Andres Sutt

Felipe Magrim

A identidade digital pode ser entendida como uma representação dos nossos dados pessoais no meio digital, ou seja, é uma representação digital e única de cada pessoa. Ao adotar soluções que autenticam a identidade de um indivíduo com segurança e privacidade, é possível ampliar e facilitar o acesso a bens e serviços privados e governamentais. Esse é um pilar fundamental na construção de uma sociedade digital confiável e, portanto, menos burocrática. Segundo relatório realizado pela consultoria americana Liminal, esse mercado deve crescer até 91% nos próximos quatro anos, impulsionado pelos setores de entretenimento, mídias sociais, turismo, economia compartilhada e saúde. 
No Brasil, a discussão sobre identidade digital ainda está majoritariamente focada na unificação e digitalização de documentos, como evidenciado pelo recente anúncio da carteira de identidade digital. No entanto, vale ressaltar que o país foi reconhecido como o segundo mais avançado em maturidade digital do governo no ranking do Banco Mundial. 
Mesmo com esse rápido progresso, a maioria das transações que exigem comprovação de identidade ainda são realizadas de forma física e presencial. De acordo com uma pesquisa da Unico/FGV, a falta de sistemas digitais de comprovação de identidade nas relações com governo e empresas resulta em um desperdício de, no mínimo, R$ 104,4 bilhões anualmente. É evidente a necessidade de avançarmos no desenvolvimento de soluções digitais para evitar tais perdas e promover maior eficiência. 
A Estônia é um exemplo de sucesso na implementação da identidade digital como ponto de partida para tudo que envolve acesso ao consumo e exercício da cidadania. O país adotou regulações e leis que proporcionaram um ambiente propício para o desenvolvimento da digitalização e a eliminação de burocracias. Todos os cidadãos e residentes estonianos possuem, por lei, uma identidade digital, o que lhes permite utilizar serviços digitais com segurança. Essa legislação pioneira deu base para que o setor privado trabalhasse em conjunto com o Estado na criação de soluções cada vez mais inovadoras. Ser uma sociedade digital proporciona uma economia estimada de 2% do PIB anualmente. 
Para se ter uma idéia, 99% dos serviços oferecidos pelo governo aos cidadãos são online — isso representa mais de 500 e-serviços. Um exemplo de sucesso é a declaração de impostos, que pode ser feita online e em poucos minutos. Basta conferir os dados e assinar, pois as informações já estarão pré-preenchidas por meio do relatório mensal de renda fornecido pela autoridade tributária que integra os bancos de dados e permite que diversas informações apareçam já pré-preenchidas nos serviços oferecidos.
O sistema tributário da Estônia é tido como o mais competitivo do mundo, com regras claras e simples. Lá, é possível abrir uma empresa em duas horas. Outro exemplo é o portal de saúde, onde é possível verificar a data da próxima vacinação ou a disponibilidade de receitas médicas digitais. Essa praticidade elimina a necessidade de papel e o acesso ao pedido médico pode ser realizado em qualquer farmácia. Apenas um serviço público ainda exige a presença física dos cidadãos: o divórcio. Embora todos os serviços governamentais também estejam disponíveis pessoalmente, essa opção é muito raramente utilizada. 
No Brasil, com o avanço da digitalização, a discussão sobre privacidade, segurança e transparência tem ganhado cada vez mais repercussão. A Lei Geral de Proteção de Dados (<a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/lgpd">LGPD</a>), que entrou em vigor em 2020, é fortemente baseada na regulação europeia, como o Regulamento Geral de Proteção de Dados (GDPR). A privacidade é um princípio fundamental consagrado na Constituição brasileira, no artigo 5º, oferecendo uma base sólida para a proteção de dados pessoais tanto no ambiente físico quanto no virtual. 
A implementação e fiscalização adequadas dos princípios e direitos previstos na LGPD são desafios constantes, exigindo esforços contínuos das autoridades competentes e conscientização dos cidadãos para assegurar que a privacidade seja respeitada e protegida de maneira eficaz no contexto digital e além dele. Já a Estônia, como membro da União Europeia, possui sua própria legislação de privacidade baseada no Regulamento Geral de Proteção de Dados (GDPR). Essa legislação oferece uma camada adicional de confiança aos usuários de soluções digitais. 
O pequeno país europeu se destaca por sua legislação pioneira, que serviu de base para a digitalização bem-sucedida do país. Em terras brasileiras, à medida que a jornada rumo à construção de uma sociedade digital avança, é essencial explorar e aprender com experiências como a da Estônia, adaptando as melhores práticas à nossa realidade. Para isso, é necessária a promoção da conscientização sobre a importância da identidade digital e seus benefícios para a sociedade. É fundamental que o governo, o setor privado e a sociedade civil trabalhem em conjunto para desenvolver soluções abrangentes que atendam às necessidades dos cidadãos brasileiros. 
Um aspecto crucial a ser abordado é a criação de regulações sólidas e transparentes para a identidade digital no Brasil, assim como na Estônia, o país precisa estabelecer regulamentações e leis que incentivem a digitalização e a desburocratização, garantindo ao mesmo tempo a privacidade e a segurança dos usuários. É necessário promover a colaboração entre os diversos atores envolvidos, como órgãos governamentais, empresas de tecnologia e especialistas em segurança cibernética, a fim de desenvolver diretrizes claras e eficazes. 
O Brasil chegou à marca de 165 milhões de pessoas conectadas à internet, segundo o relatório Digital 2022. Investir em infraestrutura tecnológica é fundamental para a implementação bem-sucedida da identidade digital. Isso envolve garantir o acesso confiável à internet em todo o país, promover a inclusão digital e fornecer os recursos necessários para que os cidadãos possam aproveitar plenamente os serviços digitais. Esses esforços devem ser acompanhados por iniciativas de educação e capacitação, visando aumentar a alfabetização digital e a conscientização sobre práticas seguras na utilização da identidade digital. 
Outro aspecto importante é a adoção de padrões abertos e interoperáveis, ou seja, capazes de interagir com diversos outros padrões, para a identidade digital. Isso permitirá a integração eficiente de diferentes sistemas e facilitará a troca de informações entre entidades governamentais, empresas e cidadãos. A Estônia tem sido um exemplo nesse sentido, com sua infraestrutura de identidade digital baseada em tecnologias criptográficas avançadas e sistemas interconectados. O Brasil pode aprender com essa abordagem e buscar a criação de um ecossistema de identidade digital que promova a interoperabilidade e a colaboração entre os diferentes atores envolvidos, considerando a integração de todos os documentos e autenticações oficiais já com vistas ao ecossistema digital (emissão de credenciais, governança descentralizada). 
Por fim, a segurança, privacidade e inclusão devem estar no centro das iniciativas de identidade digital no Brasil. É essencial adotar medidas rigorosas de proteção de dados e garantir que as informações pessoais dos usuários sejam armazenadas e transmitidas de forma segura. A transparência na coleta e no uso dos dados também é fundamental, pois viabiliza aos cidadãos o controle sobre suas informações e garante que elas sejam utilizadas apenas para os fins autorizados. 
Concluindo, cada sociedade digital é um ecossistema único. A identidade digital desempenha um papel crucial na construção de uma sociedade digital confiável na Estônia, no Brasil e em qualquer lugar do mundo. Os países enfrentam desafios e oportunidades únicas nesse campo, e podem se beneficiar da troca de conhecimentos e experiências. Ao aproveitar as lições aprendidas pela Estônia e adaptá-las à realidade brasileira, o Brasil tem o potencial de construir um sistema de identidade digital robusto, seguro e inclusivo, impulsionando a digitalização e oferecendo benefícios significativos para seus cidadãos. Além disso, a Estônia pode aprender com o Brasil à medida que avança em sua jornada digital. A hora é agora e investir nessa jornada significa moldar o futuro da identidade digital brasileira.

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JOTA

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