Rafael de Alencar Araripe Carneiro

Outra grande curiosidade que ensejou a realização da pesquisa<a href="https://www.jota.info/opiniao-e-analise/artigos/stj-em-numeros-improbidade-administrativa-06062020" target="_blank" rel="noopener noreferrer"> STJ em Números: Improbidade Administrativa </a>foi identificar se existe uniformidade no comportamento do STJ no julgamento das ações de improbidade administrativa. Investigamos as variações nas reformas das decisões de 2ª instância e taxas de condenação a depender da turma e relator no tribunal. Essas análises mostram-se de extrema relevância considerando que o STJ é responsável pela padronização da aplicação da legislação infraconstitucional.
Daniel Mitidiero ressalta que “o objetivo da Corte Superior é controlar a aplicação da legislação de modo que se imponha, para todos os casos, a exata interpretação da lei, formando-se a partir de reiteradas decisões no mesmo sentido uma jurisprudência uniforme. A jurisprudência uniforme serve como meio pelo qual a Corte pode desempenhar a sua função de controle da legalidade da decisão recorrida”<a href="#_ftn1" name="_ftnref1">[1]</a>.
O ilustre professor conclui que “ausência de uniformidade na aplicação do Direito causa um dano atual e um dano potencial ao sistema jurídico – a existência de duas decisões diferentes para casos iguais acarreta a imediata violação do direito à igualdade de todos perante a ordem jurídica e produz tendencialmente um sentimento de insegurança jurídica pela ausência de cognoscibilidade do Direito”<a href="#_ftn2" name="_ftnref2">[2]</a>. Nesse sentido, o saudoso Ministro Teori Zavascki afirmava que “ao criar o STJ e lhe dar a função essencial de guardião e intérprete oficial da legislação federal, a Constituição impôs ao Tribunal o dever de manter a integridade do sistema normativo, a uniformidade de sua interpretação e a isonomia na sua aplicação” (Resp n. 1.026.234/DF, DJe 10/6/2008).
<a href="https://conteudo.jota.info/risco-politico" target="_blank" rel="noopener noreferrer"><img class="aligncenter wp-image-244336 size-full" src="https://www.jota.info/wp-content/uploads/2020/04/cta-risco-politico.png" alt="" width="1080" height="1080" /></a>
Um primeiro caminho percorrido pela pesquisa foi analisar a taxa de alteração dos julgados recorridos de forma separada entre Primeira e Segunda Turmas do STJ, competentes para julgar as ações de improbidade administrativa. Como os recursos especiais e agravos em recursos especiais são distribuídos aleatoriamente entre essas duas turmas, variações significativas indicarão falta de uniformidade no âmbito interno do tribunal. Foram considerados apenas os julgamentos colegiados das duas turmas.
Os gráficos compilados abaixo retratam que a Primeira Turma alterou as decisões de 2ª instância em 37,92% dos casos em todo o período analisado (2005 a 2017), ao passo que a Segunda Turma modificou 27,61% dos julgados nesse mesmo período. Em outras palavras, a Primeira Turma é mais reformadora do que a Segunda Turma.
<a href="https://www.jota.info/wp-content/uploads/2020/06/grafico2-stj.png"><img class="aligncenter wp-image-256311 size-full" src="https://www.jota.info/wp-content/uploads/2020/06/grafico1-stf.png" alt="" width="670" height="419" /><img class="aligncenter wp-image-256310 size-full" src="https://www.jota.info/wp-content/uploads/2020/06/grafico2-stj.png" alt="" width="643" height="413" /></a>
A análise dos resultados apenas dos últimos anos (2014 a 2017), com as composições mais atuais de cada órgão, mostra que as duas turmas reduziram o percentual de reformas em comparação com o período de 2005 a 2017, do que se conclui que o STJ passou a ser menos relevante na solução final no caso concreto.
De qualquer maneira, a Primeira Turma mantém-se mais sensível a alterar os julgados dos tribunais inferiores: foram 26% de acórdãos reformados ante 15,68% da Segunda Turma.
<a href="https://www.jota.info/wp-content/uploads/2020/06/grafico-stj-4.png"><img class="aligncenter wp-image-256312 size-full" src="https://www.jota.info/wp-content/uploads/2020/06/grafico-stj-3.png" alt="" width="667" height="346" /><img class="aligncenter wp-image-256317 size-full" src="https://www.jota.info/wp-content/uploads/2020/06/grafico-stj-4.png" alt="" width="643" height="329" /></a>
Os gráficos a seguir retratam como cada turma reduziu o percentual de reforma dos acórdãos no transcurso dos anos. A Primeira Turma reformava cerca de 50% das decisões dos tribunais inferiores nos primeiros anos analisados e esse índice foi caindo até alcançar patamar próximo a 20% no período mais recente, ao passo que a taxa média de alteração da Segunda Turma ficava em mais de 60% no período inicial e foi reduzindo de forma rápida e constante até alcançar o entorno de 10% recentemente.
<a href="https://www.jota.info/wp-content/uploads/2020/06/grafico-5.png"><img class="aligncenter wp-image-256318 size-full" src="https://www.jota.info/wp-content/uploads/2020/06/grafico-5.png" alt="" width="658" height="411" /></a>
<a href="https://www.jota.info/wp-content/uploads/2020/06/grafico6.png"><img class="aligncenter wp-image-256320 size-full" src="https://www.jota.info/wp-content/uploads/2020/06/grafico6.png" alt="" width="644" height="412" /></a>
A pesquisa voltou-se também para a análise do perfil decisório do tribunal a depender do relator. Foram excluídos os Ministros com menos de 8 acórdãos relatados, por sua baixa relevância estatística.
Em todo o período analisado (2005 a 2017), os relatores que mais alteraram decisões de 2ª instância foram: José Delgado (65,79%), Castro Meira (58,33%), Luiz Fux (46,15%), Ari Pargendler (44,44%) e Napoleão Nunes Maia Filho (38,89%). Os Ministros menos reformadores são Og Fernandes (11,11%), Assusete Magalhães (11,63%) e Regina Helena Costa (12,5%), a revelar que as chances de reforma pelo STJ podem variar em mais de cinco vezes em função do Relator.
<a href="https://www.jota.info/wp-content/uploads/2020/06/mins.png"><img class="aligncenter wp-image-256323 size-full" src="https://www.jota.info/wp-content/uploads/2020/06/mins.png" alt="" width="657" height="395" /></a>
O quadro a seguir compara apenas os Ministros em exercício no tribunal. Na Primeira Turma, Benedito Gonçalves (22,22%) aparece como o relator menos reformador e Napoleão Nunes Maia Filho (38,89%) como mais reformador.
Na Segunda Turma, Og Fernandes (11,63%) é o relator que mais mantém os acórdãos recorridos e Mauro Campbell (30,91%) é o relator que mais reforma os julgados das instâncias inferiores.
<a href="https://www.jota.info/wp-content/uploads/2020/06/quadro-2.png"><img class="aligncenter wp-image-256324 size-full" src="https://www.jota.info/wp-content/uploads/2020/06/quadro-2.png" alt="" width="638" height="371" /></a>
Em seguida, a pesquisa investigou o mérito das alterações das decisões por parte do STJ. Procurou-se descobrir se as reformas ocorreram para absolver ou condenar os demandados em ações de improbidade administrativa. Essa análise permite identificar, para além de divergência no caráter reformador do tribunal, eventual falta de uniformidade entre as turmas e membros no exame do mérito da demanda.
As imagens abaixo revelam que a Primeira Turma afastou 11,67% das condenações para absolver os réus na instância superior, ao passo que a Segunda Turma reverteu 3,08% das decisões condenatórias. Portanto, os réus têm quase quatro vezes mais chances de reverter a condenação se o recurso for distribuído à Primeira Turma.
<a href="https://www.jota.info/wp-content/uploads/2020/06/absolveu.png"><img class="aligncenter wp-image-256325 size-full" src="https://www.jota.info/wp-content/uploads/2020/06/absolveu.png" alt="" width="649" height="418" /></a>
Também foi investigado o comportamento das turmas do STJ em relação às ações que chegaram na corte com decisão de absolvição da acusação de cometimento de ato de improbidade administrativa. A Primeira Turma reverteu 32,76% dos julgados absolutórios para condenar os réus na instância especial, enquanto a Segunda Turma assim procedeu em 29,1% dos casos, conforme detalhado abaixo.
Percebe-se que a característica mais reformadora da Primeira Turma também repercute em mais alterações para condenar os réus, porém a diferença percentual com a Segunda Turma é bem menor se comparada com as reformas para absolver.
<a href="https://www.jota.info/wp-content/uploads/2020/06/a-f.png"><img class="aligncenter wp-image-256326 size-full" src="https://www.jota.info/wp-content/uploads/2020/06/a-f.png" alt="" width="687" height="351" /></a>
A diferença do perfil decisório das turmas do STJ é confirmada quando analisamos os beneficiários das reformas de decisões efetuadas pela instância especial. Separamos a análise em dois grupos: (i) reformas em benefício da parte privada, demandada na ação de improbidade administrativa, e (ii) reformas em prol da parte pública, demandante.
A alteração do julgado em favor do particular pode significar não apenas a absolvição pelo STJ, como também a rejeição da petição inicial, a redução de sanções ou o desbloqueio dos bens anteriormente constritos.
A reforma da decisão em prol da parte pública pode referir, além da condenação, o recebimento da ação de improbidade administrativa, a majoração das sanções ou o bloqueio cautelar dos bens. Das reformas de decisões de 2ª instância pela Primeira Turma, 27,45% foram em favor do particular e 72,55% em prol da parte pública. Já a Segunda Turma modificou 17,31% das decisões para favorecer os particulares e 82,69% em prol dos demandantes.
<a href="https://www.jota.info/wp-content/uploads/2020/06/grafico-20.png"><img class="aligncenter wp-image-256328 size-full" src="https://www.jota.info/wp-content/uploads/2020/06/grafico-19.png" alt="" width="661" height="418" /><img class="aligncenter wp-image-256330 size-full" src="https://www.jota.info/wp-content/uploads/2020/06/grafico-20.png" alt="" width="649" height="412" /></a>
Na sequência, investigamos o perfil decisório do tribunal a depender do relator. Novamente foram considerados apenas os Ministros com o mínimo de 8 acórdãos relatados. Os gráficos abaixo mostram que os Relatores que mais proveram recursos da parte pública foram: José Delgado (76%), Eliana Calmon (69,23%), Castro Meira (66,67%), e Humberto Martins (62,50%). Os Relatores que menos proveram recursos dos demandantes foram: Ari Pargendler e Assusete Magalhães, sem qualquer provimento.
<a href="https://www.jota.info/wp-content/uploads/2020/06/grafico-stj-materai.png"><img class="aligncenter wp-image-256333 size-full" src="https://www.jota.info/wp-content/uploads/2020/06/grafico-stj-materai.png" alt="" width="646" height="409" /></a>Sob outra ótica, comparamos os resultados por relator levando em conta os provimentos dos recursos da parte privada, demandada nas ações de improbidade administrativa. Os Relatores que mais proveram recursos dos demandados foram Napoleão Nunes Maia Filho (55,56%) e Luiz Fux (50%), enquanto os Relatores que menos proveram recursos dos réus foram Og Fernandes e Regina Helena Costa, sem qualquer provimento.
<a href="https://www.jota.info/wp-content/uploads/2020/06/parte-privada.png"><img class="aligncenter wp-image-256334 size-full" src="https://www.jota.info/wp-content/uploads/2020/06/parte-privada.png" alt="" width="646" height="442" /></a>
As significativas diferenças de resultado no STJ a depender da turma e relator impressionam por envolverem a mesma matéria improbidade administrativa. Uma dúvida que surge, nesse contexto, é quanto à existência de divergência entre os membros julgadores de cada órgão, de modo a elucidar maior ou menor preocupação com a falta de coesão interpretativa do tribunal.
A Primeira Turma apresentou ao menos um voto divergente em 12,45% dos julgamentos colegiados analisados no período de 2005 a 2014, mais do que o dobro de vezes da Segunda Turma, que registrou alguma divergência em 4,27% dos acórdãos.
<a href="https://www.jota.info/wp-content/uploads/2020/06/formacao-julgamento.png"><img class="aligncenter wp-image-256336 size-full" src="https://www.jota.info/wp-content/uploads/2020/06/formacao-julgamento.png" alt="" width="840" height="497" /></a>
Vimos que no período de 2014 a 2017 a Segunda Turma apresentou os relatores com maior diferença percentual na taxa de reforma das decisões (Og Fernandes com 11,63% e Mauro Campbell com 30,91%) em comparação com a Primeira Turma (Benedito Gonçalves com 22,22% e Napoleão Nunes Maia Filho com 38,89%). Não obstante, nesse mesmo interregno temporal a Segunda Turma apresentou menor grau de divergência do que a Primeira Turma, como indicam os gráficos a seguir.
<a href="https://www.jota.info/wp-content/uploads/2020/06/formacao-2.png"><img class="aligncenter wp-image-256337 size-full" src="https://www.jota.info/wp-content/uploads/2020/06/formacao-1.png" alt="" width="646" height="418" /><img class="aligncenter wp-image-256338 size-full" src="https://www.jota.info/wp-content/uploads/2020/06/formacao-2.png" alt="" width="650" height="409" /></a>
<h3>Constatações</h3>
1) A Primeira Turma do STJ é mais reformadora do que a Segunda Turma. Aquela reformou 37,92% dos casos analisados, ao passo que essa modificou 27,61% dos acórdãos recorridos, a revelar que o recorrente tende a ter mais chances de alterar o acórdão do tribunal estadual ou federal se o recurso for distribuído à Primeira Turma.
2) Nos últimos anos o STJ passou a ter relevância menor na solução do caso concreto nas ações de improbidade administrativa. O Tribunal reduziu bastante o número de alteração dos acórdãos recorridos, embora a diferença de interferência entre as turmas permaneça significativa: a Primeira Turma reformou 26% dos acórdãos analisados no período de 2014 a 2017 ante 15,68% da Segunda Turma.
3) O STJ reforma acórdãos majoritariamente para beneficiar os demandantes nas ações de improbidade administrativa (Ministério Público ou Administração Pública), embora o resultado varie consideravelmente a depender da turma. A Primeira Turma reformou 72,55% dos acórdãos em prol dos demandantes (e 27,45% em prol dos demandados), enquanto a Segunda Turma modificou 82,69% das decisões para beneficiar os demandantes (e 17,31% para favorecer os demandados).
4) A Primeira Turma é menos sancionadora. Ela afastou 11,67% das condenações para absolver os réus, ao passo que a Segunda Turma reverteu decisões condenatórias em 3,08% dos casos. Dessa forma, os réus têm quase quatro vezes mais chances de reverter a condenação se o recurso for distribuído à Primeira Turma do STJ.
5) O resultado dos julgamentos colegiados do STJ também varia com relevante intensidade a depender do relator, ainda que comparados apenas os mesmos polos das ações de improbidade administrativa. As chances de sucesso dos autores podem variar de 0 a 70% a depender do relator, enquanto o sucesso dos demandados alterna entre 0 a mais de 50% segundo o ministro responsável pela relatoria.
Não há dúvidas, portanto, que o STJ precisa empreender esforços para evitar desarmonia e conflitos internos na interpretação das teses jurídicas de modo a reduzir a insegurança jurídica e aproximar a corte de sua relevante missão constitucional de uniformização da aplicação da legislação federal.
<h3>Amanhã. O STJ e as partes: faz diferença quem recorre?</h3>
Neste domingo apresentaremos os resultados da pesquisa em relação ao perfil decisório do STJ a depender da parte recorrente. Veremos se as chances de provimento dos recursos do Ministério Público são as mesmas dos agentes públicos ou das empresas acusadas da prática de atos de improbidade administrativa. Analisaremos o sucesso de cada parte no decorrer dos últimos anos. Identificaremos, ainda, se existe diferença na taxa de sucesso dos recursos do Ministério Público Federal em relação aos diferentes Ministérios Públicos Estaduais. Uma boa semana a todos!
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<a href="#_ftnref1" name="_ftn1">[1]</a> MITIDIERO, Daniel. Cortes Superiores e Cortes Supremas: do controle à interpretação, da jurisprudência ao precedente. 3ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2017, p.  44.
<a href="#_ftnref2" name="_ftn2">[2]</a> MITIDIERO, Daniel. Cortes Superiores e Cortes Supremas: do controle à interpretação, da jurisprudência ao precedente. 3ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, p. 126.

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JOTA

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