos sistemáticos das desigualdades de gênero com base em dados arqueológicos, os quais apontam que a predominância do homem sobre a mulher teve início no período Neolítico, no qual foram estabelecidas as bases para dominação do ser masculino sobre o feminino<a href="#_ftn2" name="_ftnref2">[2]</a>.
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Verifica-se, portanto, que tanto o surgimento dos tributos, quanto o surgimento da desigualdade de gênero, remonta de tempos antiquíssimos. Nesse passo, constata-se que o sistema tributário e sistema do patriarcado coexistem ao mesmo tempo, estando necessariamente interligados.
Ou seja, se foram os homens que criaram os tributos, e, consequentemente, o próprio sistema tributário, o ponto de vista do outro, no caso, o ponto de vista feminino, não foi ponderado, ou melhor, não foi colocado em pauta no debate.
Tal narrativa foi contada e escrita pela sociedade ao longo das décadas, em virtude do sistema patriarcal que está enraizado no seio da sociedade, constituindo um sistema sociopolítico que coloca o homem no centro do poder, especialmente, o homem branco, em detrimento, de outros agrupamentos de indivíduos.
<blockquote class="jota-article__eye">As histórias do tributo e da sobreposição do homem sobre a mulher se intercruzam desde o início dos tempos, criando uma história única e enviesada, pois, ambas, foram utilizadas como forma de opressão de um grupo sobre o outro.</blockquote>
De um lado, o “soberano” cobrando impostos extorsivos dos “súditos”; e, de outro lado, uma classe de pessoas condicionadas a uma posição hierarquicamente inferior. Tais fatos conjuntamente analisados desembocaram no retrato do atual sistema tributário que privilegia grupos em detrimentos de outros, ou seja, aqueles que ganham mais em prejuízo daqueles que ganham menos.
Dentro dessa linha de ideias, necessário se faz registrar que a questão da desigualdade no sistema tributário brasileiro deve ser avaliada através da interpenetração de três bases distintas, quais sejam: sexo/gênero, raça/etnia e classe social, pois há maiores níveis de vulnerabilidade econômica e social nas populações de cor ou raça preta, parda e indígena e entre as mulheres, como demonstram diferentes indicadores sociais que vêm sendo divulgados sistematicamente nos últimos anos.
Inclusive, segundo dados divulgados Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas – IPEA no estudo Retrato das desigualdades de gênero e raça<a href="#_ftn3" name="_ftnref3">[3]</a>, torna-se possível concluir os homens brancos encontram-se no topo, enquanto as mulheres pretas encontram-se na base.
A partir dessa linha argumentativa, adentramos o termo interseccionalidade que nos permite compreender melhor as desigualdades e a sobreposição de opressões e discriminações existentes na sociedade. Embora, o referido termo tenha sido de fato sistematizado em 1989 na tese de doutorado da professora Kimberle Willians da Universidade de Columbia, os debates acerca dos fatos sociais, sob essa perspectiva, surgiram a partir das lutas dos movimentos feministas negros nos Estados Unidos e no Reino Unido entre 1970 e 1980, fazendo parte desse movimento Ângela Davis, nascida em 1940, no estado do Alabama, Estado Unidos, que sempre militou na luta pelo rompimento das assimetrias sociais.
Esse olhar é essencial, na medida em que à época supramencionada, já se verificava que os movimentos feministas das mulheres brancas não atendiam as demandas dos movimentos feministas das mulheres negras, pois cada grupo possuía causas e lutas diferenciadas, em razão da dinâmica social, da própria dinâmica da desigualdade, que atinge cada grupo de maneira diferente e que uma injustiça social não pode ser escolhida, ou melhor, sacrificada em prol de outra.
O exame operado por essa perspectiva é imprescindível para a compreensão da realidade do nosso país, no qual as mulheres negras são as mais prejudicadas também no sistema tributário.
A ideia de que os movimentos feministas das mulheres brancas não lutavam pelos direitos de todas as mulheres já havia sido refletida há muito tempo. Aliás, em 1851 a abolicionista e defensora dos direitos das mulheres Sojourner Truth na intervenção na Women’s Rights Convention em Akron, Ohio, Estados Unidos, fez um discurso conhecido mundialmente como: “Eu não sou uma mulher? <a href="#_ftn4" name="_ftnref4">[4]</a>”, no qual além de lutar pelos direitos das mulheres como um todo, demonstrou que haviam diferenças substancias entre as desigualdades praticadas contra as mulheres brancas e contra as mulheres negras.
Essa dinâmica social, conforme dito alhures, culminou com o retrato da regressividade dos sistemas tributários ao redor do mundo, que foram sendo paulatinamente constituídos a partir de uma história única, qual seja, a história do homem branco e rico, o que culmina com a desigualdade de raça, gênero e classe, que se perpetua no presente, reelaborando-se dia após dia, a partir de ponto de vista predominante.
Parafraseando Chimamanda Ngozi Adichie<a href="#_ftn5" name="_ftnref5">[5]</a> o problema da história única é que ela cria estereótipos, e o problema com os estereótipos não é que sejam mentira, mas que são incompletos.
Dessa forma, compreende-se que para que seja alcançado um sistema tributário ótimo, redutor das desigualdades de raça, gênero e classe, primordial que sejam avaliadas as angulações e perspectivas de todos os grupos de indivíduos, ponderando-se às suas singularidades e especificidades, recriando a história de maneira completa, pois ninguém jamais será capaz de conhecer em intensidade as necessidades e características do outro.
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<hr />
<a href="#_ftnref1" name="_ftn1">[1]</a> FERREIRA, RODRIGO. Tributos: origem e evolução. Breve abordagem histórica sobre a evolução dos tributos. Disponível em: &lt;<a href="https://rfersantos.jusbrasil.com.br/artigos/222353175/tributos-origem-e-evolucao#:~:text=O%20texto%20mais%20antigo%20encontrado,os%20rios%20Tigre%20e%20Eufrates">https://rfersantos.jusbrasil.com.br/artigos/222353175/tributos-origem-e-evolucao#:~:text=O%20texto%20mais%20antigo%20encontrado,os%20rios%20Tigre%20e%20Eufrates</a>&gt;. Acesso em 29 de abril de 2021.
<a href="#_ftnref2" name="_ftn2">[2]</a> Peña-Cintas, Marta, Sanjuán, Leonardo Gárcia. Gender Inequalities in Neolithic Iberia: A Multi-Proxy Approach. Disponível em: &lt;<a href="https://www.cambridge.org/core/journals/european-journal-of-archaeology/article/gender-inequalities-in-neolithic-iberia-a-multiproxy-approach/7CA3A7DB7D56AFF67784371206E1D86C">https://www.cambridge.org/core/journals/european-journal-of-archaeology/article/gender-inequalities-in-neolithic-iberia-a-multiproxy-approach/7CA3A7DB7D56AFF67784371206E1D86C</a>&gt;. Acesso em: 29 de abril de 2021.
<a href="#_ftnref3" name="_ftn3">[3]</a> Disponível em: &lt;<a href="https://www.ipea.gov.br/retrato/apresentacao.html">https://www.ipea.gov.br/retrato/apresentacao.html</a>&gt;. Acesso em 29 de abril de 2021.
<a href="#_ftnref4" name="_ftn4">[4]</a> Disponível em: &lt;<a href="https://www.geledes.org.br/e-nao-sou-uma-mulher-sojourner-truth/">https://www.geledes.org.br/e-nao-sou-uma-mulher-sojourner-truth/</a>&gt;. Acesso em 29 de abril de 2021.
<a href="#_ftnref5" name="_ftn5">[5]</a> Palestra disponível em: &lt;HTTPS://YOUTU.BE/D9IHS241ZEG&gt;.

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JOTA

É primordial que sejam avaliadas as angulações e perspectivas de todos os grupos de indivíduos

A história única no sistema tributário: desigualdade de gênero

É primordial que sejam avaliadas as angulações e perspectivas de todos os grupos de indivíduos