O cooperativismo de crédito é um sistema altamente estruturado, estratificado em três níveis, que conta com mais de 800 cooperativas, um fundo garantidor próprio, para compartilhamento de riscos, e reúne mais milhões de cooperados, apresentando-se como importante nicho do segmento financeiro.
No Brasil, segundo dados do Banco Central, reunidos no documento “Panorama do Sistema Nacional de Crédito Cooperativo”, com base em 31 de dezembro de 2020, existiam perto de 12 milhões de pessoas, entre físicas e jurídicas, vinculadas, como cooperadas, a esse sistema, o que representa 4,9% da população brasileira. Os ativos totais do SNCC atingiram, naquele momento, o valor de R$ 371,8 bilhões, com taxa de crescimento de 35,8% ao ano, enquanto o Sistema Financeiro Nacional cresceu 25,5%.
As cooperativas de crédito podem se reunir em sistemas de segundo ou terceiro nível, o que fazem em busca de economia de escala, organizando-se sob uma estrutura piramidal: cooperativas singulares estão no primeiro grau e ocupam a base; as cooperativas centrais, de segundo grau, são a zona intermediária; e as confederações, terceiro grau, ficam no topo.
As cooperativas singulares têm por objetivo a prestação de serviços diretos aos associados, que devem ser, pelo menos, 20 cooperados. Havia 847 unidades, em dezembro de 2020, e, dessas, 222 não eram vinculadas ao sistema, conforme o BC.
As centrais ou cooperativas de 2º grau têm como objetivo organizar, em maior escala, os serviços das filiadas, facilitando a utilização recíproca dos serviços. Uma central é constituída por, no mínimo, três cooperativas singulares. Existem cinco sistemas de segundo nível, com 34 centrais.
Já as confederações possuem personalidade jurídica própria e reúnem, no mínimo três centrais, com o objetivo de defender seus interesses, promover a padronização, supervisão e integração operacional, financeira, normativa e tecnológica. Há quatro sistemas de cooperativas de crédito de terceiro nível, através de quatro confederações: Cresol, Sicoob, Sicredi e Unicredi.
O SNCC possui, ainda, os chamados “bancos cooperativos”, que devem ter controle acionário de cooperativas centrais de crédito, e fornecem produtos e serviços financeiros especialmente para os membros do sistema, tais como poupança e fundo de investimento.
O cooperativismo de crédito é bastante capilarizado: abrange mais de 2.700 municípios brasileiros, por meio de 6.474 unidades de atendimento. Por essa razão, o SNCC tem sua própria repartição de risco, por meio do Fundo Garantidor do Cooperativismo de Crédito, associação civil sem fins lucrativos, com personalidade jurídica própria, de direito privado, de abrangência nacional, tendo como associadas todas as cooperativas singulares de crédito captadoras de depósitos e os dois bancos cooperativos, Bancoob e Banco Sicredi.
Conforme a Resolução nº 4.150, de 30 de outubro de 2012, do BC, as cooperativas singulares de crédito são obrigadas à associação ao FGCoop e, conforme a Resolução nº 4.284, de 5 de novembro de 2013, a associação deve ser comprovada previamente ao início de suas operações. O FGCoop garante, por pessoa física ou jurídica, a cobertura de R$ 250 mil, abrangendo depósitos em conta ou em poupança; depósitos a prazo; letras de câmbio, imobiliárias, hipotecárias, crédito do agronegócio e operações compromissadas.
As cooperativas são reguladas pela Lei 5.764/1971, que veda ao gênero a decretação de falência. Cooperativas de crédito (espécie), por serem instituições que compõe o sistema financeiro, sujeitam-se também à Lei 6.024/1974, que permite, em seu art. 21, mediante intervenção do BC, precedida de liquidação extrajudicial, a decretação de falência, desde que seu ativo não seja suficiente para cobrir pelo menos a metade do valor dos créditos quirografários, ou quando houver fundados indícios de crimes falimentares. Aqui há um primeiro ponto de fricção entre as legislações cooperativista e financeira.
A Lei 11.101/2005, que é de 2005 (e, portanto, posterior), determina, em seu art. 2, II, que cooperativas de crédito não são por ela alcançadas. Logo, haveria um segundo conflito de normas: uma colisão entre o art. 2, II, da Lei 11.101/2005, que excluía de seu escopo de aplicabilidade as cooperativas de crédito, e o art. 21, da Lei 6.024/1974, que autorizava a autofalência dessas instituições, uma vez respeitados alguns requisitos.
Com o recente julgamento do Recurso Especial 1.878.653, pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ), encerra-se a questão, sobrepondo-se o entendimento de que é possível o processamento da autofalência: a aplicação da Lei de Recuperação de Empresas às cooperativas de crédito viabiliza seu decreto falimentar.
O julgado, relatado pelo ministro Paulo de Tarso Sanseverino, em um primeiro momento, descartou o conflito entre a Lei 6.024/1974 (que regula o sistema financeiro) e a Lei 5.764/1971 (das cooperativas), aplicando o DL 46571942 (Lei de Introdução às normas do Direito Brasileiro), em seu art. 2º, § 1º, (“A lei posterior revoga a anterior quando expressamente o declare, quando seja com ela incompatível ou quando regule inteiramente a matéria de que tratava a lei anterior”).
Em seguida, adotou a corrente doutrinária que sustenta e existência de duas exclusões do regime falimentar: total e parcial. Deste ângulo, empresas públicas, sociedades de economia mista e câmaras prestadoras de serviços de compensação e liquidação financeira são absolutamente inviáveis quando se fala em sujeição às regras de insolvência previstas na Lei 11.101/2005.
Noutro sentido, estão excluídas parcialmente companhias de seguro, operadoras de planos de saúde e instituições financeiras (abrangendo-se as cooperativas de crédito). Esse coletivo está, no entendimento que foi sedimentado, sujeito à decretação de falência, quando presentes as hipóteses legais, estabelecidas na Lei 6.024/1974.
Desta forma, tendo em vista a especialidade da Lei 6.024/1974, o enunciado normativo do art. 2º, inciso II, da Lei 11.101/2005, exclui tão somente o regime da recuperação judicial, não afastando a possibilidade de decretação da quebra com base na previsão expressa da Lei 6.024/1974, em seu art. 21, alínea b (insuficiência do ativo para cobrir pelo menos a metade do valor dos créditos quirografários, ou fundados indícios de crimes falimentares), com natural aplicação das disposições da Lei 11.101/2005, em caráter subsidiário.
A decisão da Corte esclarece um ponto importante da regulação aplicável ao caso concreto, impactando no sistema de crédito cooperativo de forma a dar clareza sobre seus processos liquidatório, embora esvazie o texto original da Lei 11.101/2005, direcionando a conclusão para o contrário da literalidade da Lei.