Mariana Saragoça

Julia Barker

Para além das já conhecidas novas competências atribuídas à Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico (<a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/ana">ANA</a>) após a promulgação da Lei 14.026/2020, o Novo Marco Regulatório conferiu também à Agência a obrigação de disciplinar, por meio de ato normativo específico, os requisitos e procedimentos a serem observados pelas entidades encarregadas da regulação/fiscalização dos serviços para a comprovação da adoção das normas de referência<a href="#_ftn1" name="_ftnref1">[1]</a>.
Não obstante a adoção gradual, que tem por objetivo preservar os direitos decorrentes das normas substituídas e garantir a adequada adesão pelas entidades reguladoras infracionais (ERIs), a legislação prevê que a verificação da adoção das normas de referências deverá ocorrer de forma periódica, sendo obrigatória quando da contratação de financiamentos com recursos da União (ou daqueles geridos por órgãos ou entidades da administração pública federal).
Um dos principais desafios ainda em curso para a efetividade do Novo Marco está relacionado ao universo heterogêneo de ERIs: diferentes níveis de maturidade regulatória, escasso corpo técnico qualificado e ausência de padronização da regulação estão entre os aspectos mais críticos.
Dentre os principais riscos relativos à governança regulatória no setor de saneamento, temos como conjuntura geral (i) reduzido nível de accountability; (ii) insuficiência de autonomia técnica e baixo nível de qualificação dos servidores; (iii) utilização de instrumentos e procedimentos precários referentes à criação e regimento das agências. Nesse contexto, o primeiro passo para que seja afastado o risco de captura nos parece ser o estabelecimento de padrões de referência nacional aliado a mecanismos de estímulo à melhoria regulatória.
Ainda que a atuação da ANA não seja munida de instrumentos de comando e controle clássicos, a situação fática do chamado spending power (para viabilizar o recebimento de recursos públicos federais) faz com que seja urgente a delimitação de mecanismos de monitoramento e aferição das normas de referência pelas ERIs. O desafio se demonstra inadiável, em especial pelo número de ERIs existentes - atualmente estão registradas 86 entidades reguladoras infranacionais com competência para fiscalizar os serviços de saneamento básico, sendo 41 municipais, 26 estaduais e 19 intermunicipais.
Nessa linha, encerrou-se, no último mês de julho, o prazo para envio de contribuições no âmbito da Consulta Pública nº 05/2022 da ANA, referente ao normativo de Procedimento Geral para a Comprovação da Adoção das Normas de Referência.
Conforme a minuta de resolução disponibilizada para subsidiar a Consulta Pública, a ANA buscou a elaboração de uma norma geral e simples, deixando as especificidades de monitoramento para cada norma de referência a ser publicada.
Quanto aos critérios avaliativos, a Agência buscou combinar (i) a autoavaliação das ERIs mediante o envio de documentação comprobatória à ANA; (ii) verificação anual pela ANA, com base em critérios a serem estabelecidos por cada norma de referência; e (iii) possibilidade de avaliação suplementar na hipótese de consulta concreta de observância às normas de referência para liberação de financiamento. Assim, o normativo não irá estabelecer parâmetros ou regramento específico, mas, sim, os elementos que cada norma de referência deverá disciplinar, tais como os prazos para adoção, o grau de complexidade da norma, critérios de aferição específicos (contendo métricas e aferição por faixas) e gradualidade temporal do nível de observância.
Na Consulta Pública foram recebidas 40 contribuições de agentes do setor, as quais apresentaram sugestões para melhoria dos critérios de aferição e aprimoramento da redação, em particular no que diz respeito à extensão das restrições de contratação de financiamentos. Em suma, há espaço para que a redação da norma seja ajustada de forma a explicitar que a obrigação de observância às normas de referência compete às ERIs e não ao Poder Concedente ou titular dos serviços. Isto é, as penalidades, em especial a vedação à obtenção de financiamentos, devem alcançar apenas o Poder Concedente ou o ente titular (na hipótese de prestação direta dos serviços) – os quais possuem a obrigação de selecionar agência reguladora em situação regular junto à ANA –, não recaindo sobre os prestadores de serviços.
Outro aspecto bastante levantado pelos agentes do setor durante a Consulta Pública foram alterações necessárias nas hipóteses em que as Normas de Referência impuserem obrigações aos titulares ou aos prestadores de serviços, casos nos quais (i) o atendimento será avaliado pelas ERIs ou (ii) pela ANA, de forma excepcional. Nesse sentido, com o objetivo de afastar questionamento e garantir segurança jurídica ao futuro normativo, parte das contribuições apresentadas solicita que a redação seja retificada para prever que as regras contratuais aplicáveis aos prestadores de serviço devem ser respeitadas, uma vez que as normas de referência não podem alterar contratos já licitados, salvo acordo entre as partes, formalização de termo aditivo e eventual reequilíbrio econômico-financeiro.
A temática é relevante, em especial se considerarmos que, de acordo com a Agenda Regulatória da ANA, estima-se ao menos nove normas de referência publicadas até o final do ano de 2022, ensejando, portanto, a implantação de mecanismo de aferição.
É evidente que a ausência de harmonização regulatória gera custos de transação relevantes aos prestadores, diversidade de qualidade dos serviços prestados entre os diversos municípios, diminuição da atratividade do setor, bem como impede a avaliação do cumprimento das normas de referência, condicionante relevante para obtenção de financiamento.
Espera-se que o normativo a ser publicado estabeleça regras claras, com vistas a não penalizar os operadores privados na hipótese de eventual inércia do Poder Concedente e/ou titular dos serviços no que tange à adesão às normas de referência, garantindo à sociedade e aos agentes do setor transparência acerca da aplicação das normas pelas ERIs.
<hr />
<a href="#_ftnref1" name="_ftn1">[1]</a> Conforme o § 1º do artigo 4º-B da Lei nº 9.984/2000, alterado pela Lei nº 14.026/2020.

marco legal do saneamento

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JOTA

Publicação do procedimento geral para comprovar adoção de normas de referência é essencial para segurança jurídica

A efetividade dos mecanismos de estímulo à melhoria regulatória

Publicação do procedimento geral para comprovar adoção de normas de referência é essencial para segurança jurídica do setor de saneamento