Laírcia Vieira Lemos

A legislação brasileira determinou a impenhorabilidade visando evitar que o devedor viesse a perder o que se faz essencial para a regular manutenção de sua vida e de seus familiares em virtude de atos constritivos realizados no processo judicial.
Contudo, ressalta-se que a impenhorabilidade tem sido gradualmente relativizada pelos Tribunais Pátrios em determinados casos.
Sem dúvidas, isso é reflexo do atual quadro econômico brasileiro, em que as relações creditícias se encontram abaladas pela inadimplência de devedores contumazes, que se acomodam diante da enorme dificuldade que seus credores detêm em recuperar o crédito. Diante disso, a (im)penhorabilidade carece de adequação à realidade fática do caso.
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<h1 class="western" lang="x-none">Efetividade da tutela jurisdicional na Execução</h1>
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A execução é meio para satisfazer direito material, entretanto, não é incomum encontrar processos que não possuem o menor êxito processual. Na verdade, o cotidiano forense revela – não raras vezes – que o credor não tem conseguido receber o seu crédito em juízo, sendo de conhecimento notório que, mesmo com direito consolidado, a execução é insatisfatória, em virtude dos entraves que obstam a sua efetividade.
Alguns institutos do Código de Processo Civil mostram-se obsoletos, defasados e incapazes de proporcionar a tão almejada efetividade da tutela executiva.
A impenhorabilidade do salário, não diferente, remete a uma colisão de direitos fundamentais, quais sejam a proteção da dignidade da pessoa humana do devedor e a efetividade processual do credor. Razão pela qual se faz importante a quebra do dogma de impenhorabilidade absoluta.
Sob este enfoque, considerando a necessidade de equilíbrio de direitos fundamentais de credor e devedor, utilizando-se do princípio da proporcionalidade, o Judiciário passou a consentir à penhora salarial em favor da efetividade da execução.
Sendo direito do litigante Credor provocar o Judiciário e dele receber não só uma decisão justa, mas principalmente um resultado efetivo, deve o magistrado cotejar as normas com os princípios, agir com cautela e ponderar as necessidades de credor e devedor, efetivando-se e materializando o direito postulado.
O Processo Civil Brasileiro tem vivido, ao longo dos últimos anos, uma crise na efetiva entrega do direito postulado quando se trata da dificuldade na recuperação do crédito via tutela jurisdicional e essa problemática decorre, principalmente, na rigidez do art. 833 do CPC que veda a penhora de valores de natureza salarial ferindo veemente o princípio da Efetividade da Tutela Jurisdicional.
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<h1 class="western" lang="x-none">O objetivo da impenhorabilidade versus inadimplência perpétua</h1>
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Não há sentido que o Judiciário dê azo para que o devedor permaneça inadimplente estando apto a pagar o débito, ainda que parcialmente, tendo as regras da impenhorabilidade como absolutas independentemente do caso. Por essa razão que o instituto da impenhorabilidade tem sido flexibilizado, sob pena de o Credor ver seu direito completamente prejudicado ao ver legitimada a inadimplência do Devedor.
Outrossim, a impenhorabilidade tem por função preservar a dignidade humana, mas não pode servir de impedimento ao cumprimento da responsabilidade patrimonial assumida pelo Executado. Admitir a impenhorabilidade total de quaisquer valores bloqueados implicaria admitir que todos aqueles que tenham como única fonte de renda o salário – o que consiste na regra geral – jamais se sujeitarão a uma execução forçada, premiando-se e inadimplência e o enriquecimento sem causa.
A regra estampada no artigo 833 do CP leva a relação jurídica creditícia à inadimplência perpétua, a não ser que o Devedor incorra em atos ilícitos e obtenha ganhos a partir daí, ou através de atos de liberalidade, como doações ou sorte.
Ademais, contraria o art. 835 do CPC, eis que esse indica ser dinheiro o primeiro na ordem de preferência da penhora. Se faz necessário, portanto, adequar o dispositivo legal que trata sobre impenhorabilidade aos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade, visando garantir ao Credor o seu direito de reaver o crédito.
Essa flexibilização já é admitida no ordenamento jurídico através da Jurisprudência, com o principal propósito de efetivar o processo de execução e consequentemente entregar ao credor o seu direito.
O que observamos, em regra é o Executado buscando o Judiciário para legitimar a sua inadimplência quando se manifesta os autos pela impenhorabilidade dos valores constritos por decisão judicial, ainda que detenha a possibilidade de pagar, ainda que parcialmente, sua dívida para com o Exequente.
Para ser possível determinar a impenhorabilidade de forma a não ensejar a insegurança jurídica, é preciso que o devedor comprove serem os valores os quais alega impenhoráveis são ESSENCIAIS para a manutenção de sua vida e de seus familiares.
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<h1 class="western" lang="x-none">A perda da natureza salarial</h1>
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Acerca do assunto, é válida a análise de jurisprudências que afastam a natureza salarial de valores constantes na conta bancária do Executado a mais de 30 (trinta) dias, que tenham sido aplicados em fundos de investimentos ou que ultrapassem o valor necessário para subsistência do devedor e família.
Sobre a matéria, o Egrégio STJ já assentou que a remuneração que se reveste da impenhorabilidade ''é a última percebida, no limite do teto constitucional de remuneração (CF, art. 37, XI e XII), perdendo esta natureza a sobra respectiva, após o recebimento do salário ou vencimento seguinte''<a class="sdfootnoteanc" href="#sdfootnote1sym" name="sdfootnote1anc">1</a>.
Nesse sentido, o salário somente é impenhorável enquanto mantiver tal natureza jurídica. Assim, o salário depositado em conta-corrente bancária e não utilizado pelo devedor, sendo nela mantido conta por lapso superior a 30 (trinta) dias ou mesmo transferidos com escopo de investimento, deixa de ostentar aquela natureza, passando a ser ativo financeiro e, por tal motivo, perde a sua impenhorabilidade, admitida sua relativização.
Ainda sobre a matéria, é válido colacionar o julgado abaixo:
AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. VIOLACAO DOS ARTS. 165, 458 E 535 DO CPC/1973. NAO OCORRENCIA. PENHORA. SALARIO. PERDA DO CARATER ALIMENTAR. 1. Não viola os arts. 165, 458 e 535 do CPC/1973 o acordão que motiva adequadamente sua decisão, solucionando a controvérsia com a aplicação do direito que entendeu cabível a hipótese. 2. Esta Corte Superior firmou o entendimento de que a impenhorabilidade salarial não e absoluta, sendo que, existindo sobra salarial, esta poderá ser penhorada em razão da perda da natureza alimentar. 3. Agravo regimental não provido.<a class="sdfootnoteanc" href="#sdfootnote2sym" name="sdfootnote2anc">2</a>
Em sintonia com um critério de razoabilidade e proporcionalidade, a jurisprudência do STJ vem mitigando a regra da impenhorabilidade nas hipóteses em que o valor penhorado evidencie que excede o necessário para os gastos de manutenção digna da família do devedor.
<h1 class="western" lang="x-none">Considerações finais</h1>
As consequências da legitimação da inadimplência perpétua não prejudicam apenas o Credor, vez que, abalada a segurança jurídica dos negócios firmados, a sociedade passa a não mais agir em conformidade com presunção da boa-fé necessária para sua realização, o que acarreta no aumento dos juros ou dificuldade de acesso ao crédito, prejudicando a Economia.
Isso porque a enorme dificuldade de recuperação de crédito, ampliada pela regra da impenhorabilidade salarial, vem permitindo que os devedores se sintam seguros ao assumir dívidas das quais jamais venham a cumprir em sua totalidade – o que já ocorre – vez que restam amparados, inclusive, pelos Tribunais.
Inadmissível, assim, considerar valores que ultrapassem excessivamente as despesas do homem-médio como necessário ao sustento básico do Executado e sua família, enquanto a dívida exequenda permanece inadimplente.
Nessa possibilidade, a impenhorabilidade dos valores bloqueados fere o princípio da segurança jurídica na medida em que deixa o credor sem a garantia de receber o que lhe é devido, legitimando a perda do valor e ferindo o princípio do equilíbrio contratual.
<a name="_GoBack"></a> O desbloqueio com fundamento na impenhorabilidade absoluta, sem análise do caso a caso (tempo de inadimplência, possibilidades econômico-financeiras de quitação da dívida, entre outros fatores) afetaria a efetividade da tutela jurisdicional e a segurança jurídica, legitimando o enriquecimento ilícito do Executado que usufruí do crédito, sem jamais pagar o que deve.
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<a class="sdfootnotesym" href="#sdfootnote1anc" name="sdfootnote1sym">1</a> AgInt no REsp 1502605/DF, Rel. Ministro Raul Araújo, Quarta Turma, DJe 01/06/2017.
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<div id="sdfootnote2">
<a class="sdfootnotesym" href="#sdfootnote2anc" name="sdfootnote2sym">2</a> AgRg no REsp 1492174/PR, Rel. Ministro Ricardo Villas Boas Cueva, Terceira Turma, DJe 02/08/2016.
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JOTA

A importância da quebra do dogma de impenhorabilidade absoluta

A flexibilização da (im)penhorabilidade salarial

A importância da quebra do dogma de impenhorabilidade absoluta