Luís Renato Vedovato

No dia 31 de março de 2017, o jornal O Estado de S. Paulo defendeu, em editorial intitulado <a href="http://opiniao.estadao.com.br/noticias/geral,o-desafio-de-uma-constituicao,70001721171">“O desafio de uma Constituição”</a>, a revogação da Constituição de 1988. No lugar dela, deveria surgir um “marco jurídico adequado aos tempos atuais”. O Estadão também publicou, em 09 de abril de 2017, o  <a href="http://opiniao.estadao.com.br/noticias/geral,manifesto-a-nacao,70001732061">“Manifesto à Nação”</a>, que clama por um plebiscito para a convocação de uma Assembleia Nacional Constituinte. 
Não é apenas nesse jornal que se encontram textos nesse sentido. Para ficar nos textos de 2017, no Globo, também é possível encontrar articulista que defendeu a mudança em fevereiro. Jogar pedra na Constituição Cidadã parece ser um esporte bastante popular no país. Mas a pergunta que fica é se ela não pode ser simplesmente alterada, no lugar de ser totalmente descartada. 
A resposta passa por se identificar o que não pode ser alterado de forma alguma, se mantida a Constituição. Aliás, esse texto nem vai se preocupar em rebater a afirmação de que é possível  convocar uma Assembleia Nacional Constituinte baseando-se numa lei ordinária federal. De fato, não é possível, mas esse debate será deixado de lado para se tocar no coração do problema, que consiste no que pode e o que não pode ser mudado na Constituição Federal de 1988. 
Dos quatro pontos imutáveis da Constituição, as chamadas cláusulas pétreas, sobre três não há discussão quanto à necessidade de alteração. De fato, a lista de alterações proibidas, que está no art. 60, parágrafo 4º, tem nos seus primeiros incisos temas que não são alvo de ataques por quem vê na morte do texto constitucional atual a saída para todos os problemas brasileiros. Não há dúvida de que a forma federativa de Estado, o voto direto, secreto, universal e periódico, além da separação de poderes devem permanecer. O que leva o leitor ao único inciso proibitivo restante, que diz respeito aos direitos e garantias individuais.
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Em outras palavras, a insatisfação com a Constituição parece se direcionar exclusivamente aos direitos e garantias individuais, pois os outros tópicos não são debatidos e todo o restante da Constituição pode ser alterado por emenda, por mais que isso exija debate democrático. É de se lembrar que a criação de uma nova Constituição também demandaria no mínimo os mesmos esforços para alteração da atual.
Nesse contexto, por ingenuidade ou desconhecimento, deliberadamente não vai se considerar a má-fé (por mais que haja fortes indícios de sua existência), quem defende uma nova Constituição não percebeu que poderá colocar a perder todos os direitos e garantias individuais que foram garantidos a partir da reconstrução democrática do país, aqui incluída a autonomia funcional do Ministério Público, por exemplo.
Esses direitos que são aplicáveis para a proteção de todos e todas, independentemente de quem sejam (podem ser errantes, cegos, retirantes, até de quem não tem mais nada) poderão desaparecer da noite para o dia. Essa constituição, que pode aprisionar comandantes de zepelins ou governantes ávidos por violarem garantias fundamentais, poderá desaparecer, se for aceita uma constituinte para criação de um novo “marco jurídico” do país. Não se passa incólume pela efetivação das normas da Constituição Federal, por mais que haja ainda muito pouco dela sendo concretizado. Mas as reações a ela são maiores quanto mais ela se efetiva. Nesse sentido, ela busca, ao menos, a distribuição de oportunidades. E é natural, que as vozes que buscam sua extinção vêm daqueles que terão que repensar sua posição de privilégio.
Ora, a Constituição garantiu a igualdade, e é ela que permite dizer que temos um objetivo como nação, fixado no seu art. 3º. Resta só entendermos que ela poderá ser o nosso alento no desespero, mas, para tanto, é necessário que nos reconheçamos como iguais aos detentos, às loucas, aos lazarentos, aos moleques do internato, aos velhinhos sem saúde e às viúvas sem porvir. Talvez aí esteja nosso maior desafio.

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JOTA

Quem uma defende nova Constituição não percebe que poderá colocar a perder direitos

A Constituição e o Zepelim

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