Ariane Costa Guimarães

Glaucia Lauletta Frascino

Os embargos de declaração opostos pela Fazenda Nacional no famoso caso da exclusão do ICMS da base de cálculo do PIS/COFINS foram pautados para julgamento no dia 5 de dezembro de 2019. Entre os pedidos formulados nos embargos de declaração está o de modulação de efeitos da decisão. Em 2017, o STF decidiu, por maioria, que o cálculo de PIS/Cofins não poderia incluir o ICMS (RE n. 574.706, Relatora Cármen Lúcia). Esse caso assumiu relevância na comunidade jurídica porque gerou expectativa em uma série de contribuintes quanto ao resultado do julgamento, bem como à União, que atribuía ao leading case a alcunha de “julgamento da década”.
Na oportunidade do enfrentamento do tema em Plenário, alguns fundamentos se destacaram, sendo o principal: a jurisprudência do STF já teria enfrentado a discussão da exclusão do ICMS da base de cálculo de PIS/Cofins em momento anterior, tendo decidido em Plenário, por 9 votos a 2, nesta mesma linha, pois “o arcabouço jurídico constitucional inviabiliza a tomada de valor alusivo a certo tributo como base de incidência de outro”.
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Na tribuna, antes do encerramento do julgamento, em face do seu potencial impacto financeiro, a Procuradoria da Fazenda Nacional requereu a modulação de efeitos da decisão para que a orientação do STF fosse aplicada apenas para os recolhimentos havidos a partir do ano de 2018. A corte, no entanto, rejeitou o pedido, na medida em que não constava dos autos. A Procuradoria da Fazenda Nacional, então, opôs embargos de declaração, mais especificamente em outubro de 2017, pautados para serem apreciados dia 5 de dezembro de 2019.
Merece maior aprofundamento a modulação de efeitos e a justificativa, com base na própria jurisprudência do STF, da razão pela qual afirmamos que ela é improvável.
Em relação às questões tributárias, o pedido de modulação de efeitos de uma decisão, seja em favor do contribuinte ou do ente público, é frequente e ancora-se na alteração de jurisprudência da corte ou dos próprios tribunais e/ou no impacto financeiro da decisão aos cofres públicos. 
O primeiro caso a ser mencionado é um recente, apreciado em 2019, no qual o STF não modulou os efeitos da decisão, mesmo tendo havido mudança de jurisprudência em desfavor do contribuinte. É a situação de restrição do direito do crédito integral de ICMS nas hipóteses de redução de base de cálculo. Em que pese tenha alterado a jurisprudência sobre o assunto, na perspectiva de todos os contribuintes representados por amici curiae, o Plenário do STF afastou a modulação de efeitos, apontando que a jurisprudência sobre o tema teria sido modificada em 2005 (RE 635688 ED, Relator: Min. GILMAR MENDES, DJ 30-05-2019). Igualmente, o STF, na deliberação sobre a exigência de ISS sobre os serviços prestados por operadores de planos de saúde, rejeitou a modulação de efeitos da decisão que determina a tributação da atividade, pois não reconheceu mudança de jurisprudência (RE 651703 ED, Relator: Min. LUIZ FUX, DJ 07-05-2019). 
Outro precedente em que a modulação de efeitos em matéria tributária foi analisada é o da declaração de constitucionalidade do Funrural. Na ocasião, o STF reconheceu que o tributo é constitucional, conforme previsto na Lei n. 10.256/2001. Os contribuintes, por sua vez, alegaram que, como se trata de uma suposta alteração de jurisprudência, deveriam ser postergados os efeitos desse julgamento, preservando-se a expectativa legítima criada pela anterior declaração de inconstitucionalidade do Funrural prevista na Lei n. 8.540/1992. Para o Ministro Alexandre de Moraes, entretanto, não houve alteração de jurisprudência ao justificar a modulação, já que “inexistiu qualquer alteração de jurisprudência dominante, pois conforme salientado anteriormente, a Corte analisou pela primeira vez a matéria, sob a ótica da EC 20, de 15/12/1998 e sua regulamentação pela Lei nº 10.256, de 9 de julho de 2001”.
Ainda no ano de 2018, o Pleno do STF (RE n. 594015 e n. 601720. Rel. Min. Marco Aurélio, sessão de julgamento do dia 20 set. 2018) enfrentou o tema relacionado à exigência de IPTU de ocupantes de bens públicos cedidos a pessoas jurídicas de direito privado e arrendados a sociedades de economia mista. No caso, o STF entendeu que, por se relacionar à exploração de atividade econômica, a cessão de bens públicos à iniciativa privada e o seu arrendamento a sociedade de economia mista permitiriam a exigência do IPTU pelos Municípios. Tal diretriz modifica a anterior orientação jurisprudencial da corte — firma no sentido de que a cessão e o arrendamento de bens públicos configurariam posse precária e, por isso, não seriam suscetíveis à incidência do IPTU; nada obstante, não houve a pretendida modulação. 
Essa mesma lógica foi utilizada pelo STF quando confirmou a constitucionalidade da incidência do IPI na importação de veículo para uso próprio do importador (DJ de 2018). Como na hipótese houve mudança de jurisprudência da corte sobre a matéria, o Ministro Roberto Barroso sugeriu que esta orientação valesse apenas para casos futuros. No entanto, o Plenário do STF rejeitou a sugestão, pois os julgados mencionados em sentido contrário foram tidos como isolados, que não caracterizariam “jurisprudência” dominante. 
Na mesma linha, em 2014 (STF, Tribunal Pleno, RE 559937, Rel. Min. Dias Toffoli, DJe; 14 out. 2014), foi rejeitado o efeito prospectivo da inconstitucionalidade da inclusão do ICMS, da contribuição ao PIS e da Cofins no valor aduaneiro, base de cálculo dos próprios PIS/Cofins incidentes sobre a importação. Para o Ministro Dias Toffoli, o impacto nos cofres públicos, alegado pela União, não se configuraria como circunstância a justificar a modulação: “a modulação dos efeitos da declaração de inconstitucionalidade é medida extrema que somente se justifica se estiver indicado e comprovado gravíssimo risco irreversível à ordem social”.
Outro tema de modulação de efeitos foi no bojo do RE n. 377.457 (DJ de 2016), em que o Plenário do STF reconheceu a constitucionalidade da revogação da isenção da Cofins para as sociedades civis. No caso, a Súmula 276, do Superior Tribunal de Justiça (STJ), enunciava que “as sociedades civis prestadoras de serviços são isentas da Cofins”, pois lei complementar não poderia ser revogada por lei ordinária. Havia, ainda, inúmeras decisões do STF no sentido de que a matéria seria de índole infraconstitucional. Apesar disso, o Supremo não apenas reconheceu o caráter constitucional da discussão como definiu, como orientação jurisprudencial, a possibilidade de lei complementar ser revogada por lei ordinária, de modo que a isenção de Cofins exigida das sociedades civis passou a ser constitucional. A modulação de efeitos da decisão foi pleiteada com base na guinada da jurisprudência sobre o assunto, mas a corte rejeitou o pedido; o Ministro Luiz Fux afirmou: “Quando se estabeleceu que deveria haver uma força vinculante da jurisprudência, pelo menos estabelecendo aquele stare decisis horizontal e vertical, o que se pensou? Pensou-se, exatamente, nesses casos em que há uma mudança abrupta da jurisprudência. Essa modificação da jurisprudência surpreende o jurisdicionado”. Em 2007, o STF alterou sua jurisprudência, que até então reconhecia a possibilidade de apropriação de crédito do IPI para aquisição de insumos isentos ou não tributados, sem qualquer restrição no tempo. 
<a name="_GoBack"></a> Os casos em que a multicitada modulação foi aceita pela corte são bem mais restritos. Para mencionar um deles, a alteração de jurisprudência da própria corte foi o único motivo para que se aplicasse a decisão sobre a exigência de taxa de combate a incêndio pelo Município de São Paulo. Neste julgamento, ocorrido em 2019, a corte limitou os efeitos no tempo de sua decisão de inconstitucionalidade da cobrança da taxa, partindo da premissa de que a jurisprudência até então sempre havia reconhecido a higidez da cobrança. Desde 1999, o Plenário atestava válida a taxa do Município de Santo André destinada a cobrir custos com a manutenção dos serviços de prevenção e extensão de incêndios (RE 643247 ED, DJ 28-06-2019). O resultado deste julgamento permitiu que as cobranças de taxas anteriormente ao julgamento de superação da jurisprudência fossem válidas.
Outra situação em que o STF restringiu os efeitos no tempo de sua decisão foi o da restituição do ICMS nas saídas com base de cálculo presumida que serviu para a apuração do ICMS recolhido antecipadamente sob a sistemática da substituição tributária, pois "altera-se parcialmente o precedente firmado na ADI 1.851, de relatoria do Ministro Ilmar Galvão, de modo que os efeitos jurídicos desse novo entendimento orientam apenas os litígios judiciais futuros e os pendentes submetidos à sistemática da repercussão geral”. A propósito, no julgamento da ADI n. 3.796, em 2017, que envolvia benefício fiscal paranaense, o Ministro Gilmar Mendes propôs a modulação, por entender que, na linha de outros precedentes, “há, portanto, razões de segurança jurídica e de interesse social a justificar”.
É importante mencionar, também, a limitação do alcance temporal da declaração de inconstitucionalidade da lei municipal de Poá (DJ 2017), reconhecida pelo STF pois, segundo a corte, a legislação local disciplinaria benefício fiscal sem observância aos parâmetros constitucionais, que, além de estabelecerem alíquota mínima do Imposto sobre Serviços (ISS), vedariam a concessão de isenções, incentivos e benefícios fiscais. 
Vale mencionar, do mesmo modo, que o STF modulou os efeitos da decisão que declarou a inconstitucionalidade do Convênio n. 101/2008, que estabelecia a obrigatoriedade de estorno de crédito de ICMS correspondente a determinadas misturas de combustíveis, já que não há de se falar em estorno sem a existência do correspondente crédito (ADI n. 4.171, DJ 2015).
Outro caso, mais longínquo, é o da inconstitucionalidade dos prazos decadencial e prescricional para exigência/devolução das contribuições previdenciárias, pela inobservância de lei complementar pelos art. 45 e 46 da Lei n. 8.212/91. 
Assim, as conclusões a que chegamos são as seguintes:
(i) O STF, via de regra, não modula os efeitos dos seus julgamentos em matéria tributária, compreendendo que a aplicação desse expediente jurídico deve ser excepcionalíssimo; 
(ii) Apesar disso, para os casos de declaração de inconstitucionalidade de benefícios fiscais, a jurisprudência atual da corte tem atribuído a eficácia prospectiva às suas decisões;
(iii) Os casos de modulação de efeitos pela corte consideraram peculiaridades de interesses de arrecadação de Municípios, Estados e União, para situações em que a declaração de inconstitucionalidade das regras gerasse desequilíbrio no pacto federativo (exigência de taxas de incêndio, estorno de ICMS para operações com misturas de combustíveis ou repartição do ICMS levada a efeito por intermédio do Protocolo n. 21);
(iv) O impacto financeiro para o ente federado, por si só, não é considerado motivo para a modulação de efeitos das decisões do STF;
(v) A mudança da orientação jurisprudencial da corte raramente é invocada para modular os efeitos das decisões (exceções são o julgamento dos RREE n. 643.247 e 593.849), sendo que ela está sempre atrelada à jurisprudência do próprio STF, não de outros tribunais;
(vi) Apesar de a mudança de jurisprudência não ter sido motivo determinante na maior parte dos casos em que a questão foi posta, é fato que a vigência do novo CPC pode provocar nova reflexão por parte dos integrantes do STF quanto à aplicação desse expediente com mais frequência.

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JOTA

A improbabilidade da modulação dos efeitos de acordo com a jurisprudência do STF

A exclusão do ICMS do PIS/COFINS

A improbabilidade da modulação dos efeitos de acordo com a jurisprudência do STF