Danilo Orenga

Yasmim Fortes

Cerca de dois anos após a entrada em vigor do novo Código de Processo Civil (“CPC/2015”), o agravo de instrumento continua sendo um assunto polêmico, ainda mais considerando que o Superior Tribunal de Justiça irá em breve decidir se o rol do artigo 1.015 do CPC/2015 é taxativo ou não.
Entretanto, enquanto não há definição a respeito da taxatividade ou não do rol do agravo de instrumento e as eventuais consequências dessa potencial decisão, os jurisdicionados devem ainda enfrentar os conflitos interpretativos que são gerados por conta da leitura do referido, e sempre questionado, rol de cabimento, que vem sendo vítima de uma interpretação ainda mais restritiva pelos Tribunais. 
O CPC/2015 delimitou as situações em que determinada decisão interlocutória seria imediatamente recorrível, revogando a disposição anterior de ser agravável “decisão suscetível de causar à parte lesão grave e de difícil reparação” (CPC/73). Porém, o simples ato de se delimitar as hipóteses de admissibilidade do agravo de instrumento, com a intenção de reduzir a interposição de recursos e tornar a prestação jurisdicional mais célere, não foi suficiente para evitar disparidades entre as decisões dos Tribunais, nem tampouco para eliminar a sempre criticada jurisprudência defensiva.
É justamente o que ocorre com o estudo da recorribilidade das decisões relacionadas à arguição de prescrição. 
<a style="color: #333333;" name="art1015i"></a> Diz o artigo 1.015 do CPC/2015, que: “Cabe agravo de instrumento contra as decisões interlocutórias que versarem sobre (...) mérito do processo”. Apesar de não haver dúvidas de que a decisão que aprecia a ocorrência de prescrição é uma decisão de mérito, já que essa decisão é capaz de colocar um ponto final à lide posta em juízo, ainda que parcialmente, o Tribunal de Justiça de São Paulo (“TJSP”) vem decidindo que apenas a decisão que acolhe a alegação de prescrição pode ser considerada como uma decisão de mérito. Por outro lado, a decisão que rejeita a arguição de prescrição não seria uma decisão de mérito e, por essa razão, não seria suscetível de interposição de agravo de instrumento<a class="sdfootnoteanc" style="color: #333333;" href="#sdfootnote1sym" name="sdfootnote1anc">1</a>.
Cite-se, como exemplo, o entendimento da 33ª Câmara de Direito Privado do TJSP, que afirma que “não existiu reconhecimento de prescrição, motivo pelo qual não é aplicável o disposto no artigo 1.015, II do Novo Código de Processo Civil”<a class="sdfootnoteanc" style="color: #333333;" href="#sdfootnote2sym" name="sdfootnote2anc">2</a>. 
Mas tal interpretação não é unânime<a class="sdfootnoteanc" style="color: #333333;" href="#sdfootnote3sym" name="sdfootnote3anc">3</a>, inclusive, dentro do próprio TJSP. Em recente julgamento, mais precisamente seis dias após o julgamento acima citado, a 31ª Câmara de Direito Privado do TJSP admitiu o processamento do agravo de instrumento interposto contra decisão que rejeitou a prescrição, sob o argumento de que: “tendo em conta que a irresignação recursal diz respeito a prescrição, o agravo será conhecido, dada a previsão do inciso II, do artigo 1.015 (...) eis que se trata de matéria concernente ao mérito da demanda”<a class="sdfootnoteanc" style="color: #333333;" href="#sdfootnote4sym" name="sdfootnote4anc">4</a>.
Com todo o respeito às opiniões adversas, entendemos que a interpretação conferida pela 31ª Câmara de Direito Privado do TJSP é a única interpretação possível ao comando do caput do artigo 1.015 do CPC/2015, pois o legislador não optou por tornar agravável apenas a decisão que declare a prescrição, mas também aquela que a rejeite, bastando apenas que o conteúdo da decisão aborde, trate, decida ou, nos próprios termos legais, verse sobre tal questão. 
Não fosse essa a vontade do legislador, ele teria limitado essa hipótese de cabimento de agravo de instrumento de forma expressa e taxativa, tal como ocorre nas hipóteses dos incisos III, V e VIII do artigo 1.015, do CPC/2015, que determina que apenas caberá o excepcional recurso de agravo de instrumento quando houver, respectivamente, a rejeição: (i) da alegação de convenção de arbitragem; (ii) do pedido de gratuidade da justiça ou acolhimento do pedido de sua revogação; e (iii) do pedido de limitação de litisconsórcio.
Para outras situações, como as hipóteses dos incisos I (tutelas provisórias), IV (incidente de desconsideração da personalidade jurídica) e VI (exibição ou posse de documento ou coisa), o legislador optou por não fazer qualquer diferenciação quanto ao acolhimento ou não da pretensão resistida pelo juiz de primeira instância, de modo que deve ser observado o comando do caput do referido artigo, que utiliza o verbo versar como limitador do alcance de cada uma das hipóteses de cabimento do agravo de instrumento.
No mesmo sentido são as conclusões expostas por Fredie Didier Jr. que, realizando uma análise comparativa com o CPC/73, afirma: “Tomemos o exemplo da prescrição, que é um contradireito. O art. <a style="color: #333333;" href="http://www.jusbrasil.com.br/topicos/10686033/artigo-487-da-lei-n-5869-de-11-de-janeiro-de-1973">487</a>, <a style="color: #333333;" href="http://www.jusbrasil.com.br/topicos/10685952/inciso-ii-do-artigo-487-da-lei-n-5869-de-11-de-janeiro-de-1973">II</a>, <a style="color: #333333;" href="http://www.jusbrasil.com.br/legislacao/91735/c%C3%B3digo-processo-civil-lei-5869-73">CPC</a>, dispõe que a decisão é de mérito quando decide sobre a prescrição. Decidir sobre a prescrição é acolhê-la ou rejeitá-la. Há, deste ponto, sutil diferença em relação ao correspondente do <a style="color: #333333;" href="http://www.jusbrasil.com.br/legislacao/91735/c%C3%B3digo-processo-civil-lei-5869-73">CPC</a>-1973 (art. 269, IV), que mencionava apenas a decisão que pronunciava a prescrição (...) fato que levou parcela da doutrina a considerar como de mérito apenas a decisão que a acolhe. A nova redação impede que se chegue a essa conclusão. A mudança do verbo não foi por acaso”<a class="sdfootnoteanc" style="color: #333333;" href="#sdfootnote5sym" name="sdfootnote5anc">5</a>.
Assim, considerando que o legislador não utilizou palavras inúteis, cabe aos Tribunais analisar o caso sob um viés eficiente, conhecendo dos agravos de instrumento interpostos contra decisões que rejeitem a prescrição, que se providos, evitarão uma instrução probatória inútil. Não há qualquer justificativa para que o reconhecimento da prescrição, pelos Tribunais, seja feito apenas em sede de preliminar de apelação quando ocorre a prévia rejeição da alegação em primeira instância, o que acaba por desconsiderar o objetivo primordial do CPC/2015, de garantir a prestação jurisdicional de forma útil, eficiente e célere. 
É claro que tal conclusão não visa descaracterizar o rol taxativo do artigo 1.015 do CPC, que já se encontra em grande risco<a class="sdfootnoteanc" style="color: #333333;" href="#sdfootnote6sym" name="sdfootnote6anc">6</a>, mas sim de colaborar com uma leitura harmônica e sistemática do CPC/2015, em conformidade com a intenção do legislador, que foi de ímpar clareza ao destacar que caberá a interposição do recurso de agravo de instrumento quando a decisão em questão versar sobre o mérito da demanda, inexistindo qualquer distinção sobre o acolhimento ou não da matéria arguida.


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<div id="sdfootnote1">
<a class="sdfootnotesym" style="color: #333333;" href="#sdfootnote1anc" name="sdfootnote1sym">1</a> Cite-se, a mero título exemplificativo, alguns acórdãos publicados ao longo de 2017 pelo TJSP: AI nº 2121348-58.2017.8.26.0000; AI nº 2055415-41.2017.8.26.0000; AI nº 2055001-43.2017.8.26.0000; AI nº 2246101-24.2016.8.26.0000; AI mº 2003655-53.2017.8.26.0000; e AI nº 2227234-80.2016.8.26.0000, dentre outros. 
</div>
<div id="sdfootnote2">
<a class="sdfootnotesym" style="color: #333333;" href="#sdfootnote2anc" name="sdfootnote2sym">2</a> TJSP – Agravo de Instrumento nº 2224726-30.2017.8.26.0000 – 33ª Câmara de Direito Privado – Rel. Des. Sá Moreira de Oliveira, j. 11/12/2017.
</div>
<div id="sdfootnote3">
<a class="sdfootnotesym" style="color: #333333;" href="#sdfootnote3anc" name="sdfootnote3sym">3</a> Outros Tribunais vêm decidindo de forma diversa. Cite-se, como exemplo, o Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios (TJDFT), no Agravo de Instrumento nº 049574-64.2018.8.07.0000, de 22.03.2017, e também o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJRS), no Agravo de Interno nº 70069412294, de 11/08/2016. 
</div>
<div id="sdfootnote4">
<a class="sdfootnotesym" style="color: #333333;" href="#sdfootnote4anc" name="sdfootnote4sym">4</a> TJSP – Agravo de Instrumento nº 2138276-84.2017.8.26.0000 – 31ª Câmara de Direito Privado – Rel. Des Carlos Nunes, j. 05/12/2017. 
</div>
<div id="sdfootnote5">
<a class="sdfootnotesym" style="color: #333333;" href="#sdfootnote5anc" name="sdfootnote5sym">5</a> DIDIER JR., Fredie. Curso de direito processual civil, Bahia, ed. Jus Podivm, vol. 1, 18ª ed., pág. 741-742.
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<div id="sdfootnote6">
<a class="sdfootnotesym" style="color: #333333;" href="#sdfootnote6anc" name="sdfootnote6sym">6</a> Em 28 de fevereiro de 2018, o Superior Tribunal de Justiça decidiu julgar , em sede de recurso repetitivo, o Recurso Especial nº 1.704.520, que determinará se as hipóteses de interposição de agravo de instrumento previstas no artigo 1.015 do CPC poderiam ou não ser ampliadas. O Recurso Especial está concluso para decisão da Relatora Min. Nancy Andrighi desde 13 de abril de 2018.
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JOTA

Após 2 anos da entrada em vigor do NCPC, o agravo de instrumento continua sendo um assunto polêmico

A decisão que rejeita a alegação de prescrição é agravável?

Após 2 anos da entrada em vigor do NCPC, o agravo de instrumento continua sendo um assunto polêmico