Rodrigo Marchetti Ribeiro

No recurso especial 635.659, em pauta no Supremo Tribunal Federal (STF), discute-se a descriminalização do porte de drogas no Brasil. O <a href="https://www.jota.info/stf/do-supremo/ao-vivo-stf-retoma-julgamento-da-descriminalizacao-do-porte-de-drogas-no-brasil-24082023">julgamento ainda não foi concluído</a>, mas já gerou oposição (por exemplo: do presidente do Senado) e, mais do que isso, pode ter efeitos indesejados.
A posição favorável à descriminalização parte da seguinte premissa: a aplicação da <a href="https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2006/lei/l11343.htm">Lei de Drogas</a>, que não dá um critério objetivo (i.e., por quantidade) para distinguir o uso (porte) do tráfico, revelou-se altamente desigual nos tribunais. Os julgadores, ao que tudo indicam, levam em conta a aparência, escolaridade e renda do réu (dentre outros critérios) para definir quem estava meramente portanto drogas e quem é traficante delas.
Diante disso, a situação que se desenha no STF é: ter drogas até uma quantidade X (objetivamente definida) será considerado porte (ou, em outras palavras, mero uso) e acima disso tráfico. Além disso, o porte, ao que tudo indica, deixará de ser tratado como um crime, i.e., será descriminalizado – não se sabe, por ora, se o julgado se limitará à maconha ou se será estendido para outras drogas.
Mesmo os maiores críticos desta posição devem reconhecer que ela parte de uma preocupação absolutamente legítima. Se a aplicação da distinção entre porte e tráfico é feita segundo critérios discriminatórios que não se coadunam com o Estado democrático de Direito, algo deve ser feito para que esta discriminação cesse. Entretanto, são necessárias algumas reservas em relação ao que o STF pretende fazer. Dois problemas — interrelacionados — parecem evidentes o suficiente:
Primeiro, se for definida uma quantidade objetiva de drogas para se estabelecer a distinção entre o uso e o tráfico, isto, talvez, seja suficiente para enquadrar algumas situações claramente como tráfico (as grandes apreensões de drogas). Os casos problemáticos da aplicação da Lei de Drogas, todavia, são justamente aqueles de penumbra. Alguém que tem 50 gramas de maconha é usuário ou traficante? E 60 gramas? 61? Se o STF definir, por exemplo, que até 60 gramas de maconha seja considerado uso, o tráfico pode simplesmente vender a droga em pequenas quantidades (60 em 60 gramas), o que não seria crime. O resultado prático seria, com efeito, uma maior dificuldade em combater o tráfico.
Segundo, é necessário admitir que algumas pessoas não usam drogas exatamente pelo fato de o seu porte ser proibido — por exemplo, por receio de ter problemas com a justiça. Se o porte (ou, melhor dizendo, o uso) for descriminalizado, é imperativo reconhecer que estas pessoas, que estão inibidas exatamente pelo fato de o porte de drogas ser ilegal, vão procurar drogas. Como o tráfico de drogas continuará sendo ilegal, criar-se-á, nestes casos, um estímulo para este mercado ilícito e para este crime.<a href="#_ftn1" name="_ftnref1">[1]</a>
Estes dois efeitos, seguramente, não estão sendo vislumbrados pelos que defendem a descriminalização do porte de drogas — ou, se estão sendo vislumbrados, estão sendo colocados como sacrifícios em prol de uma aplicação mais equânime da legislação penal (uma posição que é legítima).
Eles mostram, entretanto, como este debate, que se desenrola no STF, está se dando de forma apressada e, mais do que isso, de todo inadequada. Se é fato que a aplicação da lei não é equânime, também é fato que o STF não resolverá a questão das drogas no Brasil estabelecendo uma régua entre o que é tráfico e o que não é — e, diga-se de passagem, se a régua for 60 gramas, exsurge imediatamente a seguinte questão: como tratar o sujeito encontrado com 61 gramas?
Será justo e razoável deixar o sujeito com 60 gramas impune, mas condenar o sujeito com 61 gramas? Uma grama faz tanta diferença assim? Um debate para solucionar a questão do tráfico de drogas (o fracasso do Estado brasileiro e da legislação atual é absolutamente patente) cabe ao Congresso Nacional, que, infelizmente, se mantém inerte.
<hr />
<a href="#_ftnref1" name="_ftn1">[1]</a> É evidente que é preciso ressaltar que a criminalidade é um fenômeno multicausal e, portanto, a relação aqui estabelecida não é certa.

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JOTA

Debate para solucionar a questão do tráfico cabe ao Congresso, que, infelizmente, se mantém inerte

A descriminalização do porte de drogas e algumas problemáticas

Debate para solucionar a questão do tráfico de drogas no Brasil cabe ao Congresso Nacional, que, infelizmente, se mantém inerte