Isabel Franco

Eloy Rizzo

Em pelo menos um quesito o Brasil está sendo respeitado no mundo inteiro: na condenação de indivíduos por crimes de corrupção.
Vamos explicar. Participamos em Washington D.C. ao final do ano passado do congresso de maior relevância mundial para profissionais que atuam no combate à corrupção. Sob intenso holofote, o Brasil foi logicamente a vedete do encontro. Em meio às acirradas discussões sobre a Lava Jato, vários elogios nos enalteceram, entre eles o notório trabalho da Polícia Federal, do Ministério Público e do juiz Sérgio Moro. O Brasil foi publicamente exaltado pela persecução de indivíduos em um mundo que vem esmagadoramente punindo mais as empresas e menos os infratores indivíduos.
É louvável a punição das empresas como instrumento eficaz contra a corrupção. Porém, na prática, o corolário tem se tornado uma triste injustiça, pois quem na verdade acaba pagando a conta dessa punição do mundo corporativo são os acionistas, os stakeholders, os consumidores, enfim, o cidadão comum. É o que se observa principalmente nos Estados Unidos e na Europa, que têm dado menos atenção ao indivíduo infrator. E é nesse quesito que o Brasil tem dado um belo exemplo.
Se não vejamos por um breve histórico sobre a legislação de combate à corrupção usando como ferramenta a punição às corporações. Os Estados Unidos, com a sua famigerada FCPA – Foreign Corrupt Practices Act de 1977 – convenceu a OCDE-Organização Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico – a liderar o movimento mundial de combate à corrupção no mundo dos negócios e fazer com que outros países também decretassem leis semelhantes. Assim foi que o Brasil promulgou em 2013 a Lei Anticorrupção, mais conhecida como a Lei da Empresa Limpa, e entrou no movimento internacional que mira as empresas na tentativa de combater o mundo das propinas.
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Dessa forma começou esse estrondoso movimento mundial de luta contra corrupção. A FCPA, aplicada com mais ênfase desde 2004, assusta as grandes empresas pagadoras de propina e fraudadoras dos livros contábeis, pelas multas milionárias impostas pelas autoridades americanas, o Departament of Justice (DOJ), que se assemelha ao nosso Ministério Público Federal e a Securities and Exchange Commission (SEC), cuja versão tupiniquim corresponderia à Comissão de Valores Mobiliários (CVM).
Somente em um exemplo, a Siemens em 2008 chegou a um acordo com as autoridades norte americanas, pagando US$ 450 milhões de multa criminal e US$ 350 milhões como devolução dos lucros obtidos por meios ilícitos em seus negócios na Argentina, Bangladesh, Nigéria, China, Israel, Vietnã, dentre outros países, depois de reconhecer a existência de violações às disposições de controles internos e registros contábeis previstas na FCPA. Além disso, a Siemens pagou aproximadamente € 596 milhões para o Ministério Público alemão, pelos mesmos ilícitos.
Vale ressaltar também o caso da multinacional francesa Alstom, que no final de 2014 reconheceu perante as autoridades norte americanas ter pagado propina para agentes públicos na Indonésia, Arábia Saudita, Egito e nas Bahamas, em troca de negócios. O valor da multa criminal que a Alstom concordou em pagar para chegar ao acordo foi de nada menos que US$ 772 milhões que não incluem os valores desembolsados pela empresa com advogados, auditores, monitor externo, revisão da sua política de compliance, dentre outros.
Some-se a essa lista também a empresa de engenharia americana KBR-Kellogg Brown &amp; Root que em 2009 firmou um acordo com as autoridades americanas, depois de reconhecer ter pagado aproximadamente US$ 182 milhões para agentes públicos nigerianos entre 1995 e 2004, em troca de contratos bilionários para a construção de uma indústria de gás natural liquefeito naquele país. A quantia de R$ 579 milhões foi paga pela KBR para encerramento do caso, valor que incluiu a multa criminal e a devolução de lucros originários dos pagamentos de propina, mas não reflete os gastos da KBR com honorários advocatícios, auditorias contábeis, etc.
Entretanto, quando uma empresa viola as leis anticorrupção e é obrigada a pagar multas milionárias, ela sempre acaba encontrando uma forma de repassar o custo, e não raramente em prejuízo de funcionários de boa índole, que podem ficar sem seus bônus de final de ano ou mesmo sem emprego, além de seus acionistas, que veem desaparecerem as suas perspectivas de dividendos. Mas e aqueles indivíduos que planejaram, executaram ou mesmo consentiram com a prática de atos ilegais para garantir os negócios da empresa? Não são eles que devem ser punidos?!?
Basta ver o caso da Petrobras. Pela FCPA, a Petrobras será processada nos Estados Unidos por ter papeis negociados na bolsa de valores de lá. E serão os acionistas, os fundos investidores, os motoristas brasileiros, entre outros inocentes, que pagarão o pato por falcatruas inimagináveis no seu mundo corriqueiro. Já tivemos a oportunidade de discorrer sobre como os pobres cidadãos brasileiros pagarão lá fora, em moeda forte, pelos assombrosos crimes de corrupção praticados contra a Petrobras aqui no nosso território<a href="#_ftn1" name="_ftnref1">[1]</a>. Assim determina a lei norte-americana, apesar de sua louvável intenção de punir a empresa corruptora.
Infelizmente, apesar dos resultados expressivos obtidos pelo DOJ e pela SEC quanto à cominação de multas e obtenção de reparações pecuniárias das empresas envolvidas em atos de corrupção ao redor do mundo, o aspecto no qual essas autoridades não são tão bem sucedidas – a persecução criminal de pessoas físicas – tem criado essas injustas distorções. Pois, no mundo todo, esses diplomas legais vêm punindo as empresas – e não as pessoas - que agem de forma corrupta no mundo corporativo.
Assistindo a essa polêmica inversão de punição, a Procuradora Geral Assistente do DOJ, Leslie Caldwell, fez um discurso nesse sentido no referido evento em Washington. No discurso, Leslie deixou claro que um dos maiores objetivos do DOJ para os próximos anos é focar na persecução criminal nos executivos e demais pessoas físicas envolvidas em práticas de corrupção. Essa nova estratégia já tinha sido delineada pela Vice Advogada Geral da União, Leslie Yates, que, em setembro de 2015 comunicou ao mundo que o DOJ passaria a concentrar seu poder de fogo contra os indivíduos. Seu memorando, já imortalizado como o “Yates Memo”, está deixando sem dormir os milionários executivos nos EUA.
O raciocínio dessa nova estratégia faz todo o sentido, especialmente se levarmos em consideração que, até outubro de 2015, aproximadamente um mês antes do evento, o DOJ e a SEC haviam indiciado "apenas" nove indivíduos por violações à FCPA.
É por isso que o enfoque das autoridades norte-americanas é alcançar os executivos que, por simples descaso ou dolo mesmo, determinam ou consentem com os pagamentos de propina a funcionários públicos para fomentar os seus negócios. É no momento em que um indivíduo é condenado a pagar uma multa milionária com o seu patrimônio e reservas financeiras pessoais e, principalmente, quando este indivíduo passa um considerável espaço de tempo atrás das grades, longe da família, que ele começa a indagar se o crime compensa.
Mais do que isso, quando os grandes executivos leem nos jornais que alguns de seus respeitados pares do mundo de negócios foram condenados à prisão em regime fechado, por 5 ou 10 anos, por envolvimento em negócios escusos, eles retornam às suas casas, olham para as suas famílias, e percebem que atuação profissional ética pode ser definitivamente o melhor e mais seguro caminho a ser trilhado. A condenação de pessoas físicas produz um efeito pedagógico gigantesco e parece-nos o instrumento mais efetivo para prevenir futuros atos de corrupção.
E é nesse ponto que as autoridades norte-americanas estão tirando o chapéu para a Polícia Federal, os Promotores de Justiça e os magistrados envolvidos na investigação e julgamento dos indivíduos envolvidos na Operação Lava Jato. Isso porque, em contraponto aos nove indivíduos indiciados nos Estados Unidos em 2015 por violações à FCPA, de acordo com dados obtidos no site do Ministério Público Federal, até o dia 18 de dezembro de 2015, 179 indivíduos já foram acusados criminalmente de estarem envolvidos em atos de corrupção relacionados à Petrobras. Além disso, já temos 80 condenações em primeira instância, que juntas contabilizam 783 anos e dois meses de pena. E esse número bombástico, por tudo o que vem sido divulgado recentemente, tende a aumentar substancialmente em um futuro próximo.
Talvez a diferença brutal entre número de indivíduos indiciados nos EUA por violação à FCPA e aqueles indiciados no Brasil por violações ao Código Penal tenha como origem um volume maior de práticas corruptivas em nosso país. Contudo, não há como se negar que a interação entre Polícia Federal e o Ministério Público na condução das investigações, somada à eficiência do juiz Federal Sérgio Moro no que diz respeito à agilidade e eficiência no julgamento dos casos, vêm produzindo resultados exemplares na persecução criminal de indivíduos envolvidos em práticas de corrupção.
Portanto, a despeito do profundo respeito e gratidão que temos nós, profissionais com atuação no combate à corrupção e aos crimes de colarinho branco, por nossos colegas norte americanos, por tudo o que eles nos ensinaram nos últimos anos, é nosso dever reconhecer que os nossos profissionais tupiniquins vêm fazendo um trabalho excepcional e eficiente no combate à corrupção, que tende a produzir efeitos educativos no longo prazo e certamente alterará a maneira de se fazerem negócios em nosso país. E por que não, podemos bradar aos nossos colegas americanos que eles podem aprender um pouco com a gente também!
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<a href="#_ftnref1" name="_ftn1">[1]</a> Artigo “Petrobras: Aqui se faz, ali nos Estados Unidos se paga” - Revista Interesse Nacional <a href="http://interessenacional.com/index.php/edicoes-revista/apresentacao-29/petrobras-aqui">http://interessenacional.com/index.php/edicoes-revista/apresentacao-29/petrobras-aqui</a>-se-faz-ali-nos-estados-unidos-se paga/

hands of a prisoner behind bars

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JOTA

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