Paulo Fernando S. Pereira

A acentuada polarização vivenciada nas últimas eleições acabou invisibilizando importante debate: a afro e etno-conveniência. Enquanto o serviço público e as universidades públicas conseguiram estabelecer sistema minimamente seguro de avaliação dos candidatos negros (pretos e pardos, conforme orientação do IBGE), no sistema eleitoral, presenciou-se verdadeira afro e etno-conveniência por parcela significativa de candidatos/as interessados/as nos recursos do fundo eleitoral.
De acordo com elaborada pesquisa encomendada pelo Portal UOL, metade dos parlamentares eleitos, em 2022, que se dizem negros, em verdade, são brancos<a href="#_ftn1" name="_ftnref1">[1]</a>. Assim, por mais 04 anos, a população negra e os povos indígenas, permanecerão vitimados cinicamente pela pilhagem colonial.
A verdade é que não adianta estabelecer incentivos sem que haja fiscalização mínima a respeito de como esses benefícios eleitorais são creditados, como pregam os supostos liberais que se beneficiam da regra. Aliás, é um descrédito para a Justiça Eleitoral brasileira permitir que a afro e etno-conveniência sejam levadas adiante sem quaisquer constrangimentos. Ora, se o Brasil já estabeleceu um padrão mínimo de regras jurídicas a respeito do autorreconhecimento étnico-racial, por quais razões não se implementar regras semelhantes no sistema eleitoral?
Sabe-se que as discussões em Direito Eleitoral não são muito favoráveis à população negra e aos povos indígenas<a href="#_ftn2" name="_ftnref2">[2]</a>, daí sequer cogitar-se discutir cotas eleitorais: reserva de vagas nos parlamentos para esses sujeitos constitucionais. A razão é muito simples, o Direito Eleitoral é o campo jurídico, por excelência, onde as elites brancas ou embranquecidas, determinam como querem que as normas eleitorais sejam definidas da forma que melhor lhes convém: ou seja, com regras (códigos e estatutos) tão ‘claros’ que só um grupo hegemônico, obviamente branco, possa delas dispor.
Como diria, um dito popular: “farinha pouca, meu pirão primeiro”. Todavia, o racismo político e eleitoral é tão arraigado que, mesmo diante de tanta farinha (recursos), a branquitude política se amesquinha de recursos os quais deveriam ser destinados para aqueles grupos minorizados, como em tempos coloniais, onde a alimentação dos escravizados era constituída predominantemente pelos alimentos ou sobras que não interessavam à casa-grande.
Em boa hora, poderiam ser lançados questionamentos, por partidos políticos progressistas, no âmbito do <a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/stf">STF</a>, em sede de ADPF, no sentido de previsão de cotas nos Parlamentos para negras/os e indígenas, bem como, através dos instrumentos processuais, nas instâncias eleitorais, como comissões de heteroidentificação para fins de verificação da negritude ou indigeneidade declarada.
Os campos político e jurídico progressistas não podem temer um sistema de cotas nos Parlamentos ou a fiscalização dos benefícios garantidos àqueles que, efetivamente, fazem jus às medidas de afro e etno-reparação conquistadas por aqueles sujeitos constitucionais. Portanto, usando o próprio Direito Constitucional, é preciso despertar e combater a afro e etno-conveniência instalada no sistema eleitoral brasileiro.
Não haverá Democracia de verdade enquanto o racismo político for uma premissa dos sistemas eleitoral e parlamentar. Em que pese ainda estarmos atônitos com os ataques à Democracia vivenciados nos últimos dias, é preciso despertar, também, para as incongruências do sistema eleitoral e parlamentar. Assim, as eleições municipais de 2024 seriam uma boa oportunidade para implementar ao menos as comissões de heteroidentificação.
_____________________________________________________________
<a href="#_ftnref1" name="_ftn1">[1]</a> <a href="https://noticias.uol.com.br/politica/ultimas-noticias/2022/11/20/metade-dos-parlamentares-eleitos-que-dizem-ser-negros-sao-brancos.htm">https://noticias.uol.com.br/politica/ultimas-noticias/2022/11/20/metade-dos-parlamentares-eleitos-que-dizem-ser-negros-sao-brancos.htm</a>
<a href="#_ftnref2" name="_ftn2">[2]</a> A respeito da representação dos povos indígenas, recomendo a leitura da dissertação de CONCEIÇÃO, Keyla Francis de Jesus da. A invisibilidade do indígena no processo eleitoral brasileiro: as organizações indígenas e a luta pela representação política. 2018. 119 f., il. Dissertação (Mestrado em Direito) – Universidade de Brasília, Brasília, 2018.

52618736717_11e9ca5a9e_k

https://images.jota.info/wp-content/uploads/2021/09/copy-of-jota-logo-high-cmyk.jpeg

JOTA

Acentuada polarização na política dificulta debate sobre afro e etno-conveniência nas últimas eleições

A cor da política: eleições e comissões de heteroidentificação

Acentuada polarização na política dificulta debate sobre afro e etno-conveniência nas últimas eleições, e parlamentares se declaram negros