Eduardo Ludmer

Nos primeiros anos do estudo do Direito ou nos primeiros estágios profissionais, o futuro advogado brasileiro aprende que toda sociedade deve ter seu objeto preciso e delimitado. Poucos, entretanto, indagam qual seria o objetivo desta delimitação.
Esta não é uma invenção tupiniquim: assim como muitas de nossas leis, a inclusão/delimitação do objeto foi importada de alhures e como de praxe, não foi “objeto” de uma adequação legislativa à evolução da dinâmica das relações comerciais.
O objeto da sociedade está geralmente descrito na cláusula 2ª ou 3ª de todo contrato ou estatuto social, e a obrigação de inclusão está prevista atualmente no Art. 997<a href="#_ftn1" name="_ftnref1">[1]</a> do Código Civil de 2002 para Sociedades Simples e Limitadas e Art. 2, §2, da Lei nº 6.404/76 para Sociedades Anônimas.  O objeto social teria o condão de delimitar as atividades que poderiam ser exercidas pela sociedade, resguardando os sócios/acionistas e a própria sociedade contra atos praticados pelos administradores (eleitos pelos próprios sócios/acionistas) que seriam “estranhos ao objeto social”, o que denominamos “atos ultra vires”<a href="#_ftn2" name="_ftnref2">[2]</a>, que seriam, em princípio, nulos.
O ultra-vires foi, por muitos anos, doutrina norteadora do direito inglês e norte-americano e no Direito Societário brasileiro está contemplada, entre outros, no Artigo 1.015, Parágrafo Único III do Código Civil de 2002, que elenca entre as hipóteses de oposição por terceiros, em caso de excesso dos administradores “a operação evidentemente estranha aos negócios da sociedade”<a href="#_ftn3" name="_ftnref3">[3]</a>.
Nas últimas décadas, todavia, evidencia-se tendência no direito inglês e norte-americano de sepultar a doutrina “ultra vires” que estaria ultrapassada, afinal, não parece razoável que terceiros tenham que conhecer (e contratar advogados para tal) o objeto social de determinada sociedade, a fim de verificarem se podem ou não fazer negócios com ela, o que eleva os custos transacionais, além de gerar incerteza e insegurança jurídica quanto aos eventuais negócios pactuados entre as partes.
Neste diapasão, os tribunais superiores brasileiros, em especial o STJ<a href="#_ftn4" name="_ftnref4">[4]</a>, similarmente aos seus colegas de toga ingleses e americanos, a fim de conferir tal segurança jurídica, passaram a aplicar a chamada Teoria da Aparência<a href="#_ftn5" name="_ftnref5">[5]</a> (em detrimento do ultra-vires), visando a resguardar os direitos de terceiros que desconhecem as limitações de objeto de determinada sociedade e que contrataram com a mesma, desde que estes tenham atuado de boa-fé.
A consequência lógica da não aplicação da teoria ultra vires é o fim do objeto social. Neste sentido, o Código Comercial Inglês de 2006, atendendo à recomendação do England Company Law Review Group – Comitê de Revisão do Direito inglês, aboliu a necessidade da inserção de cláusula de objeto social no contrato social das sociedades empresárias, sobrevivendo tal obrigação apenas em relação às sociedades sem fins lucrativos.
Destarte, a limitação e necessidade de inclusão do objeto societário, no seu atual formato, conforme vem sendo aplicada, resulta em objetos sociais bizarros que podem consumir até uma página inteira do contrato social. A pretensão de prever todas as atividades em que a sociedade atuará é quimera que constitui, por si, verdadeira limitação à sua personalidade jurídica e onera desnecessariamente o empresário que tem que alterar o contrato social da sociedade toda vez que deseja incluir eventual nova atividade.
Ademais, tal bizarrice extrapola o objeto da sociedade, penetrando no nome empresarial, já que o Art. 1.158, § 2º, do Código Civil estabelece que a denominação da sociedade deve designar o objeto da sociedade, ocasionando a criação de nomes intermináveis e confusos.
O Código Civil nasceu velho e cheio de regras que não fazem sentido no atual estágio de desenvolvimento das relações comerciais. A desobjetivação do Direito Societário brasileiro é um processo que já foi iniciado pelo STJ quando, corretamente, decidiu fazer letra morta da doutrina ultra vires. Cabe ao legislador alterar as disposições legais contrárias a tal processo para que possamos modernizar e desonerar nossa prática mercantil. Assim como muitas coisas na vida, às vezes, menos (objeto) é mais (objetivo).
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<a href="#_ftnref1" name="_ftn1">[1]</a> Note que tal disposição está inserida no capítulo que trata da sociedade simples e que, por força do Art. 1053, aplica-se também às sociedades limitadas.
<a href="#_ftnref2" name="_ftn2">[2]</a>  A doutrina do ultra vires também tem outro objetivo: assegurar que os administradores e diretores da Sociedade atuem nos limites dos poderes a eles conferidos.
<a href="#_ftnref3" name="_ftn3">[3]</a> e, embora de maneira menos expressa, no Art. 158 da Lei nº 6.404/76 ao dispor que: “o administrador não é pessoalmente responsável pelas obrigações que contrair em nome da sociedade e em virtude de ato regular de gestão; responde, porém, civilmente, pelos prejuízos que causar, quando proceder: I - dentro de suas atribuições ou poderes, com culpa ou dolo;  II - com violação da lei ou do estatuto”
<a href="#_ftnref4" name="_ftn4">[4]</a> nas palavras do próprio STJ: ”o Superior Tribunal de Justiça tem mitigado os rigores da teoria da ultra vires, mesmo após a edição do novo Código Civil, dando prevalência à boa-fé de terceiro, mormente nos casos em que a obrigação guarda relação com o objeto social e não se nega a prestação do serviço em benefício da sociedade contratante”.(EDcl no AgRg no AREsp 161.495/RJ, Rel. Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, TERCEIRA TURMA, julgado em 17/12/2013, DJe 12/02/2014).
<a href="#_ftnref5" name="_ftn5">[5]</a> Se a sociedade (e o administrador que lhe representa) “aparentam” atuar nos limites e dentro de suas prerrogativas, então o ato seria válido.

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JOTA

Código Civil nasceu velho e cheio de regras que não fazem sentido para as relações comerciais atuais

A desobjetivação do direito societário brasileiro

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