Passado o primeiro turno das eleições, o Brasil vai definindo sua cara. Os candidatos que entram no segundo turno devem estar reunidos com seu pessoal de marketing para entender qual mensagem ficou e iniciar, imediatamente, os ajustes no posicionamento, articulações e comunicação.
Talvez, como parte dessa estratégia, seja o reforço no engajamento de artistas, cantores, influenciadores — que também são eleitores, frise-se. Mas quais são os limites legais de manifestação desse grupo?
Primeiro, o TSE entendeu haver limites para esse engajamento. Provocado pelo candidato Jair Bolsonaro, que pretende a exclusão da exibição da “superlive de Lula”, o TSE decidiu cautelarmente, não, sem antes, apontar para a cilada que estaria armada: de fato, a questão inédita era definir “(…) se, em caso de apresentação ao vivo, a execução de jingle adquire os mesmos contornos da execução de repertório comercial, sendo por isso vedada; ou se consiste em variável da manifestação de apoio político, abrangida pela liberdade de expressão”.
Assim, o TSE suspendeu a exibição de trechos da live em que os artistas executavam jingles de campanha, apontando para o fato que isso poderia desequilibrar a balança eleitoral a pouco tempo do pleito. A decisão, do ponto de vista jurídico, utilizou da melhor técnica possível no conflito entre princípios: a ponderação. Contudo, é preciso refletir um pouco mais a respeito.
Fico pensando o que faria se fosse um cantor no palco de um candidato. Provavelmente executaria jingles de campanha, já que, como disse Rousseau, o sabiá será sempre sabiá e o gato, sempre gato. O cantor canta. Se ele é apoiador do candidato e deseja manifestar sua vontade executando jingles de campanha, qual exatamente o problema?
O TSE entendeu que o candidato opositor poderia ser prejudicado, porque não se valeria da mesma estratégia. Ora, mas se isso ocorrer, tal não se deve exatamente ao fato essencial de toda e qualquer eleição, a saber, eleitores preferem um candidato ao outro? E se um candidato tem condições de captar, entre esses eleitores, mais artistas, não será mérito dele? Se, ainda, esses artistas decidem entoar jingles de campanha, qual a diferença de uma declaração no YouTube criticando o candidato opositor feita por esse mesmo artista? Não teria sido melhor deixar valer o “marketplace of ideas”, com o candidato opositor executando a mesma estratégia, já que há artistas que o suportam?
A Resolução nº 23.610, de 2019, deixou clara e aberta a porta para manifestações espontâneas de pessoas naturais apoiando (ou criticando) candidatos, no sexto parágrafo de seu artigo 28. O TSE entendeu que os jingles do caso concreto não eram espontâneos, e, assim, censurou-os.
Já faz um tempinho, o TSE já proibiu protestos no Lollapalooza. Agora, censura trechos de uma live. O entroncamento entre liberdade de expressão e eleições não é algo tranquilo. A regra da lei eleitoral é a censura: candidatos não podem fazer campanha senão em determinado período. Aqui, mesmo no período, artistas não podem cantar jingles de campanha. Lembro-me de campanhas com vários artistas cantando jingles de candidato. Isso não é natural e normal? Nenhum candidato tem o monopólio dos artistas, que são livres para apoiar quem quiserem, protestar contra os outros e entoar jingles de campanha. Mas parece que a regra censória da lei eleitoral possa influenciar o TSE na adoção dessas decisões — e, aqui, não se discute exatamente o mérito da regra, mas remeto o leitor ao Podcast do ILD, episódio 24, em que Diogo Rais e eu discutimos o assunto.
Gosto da ideia de que se o candidato A faz uma live, o B deve procurar responder. Entendo que, neste caso, se não houver abuso do poder econômico, o mercado livre de ideias deve prevalecer. Com todo o respeito ao TSE, reconheço que o caso é difícil, mas temo os efeitos das cortes judiciais moldando os limites das manifestações de pensamento.