Eleonora Mesquita Ceia

Bruno Rodrigues Vieira

Vitória Serra Molina

Ao assumir a presidência do Supremo Tribunal Federal, em setembro de 2023, <a href="https://portal.stf.jus.br/noticias/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=514903&amp;ori=1#:~:text=O%20ministro%20Lu%C3%ADs%20Roberto%20Barroso,%C3%A0%20consolida%C3%A7%C3%A3o%20da%20democracia%20brasileira.">o ministro Luís Roberto Barroso defendeu a criação de consensos</a> com vistas à consolidação da democracia brasileira. Na sessão solene de abertura do ano judiciário de 2024, <a href="https://portal.stf.jus.br/noticias/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=525993&amp;ori=1#:~:text=Na%20sess%C3%A3o%20solene%20de%20abertura,entre%20os%20Poderes%20da%20Rep%C3%BAblica.">o ministro celebrou à convivência harmoniosa entre os Poderes da República</a>.
Tal postura otimista se revela curiosa diante da recente dimensão conflituosa entre Congresso Nacional e STF iniciada em 2023, marcada pela <a href="https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2023/11/22/senado-aprova-pec-que-limita-decisoes-individuais-em-tribunais">aprovação de PEC no Senado que limita decisões monocráticas no tribunal</a>, e que gera repercussão ainda em 2024. Com efeito, a postura conciliatória do ministro parece negar os conflitos inerentes às instituições e à sociedade brasileiras. Isso pode carregar em si riscos para a política democrática, conforme o conceito de democracia agonística, defendida por intelectuais, como Chantal Mouffe.
Uma prática que vem marcando a presidência do ministro Luís Roberto Barroso no STF, é a busca de soluções consensuais acerca de questões controversas entre os poderes e decididas no âmbito das ações do controle de constitucionalidade. Vale dizer, com a possibilidade de conciliação, o STF se abre ao reexame da inconstitucionalidade antes proferida no âmbito dessas ações. É como se o Supremo tivesse declarado determinada lei ou tese inconstitucional, mas agora tem a chance de reexaminá-la à luz do resultado da tentativa de conciliação e diálogo entre os envolvidos.
Esse é o caso da tese do marco temporal, que <a href="about:blank">em 2023 foi declarada inconstitucional pelo STF</a>, mas que em agosto de 2024 se abre à nova discussão, mediante <a href="about:blank">uma comissão especial de conciliação, criada pelo ministro Gilmar Mendes, relator das cinco ações que discutem a constitucionalidade da Lei do Marco Temporal</a>.
A câmara é formada por <a href="about:blank">diversos órgãos e instituições do Estado e da sociedade civil</a> e busca tratar das controvérsias e divergências entre indígenas e não indígenas sobre o marco temporal para a demarcação das terras indígenas. Conforme o ministro Gilmar Mendes: <a href="about:blank">“o tema necessita de uma abordagem colaborativa e dialógica, reunindo todos os atores sociais e institucionais para a construção de soluções duradouras e pacíficas entre os interessados”</a>.
A Lei do Marco Temporal, <a href="about:blank">Lei 14.701/2023</a>, foi aprovada pelo Congresso Nacional uma semana após o STF ter derrubado a tese do Marco Temporal, regulamentando o artigo 231 da <a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/constituicao">CF/88</a> de forma contrária ao que o tribunal havia decidido sobre o assunto.
O conflito entre os poderes, posto dessa forma, já se mostrava significativo, porém se agravou quando <a href="about:blank">o Congresso derrubou o veto do Presidente da República</a>, aposto com fundamento na decisão do STF de 2023 a favor da inconstitucionalidade da tese do marco temporal. Segundo o ministro Barroso, esse fato delineou uma situação que confrontou o Executivo e o Judiciário, de um lado, e o Legislativo, de outro. Em razão disso, o presidente do STF entendeu ser razoável buscar um meio-termo, uma vez que, em suas palavras: <a href="about:blank">“conciliação, sempre que possível, é melhor do que conflito, porque em conflito sempre há vencedores e há vencidos”</a>.
Esse caso não é o único. Entre eles, em abril de 2024, o <a href="about:blank">ministro Cristiano Zanin concedeu liminar</a> para suspender a validade da <a href="about:blank">Lei 14.784/2023</a>, que prorroga a desoneração da folha de pagamento de municípios e diversos setores produtivos. A aprovação dessa lei fora uma reação do Congresso Nacional à edição da Medida Provisória 1.202/2023, que previa a retomada gradual da tributação sobre esses setores e a limitação das compensações tributárias decorrentes de decisões judiciais, como parte da política do governo federal de equilíbrio das contas públicas.
Após a edição da Lei 14.784/2023 foi a vez do Executivo reagir com a propositura da ADI 7.633 pelo Presidente da República, questionando a constitucionalidade da referida lei. Como apontado, em abril o ministro Zanin concede a liminar, porém no mês seguinte, decide <a href="about:blank">suspender os efeitos da sua decisão e conceder um prazo de 60 dias para Executivo e Legislativo pudessem entrar em consenso sobre a matéria</a>.
Essa <a href="about:blank">“nova abordagem” de conciliação adotada pelo STF vem sendo criticada</a> por representar renúncia à jurisdição constitucional e violação da indisponibilidade de direitos fundamentais. Ao lado disso, vale examiná-la à luz da crítica de Chantal Mouffe<a href="#_ftn1" name="_ftnref1">[1]</a> à visão “pós-política”, caracterizada pela defesa da forma consensual de democracia e pelo otimismo frente à globalização e à primazia do individualismo sobre as identidades coletivas. Segundo a autora, ao negar a dimensão conflituosa intrínseca à formação da sociedade, essa visão “em vez de criar as condições para a reconciliação da sociedade, [...] contribui para exacerbar o potencial de antagonismo” presente nela (Mouffe, 2015, p. 2-4).
Para ela, o “político” é a dimensão de antagonismo que constitui as sociedades humanas, assumindo, portanto, um caráter inafastável, enquanto a “política” é o conjunto de práticas e instituições que criam uma ordem, que busca organizar a coexistência humana em meio ao contexto conflituoso produzido pelo político (Mouffe, 2015, p. 8). Nesse sentido, o político é um espaço de conflito e antagonismo, não um espaço de liberdade e discussão política, como defende a perspectiva liberal de negar o caráter inerradicável do antagonismo.
A partir de uma base racionalista e individualista, a visão liberal impede o reconhecimento da natureza conflituosa das identidades coletivas. Prega que é possível sempre alcançar uma solução racional através do consenso, que, necessariamente, inclui atos de exclusão. Isto porque, ao escolher uma alternativa, nega-se as outras possibilidades, que não deixarão de existir (Mouffe, 2015, p. 10). Desse modo, é impossível um consenso racional plenamente inclusivo, como busca, em vão, o STF mediante suas câmaras de conciliação.
Uma vez aceita a condição inafastável do conflito na coletividade, o desafio da democracia é buscar maneiras de domesticá-lo. Tendo em vista que não se pode negar os antagonismos, é preciso encontrar soluções para que o conflito não destrua o ente político. Por conseguinte, as partes em conflito não podem se enxergar como inimigos a serem erradicados (antagonismo), nem como meros concorrentes em uma mesa de negociação, mas como adversários (agonismo), que não pretendem a erradicação dos seus oponentes e reconhecem as pretensões destes como legítimas (Mouffe, 2015, p. 19).
Com essa “nova abordagem”, que introduz a conciliação no debate de questões constitucionais fundamentais, o STF nega o político, conforme a visão de Mouffe, assumindo o risco de impedir um verdadeiro pluralismo e de gerar o acirramento de antagonismos. Após a primeira reunião da câmara de conciliação <a href="about:blank">a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) anunciou que avaliará a permanência de sua participação</a>, por discordar das regras e da composição da câmara consideradas desfavoráveis à participação das lideranças indígenas, além do episódio de racismo institucional, em que representantes e membros dos povos indígenas foram impedidos de entrar no tribunal.
Antes o STF desse lugar ao conflito “domesticado”, onde há a relação de adversários, que “embora reconhecendo que não existe nenhuma solução racional para o conflito, ainda assim reconhecem a legitimidade de seus oponentes” (Mouffe, 2015, p. 19). E para isto, bastaria o tribunal manter as inconstitucionalidades antes declaradas, reconhecendo o conflito e, com isso, promovendo efetivamente o debate constitucional democrático e pluralista.
<hr />
<a href="#_ftnref1" name="_ftn1">[1]</a> MOUFFE, Chantal. Sobre o Político. São Paulo: Martins Fontes, 2015.

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JOTA

A defesa da conciliação e a negação de conflitos no debate constitucional

A era pós-política no STF

A defesa da conciliação e a negação de conflitos no debate constitucional no Suprremo Tribunal Federal (STF)